2013 . Ano 10 . Edição 76 - 25/02/2013
Sérgio Ulisses Jatobá
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Darcy Ribeiro afirmou certa vez que Oscar Niemeyer será o único brasileiro lembrado daqui a 500 anos. Certamente há quem discorde, mas deve se tentar entender a afirmação dentro do contexto de que a arquitetura é um dos elementos de uma cultura que, pela sua qualidade e significado, pode permanecer por séculos. E se permanece a arquitetura, permanece também o conjunto urbano no qual ela está inserida, se este tem qualidades tão excepcionais quanto aquela. Portanto, falar da possível eternidade de Oscar também é falar da eternidade de Brasília e de Lúcio Costa, seu “inventor”.
A exaltação midiática de Niemeyer, por ocasião da sua morte, se justifica por ser ele o grande gênio da arquitetura brasileira e um dos maiores nomes nas artes e na cultura mundial no século XX, mesmo diante das controvérsias que provoca. Quanto a Lúcio Costa, mesmo sendo reconhecido como outro gênio da arquitetura brasileira, com atuação destacada na produção teórica, arquitetônica, urbanística e no ensino, sua popularidade além dos círculos técnicos e acadêmicos, é bem menor do que a de Niemeyer.
Esse desequilíbrio no reconhecimento dado aos dois gênios do projeto de Brasília, que pode parece natural para alguns, para outros incomoda muito. Mais ainda quando se comete o imperdoável erro na atribuição da autoria do projeto urbanístico da capital à Niemeyer. Na verdade, Niemeyer bem poderia ser também o autor do projeto urbano.
O presidente JK não pretendia realizar o concurso do Plano Piloto de Brasília, mas possivelmente delegar toda a tarefa dos projetos arquitetônicos e urbanos à Niemeyer que o convenceu do contrário. Alertou para a legitimidade que a disputa daria ao projeto, desarmando também as críticas do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) quanto ao predomínio dado à sua arquitetura na cidade nascente.
O concurso, sob a organização do IAB, foi então realizado e foi escolhida a proposta que melhor traduziu a modernidade pretendida e a monumentalidade exigida para a capital de um país em recuperação de sua autoestima.
O projeto de Lúcio Costa para o Plano Piloto de Brasília teve sua qualidade reconhecida nos níveis nacional e internacional e foi a tradução urbanística perfeita para a arquitetura de Niemeyer, especialmente na área monumental da cidade. Brasília foi o casamento de duas genialidades, que pareciam predestinadas a este encontro. O resultado foi uma obra cuja grandiosidade se afirma continuamente e certamente se acentuará com o tempo.
A união de Oscar e Lúcio não ocorreu somente em Brasília. A filha de Lúcio, Maria Elisa Costa, lembra que o pai e Niemeyer estiveram juntos profissionalmente em quatro situações memoráveis. A primeira ocorreu quando Oscar, jovem arquiteto, procura Lúcio, um pouco mais velho, mas profissional já destacado na arquitetura brasileira, para pedir-lhe um estágio não remunerado em seu escritório. A segunda, decorrente da primeira, foi a inclusão de Niemeyer na equipe, liderada por Lúcio Costa, de projetistas do prédio do antigo Ministério da Educação e Saúde, hoje Palácio Capanema, no Rio de Janeiro, considerado o primeiro grande marco da arquitetura moderna brasileira. A terceira foi o projeto do Pavilhão do Brasil em Nova York na Feira Mundial de 1939, cujo concurso havia sido ganho por Lúcio, ficando Oscar em segundo lugar.
O reconhecimento, por Lúcio, de elementos inovadores no projeto de Oscar levou-o à decisão inusitada, e característica de seu caráter grandioso, de convidar Oscar para elaborarem uma proposta conjunta. A última reunião dos gênios foi no projeto de Brasília. A integração entre arquitetura e urbanismo atingiu a perfeição em alguns setores da cidade. Maria Elisa dá como exemplo a Praça dos Três Poderes, onde a genialidade da sua concepção urbanística se completa com os edifícios magníficos que a compõem, fazendo supor que as duas coisas foram obra de uma só cabeça.
Na verdade, sendo duas personalidades opostas, destacando-se em Oscar a intuição ousada e a autoconfiança e em Lúcio a solução estudada e a generosidade, um traço comum as uniu: a grande humanidade na vida e na força criadora. Nos projetos de Lúcio e Oscar se unem também de forma primorosa elementos clássicos e modernos do urbanismo e da arquitetura, fato que distingue a produção de ambos e evidencia a sábia lição de que permanece o que inova sem descartar o passado. Pela permanência das belezas autênticas, Lúcio e Oscar sempre estarão unidos na história da arquitetura brasileira e na criação de Brasília. A exaltação de um será, portanto, automaticamente também a exaltação do outro e isso precisa ser reconhecido pela mídia e pela opinião pública. Colocar Lúcio na frente de Oscar no título, invertendo o que se lê comumente, foi intencional. Lúcio também precisa ser ressaltado no momento em que Oscar, mais do que justamente, é enaltecido.
___________________________________________________________________________________ Sérgio Ulisses Jatobá é arquiteto urbanista da Secretaria de Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano do DF, professor do UniCeub, pesquisador do NEUR/UnB.
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