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A superação dos obstáculos para a industrialização

2012 . Ano 9 . Edição 74 - 31/10/2012

Foto: Missy & the universe

Estátuas do monumento “Memória dos Escravos”, no Zanzibar, Tanzânia, África

Gilberto Maringoni – de São Paulo

A industrialização brasileira teve início quase um século e meio após a primeira Revolução Industrial, na Inglaterra, na segunda metade do século XVII. Os principais obstáculos estavam na exiguidade do mercado interno e nas baixas tarifas de importação de produtos manufaturados. Mas o principal entrave só seria superado no final do século XIX: a escravidão

Foto: Reprodução

Família de imigrantes italianos alojada na Hospedaria dos Imigrantes, em São Paulo, no início do século XX

Num tempo em que se discute uma possível onda de desindustrialização na economia brasileira, vale a pena examinar as dificuldades existentes para o país superar seu padrão agroexportador, ao longo da segunda metade do século XIX.

Nosso principal produto do período era o café. Suas características como estimulante o tornariam uma espécie de marca da Revolução Industrial na Europa, quando regimes de trabalho de dois e de três turnos disseminaram-se por fábricas iluminadas por luz elétrica. Utilizado como antídoto para o sono de operários que atravessavam noites em manufaturas e difundido como iguaria requintada em ambientes sociais, o café conheceu demanda crescente nos países centrais.

O produto, que prospera em climas tropicais, começou a ganhar peso na economia a partir da década de 1840. Já existia uma cultura expressiva antes disso, mas nessa época o Brasil passa a ser responsável por 40% da produção mundial. A frutinha vermelha se espalhou pelos campos do sudeste e em breve seria o centro da pauta de exportação. Pelos cem anos seguintes, o café reorganizaria toda a economia, a sociedade e a vida política nacional.

TERRA E ESCRAVIDÃO Até 1888, a produção cafeeira seria resultado do trabalho escravo em vastas propriedades agrícolas que paulatinamente tomaram conta das províncias do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Minas Gerais e da Bahia. O café teve a característica de organizar todo um subsistema econômico de negócios ligados à exportação, como casas de financiamento, armazenamento, embalagem, expedição, navegação e comercialização. Seu cultivo, em regiões próximas à Corte, acarretou a redução do peso político e econômico do nordeste, marcado pela cultura canavieira.

O novo ciclo histórico balizou a economia e fomentou centralização do Estado nacional em formação. O governo imperial e as oligarquias que giravam ao seu redor se fortaleceram perto da metade do século, após o fim de uma série de rebeliões provinciais iniciadas após a Independência.

Ao dinamizar a atividade econômica, o café ensejou algumas iniciativas governamentais destinadas a aumentar a arrecadação fiscal e a consolidar a unidade política e territorial do país. As principais medidas institucionais foram a Tarifa Alves Branco, de 1844, a Reforma Monetária, de 1846, o Código Comercial, a Lei de Terras e o fim do Tráfico Negreiro, em 1850.

Foto: Acervo Gilberto Maringoni

Uma visão da época. Enquanto o trem do progresso conduz o abolicionismo, a economia escravista segue em lombo de burro. Revista Illustrada, agosto de 1887

TRAVAS À MODERNIZAÇÃO Poucas atividades econômicas de monta prosperavam fora da lógica agroexportadora. A possibilidade de se iniciar um ciclo industrializante esbarrava em vários entraves estruturais, entre eles a exiguidade do mercado interno. A modalidade que poderia florescer seria a indústria têxtil, com demandas até nas camadas mais pobres da população. Mas a adoção do tear mecânico pela Grã-Bretanha – uma das marcas da primeira fase da Revolução Industrial do século XVIII – barateou preços e inibiu a concorrência internacional. Aliado a isso, as baixas tarifas alfandegárias praticadas pelo Brasil em relação às mercadorias inglesas contribuíam para sufocar a produção local. Uma série de medidas favoráveis aos ingleses no plano comercial, em vigor entre 1808 e 1843, acentuava esses desequilíbrios.

Foto: Acervo Gilberto Maringoni

Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá, pioneiro da industrialização no Brasil. Revista Illustrada, novembro de 1889

À Inglaterra interessava expandir seus mercados de produtos industrializados e de crédito e aumentar seu leque de fornecedores de matérias primas, no início do século XIX. Para isso, Londres apoiou não apenas política e economicamente os países em fase de libertação, como em alguns casos deu suporte militar. Isso aconteceu no Chile, na Venezuela e no Brasil. A ascendência do país europeu sobre a América Latina se consolidou através de vultosos empréstimos concedidos aos novos Estados para viabilizarem suas independências e um processo de construção nacional. As contrapartidas logos se materializariam.

FAVORES ADUANEIROS Um dos primeiros atos de D. João VI, o monarca português, ao chegar ao Brasil em 1808, foi abrir os portos às “nações amigas”. Em linguagem clara, as mercadorias inglesas teriam taxas aduaneiras menores que produtos de outras partes do mundo. Em 1810, um novo tratado estabelece que a Inglaterra pagaria apenas 15% de tarifas, ou seja, 9% a menos que os cobrados seus concorrentes externos. Eram também 1% mais baixas que as pagas por Portugal. Enquanto essa tarifa perdurou, a concorrência predatória de manufaturados ingleses inibiu a industrialização brasileira.

Houve algumas tentativas fabris no período. Ainda nos tempos de D. João VI (1808-21), o governo construiu no Arsenal da Marinha, no Rio de Janeiro, uma fábrica de pólvora. Pequenas siderúrgicas foram tentadas em Araçoiaba, próximo à Sorocaba, em São Paulo, e em Congonhas do Campo, em Minas. Não foram muito adiante.

Tentando fomentar uma produção local, o governo imperial promulga, a partir de 1844, uma série de medidas sobre o comércio internacional. A principal delas, como já mencionado, foi a Tarifa Alves Branco, nome de seu proponente, o ministro da fazenda Manuel Alves Branco (1797-1855). Através dela, as taxas sobre importações de determinados produtos seriam elevadas em percentuais que variavam de 30% a 60%. Tinha por objetivo fortalecer o caixa do tesouro.

O ministro assim justifica sua proposta, na mensagem ao Parlamento, em 1844: “Nenhuma nação deve fundar exclusivamente todas as suas esperanças na lavoura, na produção da matéria bruta, nos mercados estrangeiros. Um povo sem manufaturas fica sempre na dependência de outros povos e, por conseguinte, nem pode fazer concessões vantajosas, nem avançar um só passo na carreira da sua riqueza”.

TRABALHO ESCRAVO Apesar de encarecer a compra de produtos estrangeiros, a tarifa era insuficiente para alavancar a atividade industrial. Além do reduzido mercado interno e da concorrência externa, havia outro fator a inibir a implantação de manufaturas. Era a permanência do regime de trabalho escravo.

Aparentemente barato para o empreendedor, o custo do cativo era alto em períodos de entressafra. O fazendeiro acabava imobilizando um capital humano que deveria ser alimentado e mantido constantemente, sob pena de perder investimento.

Foto: João Manuel Cardoso de Mello

Foram dispensados às
fábricas de algodão vários
incentivos, como isenção de
tarifas para a importação
de máquinas, isenção de
impostos sobre transportes
internos e externos etc., e, em
1847, confirmou-se a dispensa
de direitos alfandegários sobre
matérias primas destinados
às fábricas nacionais

João Manuel Cardoso de Mello,
em O capitalismo tardio

O economista João Manuel Cardoso de Mello discorda da opinião de que a indústria brasileira não se desenvolveu antes de 1850 apenas por falta de proteção contra a concorrência externa. Em seu livro O capitalismo tardio, ele diz que em 1846:

Foram dispensados às fábricas de algodão vários incentivos, como isenção de tarifas para a importação de máquinas, isenção de impostos sobre transportes internos e externos etc., e, em 1847, confirmou-se a dispensa de direitos alfandegários sobre matérias primas destinados às fábricas nacionais.

Nem assim houve um surto industrializante. Mais adiante, ele continua:

O verdadeiro problema começa aí: há que se explicar porque o nível de proteção, que jamais foi baixo, revelou-se insuficiente.

Seu raciocínio volta-se para a economia escravista. E pergunta:

Não seria possível revitalizar a produção mercantil e escravista revigorando as exportações ou implantando a grande indústria escravista?

Sobre isso, o economista é categórico ao responder que não. “Os custos da indústria escravista deveriam ser marcadamente superiores aos da indústria capitalista”. Seus lucros seriam menores. Isso acontece, em primeiro lugar, pelo fato de o pagamento da força de trabalho ser adiantado quando há escravos. De outra parte, quando há assalariados, o pagamento é feito após o trabalho ser realizado. Além disso, o escravo tem de ser coagido a produzir, enquanto o trabalhador livre desempenha suas funções em troco de um salário.

Um patrão que mecaniza parte de sua produção dispensa trabalhadores que se tornam ociosos. Um senhor de escravos, que comprou seus trabalhadores, jamais irá se livrar deles para reduzir custos. Pagou pelos cativos. Soltá-los significaria perder dinheiro. Assim, o escravismo mostrou-se impeditivo para o progresso técnico na produção capitalista.

Foto: Marc Ferrez

Estrada de Ferro Minas-Rio, estação de Cruzeiro em fins do século XIX. A cultura do café foi decisiva para o desenvolvimento da ferrovia

FIM DO TRÁFICO Entre todas as medidas da época, uma foi definidora para o crescimento econômico: a extinção do tráfico entre a África e o Brasil, por pressão inglesa. A questão arrastava-se desde pelo menos 1826, quando o governo assinou um tratado com a Inglaterra, obrigando-se a eliminar o comércio atlântico nos três anos seguintes. O acordo tornou-se letra morta.

Foto: Reprodução

Fábricas no bairro do Brás, São Paulo, 1910. A industrialização se implantou nos primeiros anos do regime de trabalho livre

A superação do trabalho escravo vinha das primeiras décadas do século, quando o laissez-faire se afirmou como doutrina dominante, conforme assinala Karl Polanyi, em A grande transformação:

Foi somente nos anos 1820 que ele (o liberalismo econômico) passou a representar os três dogmas clássicos: o trabalho deveria encontrar seu preço no mercado, a criação do dinheiro deveria juntar-se a um mecanismo automático e os bens deveriam ser livres para fluir de país a país, sem empecilhos ou privilégios. Em resumo, um mercado de trabalho, o padrão-ouro e o livre-comércio.

Em 1845, o Parlamento inglês aprova uma norma declarando lícita a apreensão de qualquer embarcação que traficasse africanos em qualquer lugar do mundo. A ação é fulminante. A potência europeia se arroga ao direito de realizar apreensões mesmo em águas brasileiras. A carga é tamanha, que o Brasil cede em 1850. O tráfico é abolido. Acaba-se ali o mais bem sucedido negócio brasileiro, que resultava na importação anual de cerca de 50 mil escravos, como examinou Caio Prado Jr. em seu clássico História Econômica do Brasil.

Com isso, as vultosas somas de capital empregadas no tráfico tiveram de se alocar em outros ramos de atividades, o que provocou uma injeção considerável de dinheiro na economia. De imediato, o país conheceu um período de expansão monetária e de ampliação e diversificação dos investimentos, entre 1850 a 1857. Esta fase, na vida social da Corte, inclui um culto ao luxo e à ostentação por parte da oligarquia e vários melhoramentos urbanos, como empresas de transporte, a iluminação a gás e canalização de córregos.

CAMINHOS DE FERRO Ao longo dos anos, a expansão do café levou o plantio a se afastar cada vez mais da costa, em busca de terras novas. O transporte era feito por estradas precárias, em lombo de burro e outros animais de carga. Uma ligação segura, econômica, contínua e rápida das regiões produtoras com os portos de exportação mostrava-se um gargalo cada vez mais preocupante. A solução colocada no horizonte era o último avanço tecnológico europeu na matéria: a ferrovia.

Foto: Revista Illustrada nº. 4 15, de 2 8 de julho de 18 85

Esta charge de Ângelo Agostini, de 1885, vale por um pequeno ensaio. Ela mostra a articulação estreita entre a escravidão, a organização do Estado (monarquia incluída) e da produção agrícola

A partir de 1852, por iniciativa de Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá, os primeiros quilômetros de trilhos foram implantados em parte do trajeto do Rio de Janeiro a Petrópolis. A partir dali, com idas e vindas, a nova modalidade de transportes se consolidou. Entre 1858 e 1900, a extensão da malha ferroviária se expandiria 140 vezes no país, passando de 109 quilômetros para 1530 quilômetros. A principal mola propulsora dessa difusão foi o café e os trilhos foram assentados, em sua maior parte, no sudeste.

Os excedentes advindos da cultura cafeeira e novos mecanismos de arrecadação fiscal possibilitaram o financiamento da expansão. Após a Guerra do Paraguai (1864-70), o Brasil não apenas era responsável por metade da produção mundial, como tinha o poder de impor os preços da commodity.

Sérgio Buarque de Hollanda refere-se à situação da seguinte forma:

O ano de [18]72 foi aliás de notável prosperidade para o país. As abundantes colheitas, somadas à constante alta do café no mercado internacional, deram grandes lucros aos fazendeiros. (...) Tudo fazia crer que entrara o país definitivamente numa era de recuperação, depois do abatimento proveniente da guerra.

RELAÇÕES CAPITALISTAS O setor exportador consolidava-se como pólo dinâmico da economia e principal elo do país com o mercado mundial. Motor da prosperidade oligárquica, o café, quase uma monocultura, também expunha o país às vicissitudes e oscilações da demanda internacional.

Havia outras atividades de monta ligadas à exportação, como a borracha e a cana. Mas, a essa altura, a supremacia do café era incontestável. A crescente complexidade dos negócios cafeeiros criara capilaridade entre o setor produtivo rural, os agentes de comércio, o sistema de transportes, as casas financiadoras de crédito, o processo de estocagem, a seleção de grãos e o ensacamento, e o sistema portuário, disseminando relações econômicas capitalistas. As cidades maiores deixam paulatinamente de serem meras organizadoras da vida rural, para tornarem-se o centro efetivo dos negócios, que necessitavam urgentemente de capitais externos para se expandir.

As últimas décadas do século XIX marcam a inserção das economias latino-americanas numa inédita divisão internacional do trabalho. O estabelecimento inconteste do império britânico, e a prosperidade acentuada da economia mundial, após 1870, irrigam o sistema internacional com migração maciça de capitais e pesados investimentos nos setores ligados à exportação em alguns países do Sul.

A Abolição e a paulatina implantação do trabalho assalariado, a partir de 1888, consolidam a dinâmica capitalista na economia, que se materializa numa incipiente indústria de manufaturas e em negócios ligados à exportação de café, como casas bancárias, estradas de ferro, bolsa de valores etc. Tais fatores vão se irradiando pela base produtiva brasileira, fazendo com que parte da oligarquia agrária se transforme numa incipiente burguesia, estabelecendo novas relações sociais e mudando desde as características do mercado de trabalho, até o funcionamento do Estado. Para esta economia, a escravidão era uma relação social obsoleta.

O novo padrão de acumulação daí advindo abala o que resta da economia colonial, com suas características internas – latifúndio e escravidão –, e o país se adapta ao livre mercado concorrencial, no qual o setor exportador de produtos primários é a fonte do dinamismo econômico.

Estavam dadas as condições para o início de nosso primeiro surto industrializantes, após a proclamação da República.

 
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