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Em luta pela floresta quase perdida

2013 . Ano 10 . Edição 77 - 07/10/2013

Foto: Montagem baseada no desenho original de Tatiane Genaro
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Ayana Trad

Naqueles tempos em que os governos incentivavam a ocupação da Amazônia pela pecuária predatória, apareceu um líder seringueiro chamado Chico Mendes que usou estratégias de luta pacífica em defesa do desenvolvimento econômico com a preservação do meio ambiente. Exatos 25 anos após sua morte, descobre-se que seu grande legado talvez tenha sido o de acelerar, com seu martírio, o processo de conscientização ecológica no Brasil

A casa, cenário daquele crime histórico ocorrido há 25 anos, não guardava qualquer singularidade especial em relação às moradias de milhares de outros seringueiros da região amazônica. Tratava-se de uma palafita de madeira, com saleta, dois quartos e cozinha, banheiro no quintal, instalada nas bordas de uma pequena cidade do Acre, Xapuri, encravada no coração da floresta. A vítima, por sua vez, era um trabalhador rural que passara a vida inteira, desde a infância, sobrevivendo do extrativismo do látex e da castanha. Nasceu e morreu na mesma Xapuri, bem perto da divisa com a Bolívia. Até mesmo seu algoz não tinha nada de especial em relação aos milhares de aventureiros que, naqueles tempos, em nome do progresso, tocavam fogo em toda e qualquer floresta que viam pela frente, numa corrida desenfreada pela conquista da Amazônia.

Era final da tarde de 22 de dezembro de 1988 quando aquele seringueiro saiu pela porta dos fundos de sua palafi ta para cumprir a rotina de tomar banho no quintal. Batizado Francisco Mendes Filho, conhecido por Chico Mendes, ainda nos primeiros passos seria abatido por um tiro de escopeta no peito. Havia uma semana que completara 44 anos. Deixou viúva e dois filhos pequenos, de quatro e dois anos. Os tiros foram disparados por um pequeno pecuarista, Darly Alves Pereira, e por seu filho Darcy. Semianalfabeto, rústico, Darly vivia em condições ainda mais precárias do que as de sua vítima, numa pequena gleba perto de Xapuri, com três esposas, uma dúzia de filhos e uma centena de cabeças de gado. Pai e filho negaram que estivessem a serviço de grandes fazendeiros, assumiram toda a culpa, foram condenados e cumpriram penas de prisão.

Chico Mendes Filho tinha tudo para ser mais um elemento de massa a engrossar as estatísticas da violência no Brasil, apenas mais um dentre os 982 camponeses que foram mortos em disputas na Amazônia entre 1964 e 1988. Entretanto, uma confluência especial de fatores históricos o transformaria em mártir. Logo, viraria um mito, o símbolo maior de um tempo. Quando o filósofo Hegel explicava a seus alunos os conceitos de Espírito do Mundo e Espírito do Tempo, sua aula seria interrompida por um ensurdecedor barulho de cascos de cavalos. Correu à janela e avistou Napoleão invadindo a Alemanha. Então chamou os alunos para apontar um exemplo encarnado de suas ideias. “Eis o espírito do mundo a cavalo”.

Chico Mendes, por sua vez, representa o espírito das lutas ambientais no Brasil. Ou, mais precisamente, simboliza o espírito de um tempo de transição entre os conceitos do progresso sem fim, da exploração desenfreada dos recursos naturais, e o início da luta por um modelo de desenvolvimento sustentável, que busque conciliar as necessidades econômicas com a preservação do meio ambiente. Sua história pessoal, por essa razão, não é apenas a biografia de um personagem relevante. Mas conhecer a trajetória desse homem é o melhor caminho para se compreender o contexto de lutas econômicas daquele tempo.

NO CORAÇÃO DA FLORESTA Para se chegar à cidade de Xapuri, nos tempos de Chico Mendes, era preciso enfrentar 175 quilômetros de estrada de barro e crateras, intransitáveis à maior parte do ano por conta das chuvas. Uma viagem que, por vezes, durava três a quatro dias. Filho de cearense, um daqueles “soldados da borracha” nordestinos que entre 1943 e 1945 foram convocados, alistados e transportados para a Amazônia a fim de extraírem borracha para o esforço de guerra dos Estados Unidos contra o Eixo, Chico acabou seguindo o caminho do pai. Na Xapuri de sua juventude não havia outra opção que não fosse a extração de látex da forma tradicional.

Foto: Homero Sérgio/Folhapress
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Chico Mendes colhe látex em Xapuri, onde liderou os seringueiros na luta contra o avanço das atividades predatórias
Chico com a mulher, Ilzamar Mendes, e um dos filhos na janela de sua casa. Ao lado, a atriz Lucélia Santos conversa com o seringueiro

Ainda adolescente, encontrou um mentor político: Euclides Távora, ex-militar que pertencera à Coluna Prestes. Depois de percorrer por três anos o interior do Brasil em protesto contra o governo de Arthur Bernardes, a Coluna terminou refugiada na Bolívia. A maior parte dos rebeldes voltou para suas casas. Távora atravessou a fronteira e instalou-se em Xapuri. Por conta do discípulo Chico Mendes, acabaria deixando o anonimato para se transformar, ele próprio, num dos protagonistas da história recente do Acre. Os matadores Darly e Darcy Alves da Silva, por motivos opostos, também.

Távora teria ensinado Chico a ler, a escrever e a compreender a realidade social à sua volta. Foi assim que Chico amadureceu diferente de seus pares nos seringais. Desde pequeno, contam hoje seus amigos de infância, aprendeu que somente a união poderia mudar a condição dos extrativistas, que era praticamente escrava. Trocavam látex por objetos e alimentos – assim como os índios, outrora, haviam trocado madeira e ouro por bugigangas europeias.

A CONQUISTA DO OESTE Desde os anos 50, uma das estratégias do projeto desenvolvimentista brasileiro era crescer rumo ao oeste, até os extremos da chamada Amazônia Ocidental. A partir dos anos 70, sucessivos governos militares começaram a abrir rodovias e a incentivar a ocupação da Amazônia pela pecuária, quase sempre com fazendeiros de São Paulo ou da região Sul. Por todo o Pará, Mato Grosso, Rondônia e Acre, os mognos e castanhais caíam ao chão para dar lugar ao gado, à soja e ao algodão. Quanto ao método de “amansar” a mata, o mesmo do Brasil Colônia: as queimadas. Em 1983 ocorreria um fato relevante, quando o governo de João Figueiredo inaugurou o asfalto do trecho norte da rodovia BR-364, com consequências desastrosas para o meio ambiente.

A BR-364, iniciada por Juscelino Kubitschek, é uma das maiores rodovias do país. Sai de Limeira, São Paulo, e rasga em diagonal todo o lado oeste do Brasil até a cidade de Rodrigues Alves, Acre, no extremo ocidental do Brasil. Figueiredo mandou asfaltá-la no trecho entre Cuiabá e Rio Branco. Nesse processo de ocupação acelerada com incentivos fiscais da Sudam e da Sudeco, cerca de mil km2 eram queimados por dia para dar espaço às pastagens. Índios e posseiros já não eram mais donos das terras nas quais cresceram. Era o conceito usual de desenvolvimento daquele tempo. Nas imediações de Xapuri, os seringais também começaram a tombar para dar espaço aos pastos. Chico foi apanhado nessa encruzilhada da História. Emergiu como líder dos seringueiros de sua comunidade.

A GÊNESE DA LUTA “Os seringueiros não tinham um referencial político do nível do Chico”, relata o índio Marcos Terena, que naquele início dos anos 80 era uma das principais referências brasileiras na luta pela preservação da floresta. “Eles eram da floresta, isolados. Viviam em torno da vida selvagem. O Chico era o mais politizado, sabia da importância de denunciar como era a vida do seu povo. Ele era padrinho, consultor e conselheiro”.

Na realidade, naquele início, Chico sequer era ambientalista, segundo a concepção atual. O conceito de meio ambiente e de ecologia, assim como a agenda de luta, foi consolidado somente nos anos 90, portanto, depois da morte de Chico. Naquele tempo, ele lutava por algo no chão da sua própria realidade, o direito das pequenas comunidades amazônicas de usufruírem da extração do látex e das castanhas das florestas tropicais. O antigo mentor, Távora, já o havia iniciado na cartilha tradicional do Partido Comunista Brasileiro.

Mas naquele início dos anos 80, emergia uma nova organização, o Partido dos Trabalhadores, PT, pregando novas formas de luta política. Em 1980, fazendeiros mandaram assassinar o principal líder seringueiro do Acre, Wilson Pinheiro, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, segunda maior cidade do estado. Em sua homenagem, o PT criou em São Paulo a Fundação Wilson Pinheiro, mais tarde rebatizada de Fundação Perseu Abramo. Chico ascendeu no vácuo de Pinheiro. Primeiro assumiu a presidência do sindicato de Brasiléia. Foi um dos fundadores da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Acre e, depois, do Conselho Nacional dos Seringueiros. Assim, transcendeu seu grupo de seringueiros da pequena Xapuri e, rapidamente, começou a se tornar uma liderança política de âmbito nacional.

Na luta específica contra a derrubada das florestas e para conter o avanço da pecuária no Acre, ele passou a utilizar táticas pacíficas de resistência, batizadas de “empates”. Consistia em juntar dezenas de pessoas a fim de cercar os tratores escalados à devastação. Grupos de famílias de seringueiros, homens, mulheres, crianças e anciãos, davam-se as mãos e faziam uma corrente em volta das máquinas. Obviamente os “empates” tinham um enorme potencial de tragédias. Algum jagunço poderia abrir fogo, ou alguém poderia acelerar o trator. Contudo, acabou prevalecendo o lado mais humano dos empregados das agropecuárias. Foi assim que Chico acabou muitas vezes sendo chamado, por aliados nas grandes cidades, de “Gandhi da Amazônia”. Os pesquisadores Miguel Haddad e Renato Kestener, que se mudaram de São Paulo para o Acre a fim de descortinar a vida do seringalista, explicam no livro Acre – na ponta do Brasil a situação da região:

“O estado ardia em chamas com as queimadas e com o clima de guerra instaurado naquelas pequenas cidades do interior do Acre. A onda de assassinatos contra lideranças fez com que os seringueiros passassem a se organizar e a lutar cada vez mais em conjunto. Chico encabeçou um movimento pacífico de defesa de terras. Com uma corrente de isolamento, composta por diversos trabalhadores e suas famílias, os empates não permitiam a entrada de fazendeiros em suas terras”.

POVOS DA FLORESTA Em meados dos anos 80, Chico foi um dos fundadores da União dos Povos da Floresta. Lideranças sindicais, quase todas ligadas à CUT e ao PT, se juntaram aos povos indígenas da região (Caxinauás, Apurinãs) e minorias sociais para entrar em consenso sobre suas lutas. Essa iniciativa foi algo completamente novo. Hoje, conceitos como de “povos da floresta” – a junção de índios, de comunidades extrativistas, de entidades sindicais e de movimentos sociais – são internacionalmente reconhecidos. Contudo, naquele primeiro momento, foi muito difícil de ser implementado. Marcos Terena, índio fundador da União, explica como o processo aconteceu:

Foto: Wilson Dias/ABr
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A BR-364 sai de São Paulo e rasga todo o lado oeste do Brasil até o do Acre. Figueiredo asfaltou o trecho entre Cuiabá e Rio Branco, com consequências desastrosas ao meio ambiente

“Desde o início dos anos 80 já pensávamos em como poderíamos defender o meio ambiente e ao mesmo tempo fazer a exploração econômica das florestas. Eram ideias parecidas com esses pensamentos que hoje as Nações Unidas chamam de sustentabilidade. Historicamente, os povos indígenas, principalmente do Acre, viam os seringueiros como homens brancos, iguais aos demais. O trabalho foi mostrar que os seringueiros conseguiriam tirar proveito da floresta sem prejudicá-la. Tínhamos que perder medo um do outro. Tudo isso para lutar em prol dos valores humanos, dos direitos sociais e da preservação da floresta”.

Esse apoio mútuo entre os povos da região foi um duplo estopim. Por um lado, deu visibilidade internacional àqueles líderes emergentes egressos dos confins da Amazônia, como Chico Mendes e Marcos Terena. De outro, deixou os fazendeiros da política do boi apreensivos. Em 1988, Chico criou a Cooperativa Agroextrativista de Xapuri. Uma nova bandeira de luta então apareceu: a criação de reservas extrativistas na Amazônia. Os fazendeiros, por sua vez, atacavam abertamente a ideia de reservas e defendiam o boi como modelo insubstituível de ocupação da Amazônia.

“Chico parece ter sido um ser humano com todos os vícios e virtudes, que se juntou aos diversos movimentos para defender a sobrevivência de seu povo”, avalia o pesquisador Miguel Haddad. “Ele morreu sem saber que seria o mito Chico Mendes, que se transformaria em ídolo do Acre e em maior símbolo da luta ambiental da Amazônia”, acrescenta.

DEU NO NEW YORK TIMES Até o dia do seu fim, Chico Mendes era no Brasil só mais um dos milhares de sindicalistas semianônimos espalhados por esse Brasil. Em sua própria terra, a pequena Xapuri, era bastante polêmico, acusado pelos adversários de bígamo, de homem de confronto. Relevantes e conhecidos, dentre os “povos da floresta”, eram Marcos Terena, primeiro índio piloto de avião do país (e também o primeiro a cursar universidade), o folclórico deputado Mário Juruna e o cacique Raoni Caiapó, líder maior dos povos do Xingu. Quando morreu, nenhum grande jornal brasileiro publicou o crime.

Foto: Valter Campanato/ABr Foto: Divulgação
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Marcos Terena: “os seringueiros não tinham um referencial político do nível do Chico. Eles eram da floresta, isolados. Viviam em torno da vida selvagem”

Quando ministra do Meio Ambiente, Marina Silva reconheceu a relevância histórica do antigo amigo de lutas, dividindo as atribuições do Ibama com a criação do Instituto Chico Mendes

Até que a notícia sobre seu assassinato saiu com destaque no jornal The New York Times. Ato contínuo, no The Washington Post, Boston Globe e no The Guardian, de Londres. Logo, nas principais redes de televisão dos Estados Unidos e da Europa. Só depois a imprensa brasileira começaria a noticiar a existência desse protagonista. Entre o Natal e o Réveillon de 1988, reportagens sobre o líder seringueiro ocupariam páginas inteiras de todos os grandes jornais nacionais. Descobriu-se então que já existiam dois documentários internacionais sobre ele, que suas práticas de extrativismo com preservação da floresta, o conceito de “povos da floresta” e suas táticas de resistência pacífica, o “empate”, também já eram discutidos em diversas rodas do emergente movimento ambientalista global. O próprio Chico dava palestras em universidades no exterior. Chegou a fazer um discurso na ONU, quando recebeu o prêmio Global 500 por um Mundo Melhor.

“A força política veio da entrada na arena internacional. Foi assim que Chico passou a ser seriamente nocivo aos interesses dos grandes fazendeiros que exploravam a mão de obra da região”, conta Marcos Terena.

LEGADO HISTÓRICO O fato concreto é que o destaque internacional provocado por sua morte começou a chamar a atenção, dentro do Brasil, para questões até então confinadas em guetos de ativistas verdes ou de sindicalistas. Há 25 anos, a consciência ecológica do país era pequena. Antes disso, em 1974, o presidente Ernesto Geisel até havia criado a Secretaria Especial de Meio Ambiente, gênese do futuro ministério, e nomeou para o cargo, com status de ministro, mas com poucos poderes de fato, um respeitado indigenista e naturalista, Paulo Nogueira Neto – que lá permaneceria até fins do governo de João Figueiredo, em 1985. José Sarney, por sua vez, já havia criado o Ibama pela fusão de vários órgãos governamentais.

Entre europeus e americanos, crescia a preocupação com o destino da maior floresta tropical do mundo. Havia na Europa um movimento político chamado de “Verde”, nascido na Alemanha, e com simpatizantes no Brasil como os jornalistas Fernando Gabeira e Alfredo Sirkys, ambos ex-exilados políticos. Contudo, a consciência ecológica era muito incipiente e difusa em todo o mundo. Sequer existiam expressões como sustentabilidade ou reciclagem. Falava-se basicamente de preservação de biomas e de animais.

Com sua morte, Chico Mendes acabou por se tornar símbolo maior da luta ambiental no Brasil. Nesses 25 anos, a consciência ecológica vem crescendo em processo exponencial. Seu Acre, por sua vez, ganhou visibilidade política e econômica sem igual dentre os demais estados da Amazônia. Chico abriu caminho, por exemplo, para outra companheira das primeiras lutas pelos povos da floresta, Marina Silva, que hoje é reconhecida internacionalmente como uma das porta-vozes da luta pela preservação da Amazônia. E Marina, por sua vez, abriu caminho para a atual ministra do Meio Ambiente Izabela Teixeira, que em fins de setembro ganhou o prêmio da ONU “Campeões da Terra 2013” por sua liderança mundial em defesa da natureza – instaurando a terceira geração de ecologistas brasileiros com prestígio global. Recentemente, em 2007, o governo Lula criou o Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade, órgão nascido da costela do Ibama. Ficaram com o instituto as atribuições de administrar os parques nacionais e de fomentar a pesquisa ambiental. Por todas essas razões, a imolação de Francisco Mendes Filho, há 25 anos, significou um grande impulso para o longo e doloroso processo de consciência ecológica no Brasil. E Chico Mendes, por sua vez, encarnou o espírito do homem vivendo em harmonia com a natureza.

 
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