Como parte das atividades que selaram a despedida do presidente Lula, o Palácio do Planalto sediou, no último dia 15 de dezembro, um encontro entre representantes do governo e de diversos movimentos sociais. A ocasião foi marcada por discursos e depoimentos bastante convergentes na celebração de maior abertura do Estado brasileiro às demandas de grupos até então marginais na formulação e na implementação de políticas públicas.
Uma das mais relevantes expressões disso, como então enfatizou o ex-ministro Luiz Dulci, foi a institucionalização da participação social nas políticas federais. Dados mostram que, entre 2003 e 2010, cresceu muito o número e a variedade temática de conselhos criados ou reformulados e de conferências realizadas.
Embora não se possa desprezar esses avanços, a construção de um modelo democrático de governança no país está longe de ser acabada. Três desafios, em especial, se colocam para o futuro próximo.
O primeiro é a consolidação e a disseminação de dados e análises sobre as instituições participativas em âmbito federal. Boa parte dos conselhos e das conferências que compõem a cifra exaltada pelo ex-ministro Dulci vem surgindo em áreas sem grande tradição de participação, nas quais, embora possa sobrar boa vontade, falta conhecimento sobre como estruturar e gerir essas instituições. A criação de um Portal da Participação – à semelhança do conhecido portal da transparência –, reunindo leis ou decretos de criação, composição atualizada, regimentos, atas, notícias e estudos sobre a disseminação de instituições participativas no âmbito federal ajudaria a suprir essa lacuna e poderia até mesmo estimular os gestores a se aventurarem cada vez mais pelo uso de mecanismos dessa natureza.
O segundo é a criação de uma rotina de aperfeiçoamento das instituições participativas. Se é verdade que a participação vive um momento forte na agenda política, a literatura acumulada sobre o tema tem documentado várias desilusões com o cotidiano de suas formas organizativas. As críticas passam pelos mais diversos fatores, como um poder de agenda do governo em tese privilegiado em relação à sociedade civil; a presença de linguagem excessivamente técnica nas reuniões, excluindo alguns setores sociais do pleno engajamento nos processos deliberativos; ou a colonização dos ambientes e processos deliberativos por participantes de ofício. Ao invés de desencorajarem o uso cada vez maior da participação, essas críticas devem estimular reflexões sobre como seguir aprimorando-a.
Inovações desse tipo já se acham em curso, como se vê pelo exemplo das conferênciaslivres. Utilizadas nas Conferências Nacionais de Juventude e de Segurança Pública para permitir o engajamento direto e espontâneo de cidadãos, elas geraram grande ganho de qualidade deliberativa nas etapas nacionais. Ainda assim, a produção e a circulação dessas novas ideias se dão de maneira pouco sistemática. É preciso, portanto, desenvolver estratégias que proporcionem, aos órgãos federais, uma oportunidade de aprendizado constante e coletivo sobre as melhores maneiras de estruturar e manter em funcionamento as suas respectivas instituições participativas.
O terceiro desafio, por fim, é enraizar o ideário da participação em todo o Estado brasileiro. Até agora, a criação e a disseminação de instituições participativas esteve quase sempre restrita ao Poder Executivo. Mas a governança das políticas públicas não se resume ao Executivo – inclui também, para dizer o mínimo, o Legislativo e o Judiciário. Nestes outros espaços, é sabido que a realização do ideário participativo da Constituição de 1988 tem andado a passos bem mais lentos.
De todo modo, exemplos como a Lei da Ficha Limpa e as correições do Conselho Nacional de Justiça mostram que em cada um deles é possível e desejável avançar mais. O governo federal poderia tomar a liderança desse processo, convocando os demais poderes a celebrar um amplo pacto pela democratização do Estado brasileiro, à semelhança do que já se fez para viabilizar reformas na área da justiça.
Enfrentar esses desafios requererá planejamento e coordenação em níveis bem maiores que os exercitados durante a Era Lula. Trata-se de tarefa complexa e trabalhosa, mas que pode contribuir para que o Brasil enfim experimente um momento verdadeiramente original em sua trajetória de desenvolvimento, no qual a promoção de mudanças estruturais na economia e na sociedade não se apresente como uma contradição com a inclusão de vastas parcelas da população nos processos decisórios.
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Fabio de Sá e Silva é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).