2012 . Ano 9 . Edição 75 - 28/12/2012
José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho
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A conquista brasileira em relação ao contencioso do algodão no sistema multilateral de comércio passa por um momento de apreensão quanto ao futuro. Desde a década de 70, a política agrícola nos Estados Unidos é tratada em uma estrutura legislativa abrangente chamada de Farm Bill, reeditada a cada seis anos. Ela trata de temas polêmicos, como o de subsídios. Caso haja um recrudescimento dos subsídios agrícolas americanos ou um retrocesso no acordo de compensação para o setor produtivo brasileiro, será necessário repensar em uma estratégia de retaliação ou negociação
O programa americano de crédito e os subsídios aos consumidores e aos exportadores de algodão foram responsáveis pela queda dos preços internacionais no período que vai de 1999 a 2002. Isso causou prejuízo à produção brasileira e motivou a abertura subsequente do questionamento à Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre o caso. No período questionado pelo contencioso, os prejuízos à economia brasileira foram da ordem de US$ 3,2 bilhões. Apenas no ano de 2001, a perda foi calculada em torno de US$ 600 milhões. Se não fossem os subsídios americanos, os preços internacionais seriam 12,6% mais elevados e a produção e as exportações americanas fechariam 28,7% e 41,2% menores, respectivamente.
Quanto ao mercado de algodão, o Brasil é o 4° maior exportador mundial, sendo o cerrado considerado a principal região produtora. A cadeia produtiva (que inclui a indústria fornecedora de insumos, a produção agrícola e o setor manufatureiro) teve uma movimentação financeira de US$ 38 bilhões. Nos Estados Unidos, menos de 1% do Produto Nacional Bruto (PNB) americano está relacionado à produção de algodão; porém, o país é o maior exportador mundial e o segundo maior produtor (depois da China). O cultivo nos Estados Unidos compreende 17 estados – região do Sul que representa o “cinturão do algodão”.
Cabe observar que o agronegócio nos Estados Unidos é um dos maiores doadores para os candidatos à presidência, ao Senado e à Câmara dos Deputados. Além da importância econômica para a área rural de estados com um grande número de votos distritais, a cadeia produtiva do algodão possui força política devido às doações financeiras nas campanhas eleitorais.
Em 2005, o Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) da OMC entendeu que o programa federal do governo americano subsidiava os exportadores, um mecanismo ilegal nos acordos multilaterais de comércio, o qual beneficiava os produtores locais. Num primeiro momento, o executivo americano, por meio do USDA, procurou adequar, após a primeira perda na OMC, os programas de créditos à exportação, já que poderiam ser modificados administrativamente. Entretanto, os subsídios eram matéria do Congresso, o qual não agiu para eliminá-los, pois há forte grupo de pressão dos produtores de algodão.
Em 2009, o Brasil obteve vitória na OMC, podendo retaliar produtos americanos de forma direta e cruzada. A retaliação direta seria feita por aumento de tarifa de importação de bens. A retaliação cruzada envolveria a quebra de patentes do setor farmacêutico americano pelos laboratórios públicos nacionais.
A posição americana de não negociar o contencioso do algodão com o Brasil inviabilizava avanços maiores na rodada Doha para redução tarifária no comércio internacional e multilateral.
Na iminência de uma retaliação por parte do governo brasileiro, os Estados Unidos resolveram firmar um acordo de compensação. Em 2010, foi negociada a proposta de transferência de US$ 147,3 milhões anuais para ser destinado ao Instituo Brasileiro do Algodão, instituição criada para gerir os recursos provenientes desse acordo. Desde então, o objetivo deste fundo foi o de promover e fortalecer a cotonicultura brasileira. Não obstante à conquista brasileira, o acordo deverá persistir enquanto os subsídios na economia norteamericana forem mantidos.
Como os subsídios fazem parte de uma agenda política de aprovação da Farm Bill, que foi adiada para o ano que vem nos Estados Unidos, tem-se um cenário de incertezas em relação ao acordo de compensação. O lobby americano pelo setor é muito forte e o mesmo visa a manutenção dos subsídios. Caso o governo americano não retire os subsídios, o acordo de compensação deverá ser reeditado. Diante da reeleição de Barack Obama nos Estados Unidos, será mais difícil negociar a extinção dos subsídios, posto a natureza do próprio partido democrático. Nesse sentido, é preciso pensar na permanência da compensação ao governo brasileiro. De qualquer forma, há um aumento nas críticas em relação ao protecionismo brasileiro e uma discussão de como os americanos entendem este acordo. Enfim, há muito ainda o que acontecer até janeiro de 2013. É preciso pensar e planejar possíveis alternativas.
___________________________________________________________________________________ José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho é técnico de planejamento e pesquisa do Ipea, Professor da UnB e Conselheiro do Cofecon. E-mail:
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