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Os que sobrevivem do lixo

2013 . Ano 10 . Edição 77 - 07/10/2013

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Carla Lisboa

Estudo inédito do Ipea revela que são 400 mil os catadores de resíduos no Brasil. Eles têm baixa escolaridade e a maioria é formada por homens, negros e jovens. A surpresa é que 58% contribuem para a Previdência, metade usufrui de esgoto em casa, quase um quinto tem computador e somente 4,5% estão abaixo da linha da miséria

São dois grandes problemas distintos, contudo tão interligados quanto gêmeos siameses. O primeiro são os lixões a céu aberto existentes em quase todos os municípios brasileiros. Trata-se de uma mazela de ordem ambiental com solução à vista. O outro problema é social – as legiões de brasileiros que sobrevivem nesses lixões como catadores de resíduos sólidos, uma das mais insalubres e indignas atividades econômicas humanas. Para resolver o problema dos depósitos de lixo a céu aberto, o Congresso Nacional aprovou, em 2010, uma lei instituindo uma política nacional para os resíduos; e o Ministério do Meio Ambiente, por sua vez, determinou que os municípios têm até agosto de 2014 para criar aterros sanitários e iniciar a coleta seletiva. Até agora, 10% dos municípios tomaram providências. Contudo, trata-se de um problema de vontade política (ver box na página 62).

A verdadeira encruzilhada está em como promover a inclusão social dos catadores. Mas quantos são eles? Onde estão e como vivem? Do que afinal precisam? Para tentar encontrar respostas a essas questões, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) fechou parceria com a Secretaria-Geral da Presidência da República e com a Secretaria de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego. O resultado, publicado sob o título de Diagnóstico sobre Catadores de Resíduos Sólidos, apresenta uma radiografia que guarda uma série de novidades, algumas surpreendentes.

A primeira novidade diz respeito ao tamanho desse grupo social. São 400 mil catadores de resíduos sólidos em todo o Brasil. Somados os membros das famílias, chegam a 1,4 milhão de brasileiros que sobrevivem do lixo. A maioria dos catadores é formada por homens jovens, negros ou pardos. Eles têm baixa escolaridade e vivem nas cidades com uma renda média de R$ 571,56. O estudo também descortina uma série de contrastes. Um deles é a diferença da situação do Nordeste em relação às demais regiões. O Nordeste é pior em tudo. Em seguida, em uma situação quase semelhante, aparece a região Norte. Outro aspecto que chama a atenção nessa pesquisa é o fato de que apenas 10% do contingente de catadores está organizado em cooperativas.

A surpresa foi encontrar estatísticas positivas em meio a esse grupo social. Mais da metade deles (58%) contribui com a Previdência Social. Como estão basicamente em grandes ou médias cidades, 99% moram em residências com energia elétrica e 48% usufruem de sistema de saneamento básico. A maior das surpresas foi constatar que somente 4,5% das famílias de catadores sobrevivem com menos de R$ 70 per capita mensais, a cifra que estabelece a linha abaixo da pobreza absoluta. “Quando imaginamos um catador de lixo, desenhamos a imagem de uma pessoa na extrema pobreza”, diz Albino Rodrigues Alvarez, técnico de planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos Regionais, Urbanos e Ambientais (Dirur), do Ipea, e um dos coordenadores do estudo, junto com os técnicos Sandro Pereira Silva e Fernanda Lira Goes. “Mas como a linha é baixa, menos de R$ 70 per capita, alguma coisa os catadores sempre conseguem pegar. Esse é o atrativo da rua: a pessoa remexe o lixo e descobre coisas de algum valor para vender”.

 

Foto: Divulgação/Ipea

“Observei nas visitas
às cooperativas que as
mulheres aparentam ser
mais sensíveis a essas
organizações e os homens
mais refratários a cumprir
uma disciplina de trabalho”



Albino Rodrigues Alvarez, técnico de
planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos
Regionais, Urbanos e Ambientais (Dirur) do Ipea

Inéditos, esses dados começaram a ser divulgados na segunda semana de agosto, nas Conferências Estaduais de Meio Ambiente, organizadas principalmente para subsidiar governos que ainda não adotaram ações efetivas para acabar com os lixões até agosto de 2014, conforme previsto na Lei 12.305/2010, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Resultado do cruzamento de dados dos Censos Demográficos 2008 e 2010 do IBGE, o diagnóstico faz parte de um rol de 14 cadernos com a descrição minuciosa da situação dos resíduos sólidos do país, produzidos pelo Ipea para subsidiar o governo federal na elaboração e na implantação do PNRS. Esse diagnóstico também servirá de base para uma nova pesquisa que o instituto iniciará no fim de 2013, em parceria com a Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho. “Vamos aprofundar o conhecimento sobre os catadores, explorar a situação social, formas de arranjos, dentre outros aspectos dessa população”, adianta Alvarez.

URBANOS Um dos dados constatados neste diagnóstico é que 93% dos catadores são urbanos. Esse número supera a taxa de urbanização do país: 85%. Eles moram em residências com aproximadamente quatro pessoas e a taxa de coabitação com crianças é maior do que a média nacional. Nos domicílios com catador, a razão de dependência é de 50% em relação às crianças. Ou seja, crianças são 50% da população. E mais: das crianças de zero a três anos que residem em casa com catador, 22,7% frequentam creche.

Nos domicílios com algum catador, há 99% de acesso à energia elétrica e 49,8% usufruem de saneamento básico, com água encanada e rede de esgoto. Seguindo a diferenciação por região, no Norte, 12% usufruem desse serviço, até porque, na Amazônia, o saneamento básico existe em poucas cidades. Outra novidade é que 17,7% dos domicílios de catadores têm computador.

MULHERES Inicialmente uma atividade masculina, as mulheres já representam 31,1% do total de brasileiros que se declararam ao IBGE catadores de resíduos. Esse percentual varia muito entre os estados. No Amazonas, as catadoras chegam a 40%, enquanto são apenas 17% no Rio Grande do Norte e 15% em Roraima. Em nenhum estado o número de mulheres supera o de homens.

Contudo, quando os catadores se organizam em cooperativas, as mulheres superam os homens. “Observei nas visitas às cooperativas que elas aparentam ser mais sensíveis a essas organizações e os homens mais refratários a cumprir uma disciplina de trabalho”, explica o coordenador da pesquisa. “Por isso as mulheres têm assumido a liderança nas cooperativas”.

As melhores surpresas, aliás, estão concentradas entre os catadores organizados em cooperativas. “Quase podemos dizer que existe uma elite (entre aspas porque essa população é muito pobre) de catadores em cooperativas, pessoas que conseguem mais que os outros”, acrescenta Alvarez. “Por outro lado, há uma massa de catadores bastante sacrificada”.

O coordenador da pesquisa relata que, ao visitar vários lixões pelo Brasil, é comum ouvir relatos de catadores que consideram a insalubridade do lixo melhor do que viver de pequenos bicos nas ruas. “Eles dizem que catar lixo pode parecer mais degradante, higienicamente mais constrangedor, mas, de alguma maneira, é mais garantido porque é um ponto. A rua tende a ser mais violenta, até porque trabalham isoladamente”, explica.

RENDA O estudo constata que, em 2010, o rendimento médio dos catadores era de R$ 571,56. Todavia, há variações regionais. Ao cruzar os dados, percebeu-se que, no Nordeste, a renda média é de R$ 459. No Sudeste, R$ 629. Quando se considera os domicílios em que há pelo menos um catador, a renda média per capita da família cai para R$ 235,60. Contudo, é três vezes e meia acima da linha da miséria absoluta – são aqueles cuja renda familiar per capita está abaixo de R$ 70 mensais.

Entre os estados, a maior renda ficou com Santa Catarina (R$ 701) e a menor com a Paraíba (R$ 391). Outro dado interessante é que, diferentemente da realidade percebida na região Norte, Roraima se sobressai com uma renda acima de R$ 700 e por ser o estado com menos catadores de resíduos sólidos (apenas 263), concentrados em Boa Vista. São Paulo é o estado com o maior número absoluto de catadores, quase 80 mil, 20% do total.

“Os catadores e suas famílias são alvo de preocupação e, sobretudo, das políticas públicas de inclusão social e geração de renda”, informa Daniel Gobbi, assessor da Secretaria Nacional de Articulação Social, da Secretaria-Geral da Presidência da República, um dos responsáveis pela difusão do estudo do Ipea nos estados e municípios. Em agosto, Gobbi esteve em João Pessoa para apresentar o diagnóstico dos catadores da Paraíba no Congresso Estadual do Meio Ambiente. Foi quando informou que a Paraíba é o estado onde os catadores estão em pior situação econômica.

ESCOLARIDADE Quanto ao nível de escolaridade, 20,5% dos catadores se declararam analfabetos. Ou seja, são aqueles que não sabem escrever sequer o próprio nome. No Nordeste, 34%; no Sudeste, 13,4%. Ou seja, a taxa de analfabetismo entre eles é acima da média nacional, de 7,9% da população com mais de 18 anos, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, o Pnad 2011.

Um olhar mais detalhado revela que 24,5% dos catadores com 25 anos ou mais têm pelo menos o ensino fundamental completo. Esse número evidencia a baixa escolaridade entre os que passaram pela escola e que, provavelmente, estudaram somente três ou quatro anos. Estes integram a massa de analfabetos funcionais. Por outro lado, 11% dos catadores com mais de 25 anos declararam ter o ensino médio.

O que pensam os catadores

São muitas as ideias e debates sobre como aproveitar a implantação do Plano Nacional de Resíduos Sólidos para promover a inclusão social dos catadores. Mas afinal, o que pensam os principais interessados?

“Ninguém consegue implantar os aterros ou ajudar os catadores por causa de problemas políticos”, aponta Raimunda Alves Ribeiro, diretora da Central das Cooperativas de Catadores de Resíduos Sólidos do Distrito Federal (Centcoop), que reúne 25 cooperativas da capital federal. Raimunda mostra-se bem informada sobre o PNRS e sobre a situação do grupo em outros estados. Segundo ela, catadores em todo o Brasil, organizados ou não em cooperativas, estariam disputando os lixões com as grandes empresas que prestam serviços de coleta para as prefeituras.

As empresas ganham por tonelada recolhida e despejam o lixo, sem tratamento, nas áreas indicadas pelas prefeituras. “Elas resistem à coleta seletiva e ao fim dos lixões; pressionam os políticos porque não é interessante investimento dos governos em reciclagem e em inclusão social”, acrescenta. “O lixo é uma fonte de riqueza que poderia muito bem ter uma destinação social se pudesse ser adequadamente coletado”, faz coro Rônei Alves, também catador de Brasília.

O estudo revela que 58% dos catadores contribuem para a Previdência como autônomos ou facultativos. Ao verem esse dado, os técnicos deduziram que os catadores que integram esse percentual podem estar em momento de entrada ou de saída de emprego e, para não perder o vínculo, continuam pagando a contribuição previdenciária.

Do total de catadores que contribuem com a Previdência Social por estado, os do Espírito Santo são os que contribuem mais: 83%. No Rio de Janeiro são 74% e em São Paulo, 71%.

BUSCA DA IDENTIDADE A pesquisa traçou o perfil dos catadores por regiões, estados e microrregiões. Os dados revelaram que a maioria dos catadores é do sexo masculino (68,9%) e a população negra e parda entre eles é mais elevada do que a média nacional em todas as regiões: 66,1%. No Sul, os negros e pardos são 41%. Santa Catarina, com taxa de 34,5%, é o estado com o menor número de catadores negros. No Norte e Nordeste, a atividade de catador é essencialmente exercida por negros e pardos. No Amapá, o índice é de 85,7%; na Bahia, de 84%. Em Salvador, chega a 92% e em Catu, cidade no Recôncavo Baiano, 94% dos catadores são negros.

O catador tenta construir uma identidade própria perante a sociedade e, ao mesmo tempo, desenvolver na categoria o sentimento de autoestima e de orgulho da atividade. Geralmente, sobretudo entre as lideranças, eles não tentam passar a imagem de que desejam adquirir características dos segmentos sociais privilegiados. Essa atitude é perceptível nos encontros sobre resíduos. “Apesar de aparecerem pessoas de terno e cheias de eufemismos, que não conhecem bem a área, os catadores sempre estão presentes e gostam de ser chamados de catadores de material reciclado”, lembra Albino Alvarez, coordenador da pesquisa.

A difícil luta pela implantação dos aterros sanitários

A implantação do Plano Nacional de Resíduos Sólidos tem enfrentado muitas barreiras. A primeira delas foi o trâmite de 20 anos no Congresso Nacional esperando aprovação. A dificuldade atual é o cumprimento do prazo para extinção dos lixões em todo o país. O Ministério do Meio Ambiente definiu o mês de agosto de 2014 como limite para que os 5.570 municípios acabem com os lixões e adotem, como medida de emergência, os aterros sanitários. Também é o prazo para que instituam a coleta seletiva e a reciclagem dos resíduos sólidos. Mas implantar um sistema desses é caro e, por isso, essa realidade está longe de se materializar.

“Todo dia tem prefeito em Brasília pedindo mais prazo”, afirma Júlio Cesar Roma, coordenador de Estudos em Sustentabilidade Ambiental da Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Ipea. Segundo ele, faltando menos de um ano para finalizar o prazo, apenas 10% dos municípios apresentaram seus planos municipais para extinção dos lixões.

O instituto participa do PNRS e de sua implantação desde o início. Os pesquisadores do órgão elaboraram diagnósticos de áreas diferentes, participaram de todas as etapas de implantação do plano, incluindo as audiências públicas realizadas em cada região do Brasil. Esses encontros desembocaram na audiência nacional que deu uma forma definitiva ao plano. No momento, a fase é de implantação do PNRS, mas os prazos começam a vencer.


Ministério do Meio Ambiente definiu agosto de 2014 como limite para os 5.565 municípios acabarem com os lixões

INCLUSÃO SOCIAL Feito o diagnóstico, vem a receita. Ou seja, depois dos governos federal, estaduais e municipais tomarem conhecimento dessa radiografia pormenorizada dos 400 mil catadores de resíduos, o que as autoridades públicas pretendem prescrever para buscar promover a inclusão social, melhores condições de trabalho e o acesso de 1,4 milhão de familiares (sendo 700 mil crianças) aos serviços públicos? O Plano Nacional de Resíduos Sólidos veio para tentar resolver o problema dos lixões do ponto de vista técnico e econômico, obrigando os municípios a criarem aterros sanitários, dentre outras medidas. Mas também prevê a inclusão social e profissional dos catadores.

Muitos especialistas do setor privado entendem que o objetivo do PNRS é o de somente resolver o problema do lixo, não o problema social. Outro debate instaurado entre os diferentes setores envolvidos com o PNRS é definir se a atividade de catador é suficientemente digna a ponto de o Estado fomentá-la como profissão a ser regulamentada. Ou se não seria melhor qualificar os catadores para outras atividades.

Foto:  Agência Brasil/Arquivo

Um dos dados revelados pela pesquisa destaca que 24,5% dos catadores com 25 anos ou mais têm pelo menos o ensino fundamental completo

POTENCIAL ECONÔMICO Pelo PNRS, gestão do lixo não será uma atividade essencialmente pública e estatal. Mas abre espaço para a sociedade civil e para os catadores. O que se busca nos foros de discussão sobre o problema é encontrar uma solução mista.

Por exemplo, em muitos locais no Brasil, a coleta de lixo é um contrato licitado por empresas privadas. A mesma coisa pode acontecer com a administração do aterro sanitário: vai ter o público e em muitos lugares haverá licitações para uma empresa privada gerir.

Enquanto isso não se resolver, o Brasil perde dinheiro e um meio ambiente saudável. A prova disso está no resultado da pesquisa Pagamento por Serviços Ambientais Urbanos para Gestão de Resíduos Sólidos, publicada pelo Ipea em 2010, que considerou apenas cinco elementos presentes no lixo factíveis de reciclagem – alumínio, aço, vidro, celulose e plástico.

A pesquisa demonstra que o valor de R$ 8 bilhões representa a estimativa dos benefícios potenciais da reciclagem para a sociedade brasileira. “Em outras palavras, se todo o resíduo reciclável que atualmente é disposto em aterros e lixões fosse encaminhado para a reciclagem, os benefícios gerados seriam da ordem de R$ 8 bilhões para a sociedade”, registra o estudo.

 
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