2013 . Ano 10 . Edição 77 - 07/10/2013
Foto: Alexander Chaikin /Shutterstock |
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Adriana Nicacio
O Ipea lança três publicações com contribuições significativas de pesquisadores em temas como saúde, educação, emprego, segurança e meio ambiente, sob a ótica do território regionalizado. A iniciativa faz parte do projeto Brasil em Desenvolvimento, uma reflexão sobre a evolução da questão regional e o debate em torno das políticas públicas
O Brasil passou por amplo processo de integração nacional a partir de 1930, com o primeiro governo de Getúlio Vargas. Mas a política nacional de desenvolvimento acabou agravando as desigualdades regionais. E, apesar de especialistas, como o economista Celso Furtado, alertarem para a necessidade de se elaborar políticas específicas para cada região, o aspecto regional foi relegado quase ao abandono por décadas pelos mais variados motivos. Se os governos militares centralizaram ainda mais o poder, a instabilidade econômica exigiu todos os esforços de planejamento do governo. O resultado é uma enorme lacuna teórica incapaz de entender e pensar os diferentes Brasis.
Nos próximos meses, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) dá um passo importante para preencher essa lacuna, ao resgatar a regionalização como estratégia para o desenvolvimento do país. O instituto lança, em outubro, o projeto Brasil em Desenvolvimento, co composto por três publicações que abrigam o total de 30 artigos elaborados por pesquisadores e técnicos nos mais importantes temas como: saúde, educação, renda, emprego, segurança, infraestrutura, meio ambiente e reforma agrária. As análises envolvem a evolução da questão regional, num momento especialmente delicado, em que a persistência da desigualdade entre as regiões se impôs na pauta dos governos.
A questão agrária e as disputas territoriais estão no centro das atenções do Ipea. Índios, quilombolas, sem-terra, latifundiários, produtores agrícolas, pecuaristas e mineradores formam grupos que lutam por um extenso pedaço do Brasil. Não por um estado ou por um município, mas por um território que avance fronteiras e crie redes entre si. “Numa sociedade de classes, alguns grupos vivem, de forma plena e inédita, em uma multiplicidade de territórios fragmentados e ligados em rede”, explica o pesquisador do Ipea Antônio Teixeira Lima.
Os interesses são tão díspares que é difícil até responder a partir de quais objetivos a reforma agrária é necessária: se para atender o setor produtivo, criar instrumentos de preservação e proteção ou dar resposta ao campesinato em eterna postura defensiva frente ao capital.
Foto: João Viana |
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“Essa publicação vai diminuir a lacuna na análise de políticas públicas. Sentimos uma deficiência em se entender que o território brasileiro é grande e diverso”
Rogério Boueri, diretor de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Ipea
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A verdade é que só a abordagem territorial é capaz de construir relações que trabalhem espaço, tempo, objetos e ações. Só assim é possível entender que a Amazônia Legal, parte do Nordeste e o Pantanal mato-grossense são áreas com predomínio de atividades ligadas ao agronegócio e à exploração de recursos naturais. O Centro-Oeste e o Sudeste são basicamente dominados por agroindústrias de baixa intensidade tecnológica e áreas de média intensidade tecnológica atreladas à mineração. Ao mesmo tempo em que a exploração de babaçu, em regime de economia familiar, está espalhada pelo Piauí, Tocantins, Pará e Maranhão.
“Essa publicação vai diminuir a lacuna na análise de políticas públicas. Sentimos uma deficiência em se entender que o território brasileiro é grande e diverso. E a despeito de todos os problemas, o Brasil melhorou muito nas últimas décadas, precisávamos conhecer e avaliar esse fenômeno regionalmente”, diz o diretor de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Ipea, economista Rogério Boueri, coordenador do projeto.
Nos artigos, o Brasil surge bem diferente do mapa geopolítico do território nacional. O país analisado pelo Ipea envolve as dinâmicas das relações socioespaciais construídas pela vivência social e suas angústias, além de levar em conta as características físicas e de infraestrutura de cada localidade. Os estudos são a tentativa de se aprimorar as ações dos governos federal, estaduais e municipais, em resposta aos anseios da população num momento em que a ineficiência da gestão pública e seu alto custo para a sociedade não são mais tolerados – ainda que sejam praticados.
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Foto: Divulgação/Ipea |
“O SUS proporcionou a interiorização dos serviços mais frequentes, mas não conseguiu ampliar o acesso para aqueles mais especializados”
Lígia Schiavon Duarte, pesquisadora do Programa de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional
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Até mesmo pela ambição da proposta, os artigos foram elaborados com base em métodos usados em pesquisas científicas, o que lhes garante robustez acadêmica. A partir da abordagem do território, será possível planejar ou calibrar ações que priorizem os espaços geográficos, demarcados pelos fatores ambientais, socioeconômicos, articulando as diversas instâncias de governo para que seja possível dar uma guinada no desenvolvimento do Brasil.
DESCENTRALIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA Na área que mais tem causado preocupações ao governo federal, a saúde, a pesquisadora do Programa de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional, Lígia Schiavon Duarte, avalia, no artigo Regionalização da saúde e ordenamento territorial: análises exploratórias de convergências, a importância da descentralização da gestão da saúde, promovida pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Mas seu diagnóstico traz críticas. Para ela, o Plano Nacional de Ordenamento Territorial (PNOT) faz pouco uso da política de saúde. E os formuladores da política de saúde não se apoiam na discussão do ordenamento territorial para elaborar as ações do Estado. “O SUS proporcionou a interiorização dos serviços mais frequentes, mas não conseguiu ampliar o acesso para aqueles mais especializados”, diz a pesquisadora.
Uma das saídas, segundo Lígia Duarte, é o agrupamento dos municípios em regiões. Ao estudar a rede de saúde do estado de São Paulo, em parceria com os colegas Fabio Betioli Contel e Renato Balbim, ela percebeu que as regiões compostas por municípios influentes num determinado território têm mais possibilidade de atender a população com níveis assistenciais de saúde de maior complexidade.
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Assim, cidades pequenas podem se unir num acordo para receber recursos federais e atender a seus moradores. Os acordos são importantes, porque o governo federal não repassa verba para regiões, apenas para municípios. Esses acordos poderiam ser feitos por meio do Contrato Organizativo de Ação Pública (Coap), um instrumento criado em 2006, mas usado apenas por municípios do Mato Grosso do Sul. “A regionalização precisa avançar para ajudar os municípios a ter mais autonomia na gestão. Essa discussão não é banal. É complicada, pois envolve as diferenças políticas nos municípios, nos estados e no governo federal”, diz Duarte.
DESIGUALDADES O coordenador de Estudos Regionais do Ipea, Guilherme Mendes Resende, investigou a evolução das disparidades do Produto Interno Bruto (PIB) per capita brasileiro, entre 1970 e 2008, em quatro diferentes estatísticas: coeficiente de variação, desvio-padrão, índice de Theil e índice de Gini, para provar que não importa a estatística usada, mas a escala geográfica da análise. Pela pesquisa, a desigualdade nos estados caiu significativamente, ficou estável nas mesorregiões (subdivisões do estado) e aumentou nas microrregiões e nos municípios. “A melhor maneira de analisar os fenômenos econômicos e sociais é na perspectiva multiescalar. Só assim é possível captar as diferenças”, diz Resende. “Quando comparamos São Paulo com Pernambuco, por exemplo, vimos que a desigualdade caiu bastante. Mas, muitas vezes, essa desigualdade aumentou entre um município pernambucano e um paulista”.
É a primeira vez que esse recorte espacial é feito. Segundo Resende, a possibilidade de se comparar as desigualdades do PIB em diferentes escalas de dados elevará a compreensão do gestor público do processo que cria disparidades regionais do PIB per capita.
EDUCAÇÃO BÁSICA Assim como se observa em relação às demais condições sociais do país, os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) também são bastante desiguais entre as regiões brasileiras. Segundo o artigo O Ideb à luz de fatores extrínsecos e intrínsecos à escola: uma abordagem sob a ótica do município, dos técnicos de Planejamento e Pesquisa do Ipea Paulo Corbucci e Eduardo Zen, 90% dos municípios nas categorias baixo e médio-inferior do Ideb estão localizados no Norte e Nordeste do país. O Sul e o Sudeste possuem respectivamente 74% e 85% dos municípios com nota médio-superior e alta. E o Centro-Oeste tem 47% dos municípios com notas ruins e 53% com notas boas.
“Chama a atenção o fato de ser nulo ou insignificante o número de municípios das regiões Norte e Nordeste com Ideb de seis pontos ou mais, enquanto no Sudeste esta condição foi alcançada por 31% do total”, dizem os técnicos. No Brasil, 23,4% dos municípios possuem média de Ideb inferior a quatro pontos; 29,1% estão na média inferior entre quatro e 4,9 pontos; 33,9% alcançaram média superior entre cinco e 5,9 pontos e apenas 13,6% têm média alta.
Na educação, os autores identificaram que fatores como renda, moradia, água, esgoto, coleta de lixo, escolaridade da população do município têm influência maior para a qualidade da nota do Ideb do que o acesso à infraestrutura pedagógica, como biblioteca escolar e laboratório de informática. E o fator que mais pode aumentar o desempenho do aluno é a escolaridade dos pais, principalmente a da mãe.
Numa comparação entre o Ideb e o Índice das Condições Sociais (ICS), 94% dos municípios com ICS alto tiraram nota do Ideb entre alto e médio-superior. “Estes dados corroboram o entendimento de que é maior a probabilidade de se obter um resultado elevado no Ideb quando se tem um maior número de fatores sociais considerados adequados”, explica Paulo Corbucci.
Os técnicos afirmam que, na área de educação, não basta aos governos oferecerem boas escolas às crianças que se encontram à margem do acesso aos direitos básicos de cidadania, embora boas instalações e professores qualificados sejam importantes requisitos para o rendimento escolar.
AGLOMERADOS HABITACIONAIS Mesmo com a melhoria dos indicadores socioeconômicos na última década, os moradores em setores classificados como subnormais passaram de 6,5 milhões em 2000 para 11,4 milhões em 2010. No artigo Aglomerados subnormais (2000-2010): um retrato mais preciso da precariedade habitacional nos censos demográficos, os técnicos de Planejamento e Pesquisa do Ipea Vanessa Nadalin, Lucas Mation, Cleandro Krause e Vicente Lima Neto reclassificaram os subnormais em 2000 e chegaram ao número de 10,6 milhões de moradias. Assim, de acordo com eles, foi possível obter estimativas mais precisas.
A morte vai aonde as armas estão
O Brasil em Desenvolvimento apresenta dois artigos sobre a evolução e o papel das políticas públicas de segurança, A singular dinâmica territorial dos homicídios no Brasil nos anos 2000 e o Mapa das armas de fogo nas microrregiões brasileiras, ambos coordenados pelo diretor de Estudos e Políticas do Estado, Instituições e Democracia do Ipea, economista Daniel Cerqueira.
Os estudos mostram que entre 2000 e 2010 caiu a difusão das armas de fogo, em especial nas regiões Sul e Sudeste, sobretudo em suas microrregiões. A surpresa é que, mesmo com o Estatuto do Desarmamento, levantou-se um aumento das armas nas microrregiões do Nordeste. O recorte de microrregiões mostra que das 20 localidades com mais de 100 mil habitantes, onde aumentou o número de armas, 13 estão no Nordeste, quatro no Sudeste, duas no Sul e uma no Norte do país.
Segundo Cerqueira, foi justamente para o Nordeste que a violência migrou de forma mais acentuada na última década. Em seis estados do Nordeste, os homicídios mais do que dobraram na última década, principalmente no interior da região e em áreas de desmatamento. Os assassinatos nas áreas de desmatamento chegam a ser 197% maiores do que nos municípios sem desmatamento.
Se o aumento das mortes está relacionado ao aumento das armas de fogo, o contrário também é verdadeiro. As maiores reduções nas taxas de homicídios ocorreram nas regiões com redução de armas de fogo
“Os elementos combinados sugerem fortemente que uma das medidas cruciais para garantir maior segurança no Brasil seja o desarmamento da população. O Estatuto do Desarmamento já existe, mas precisa ser aperfeiçoado e utilizado com mais ênfase pelas organizações que lidam com armas de fogo no Brasil”, diz o diretor.
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Os autores identificaram que, como seria de esperar, as condições de vida (renda, alfabetização, banheiro, esgoto e densidade) apresentaram melhor perfil nas áreas normais do que nas subnormais em todas as metrópoles. No entanto, indicadores como “de dois ou mais banheiros” evoluíram entre 2000 e 2010, numa demonstração de que as famílias mais pobres fizeram investimentos, acompanhando o aumento do PIB e a redução da desigualdade.
As áreas consideradas subnormais ficam à frente das normais no aumento da densidade demográfica. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde as favelas estão consolidadas e existem prédios de até seis andares, a densidade explodiu. Apesar disso, houve melhora em diversos indicadores, como do esgotamento sanitário, embora seja um problema ainda longe de ser resolvido. A exceção ficou para Belém (PA), onde inesperadamente os serviços de esgoto diminuíram.
MERCADO DE TRABALHO A análise do mercado de trabalho foi feita pelos técnicos do Ipea Sandro Pereira e Roberto Gonzalez, no artigo Evolução de descentralização territorial do emprego industrial no Brasil: algumas evidências para o debate atual. Pereira e Gonzalez observaram que o emprego formal cresceu, entre 2000 e 2010, de forma desconcentrada. A oferta de emprego formal da indústria aumentou nos três níveis de ordenamento territorial – regional, estadual e microrregional. Se em 2001 havia 55,1% de trabalhadores informais, esse percentual caiu para 45,4%, com crescimento de renda. “A queda ainda é tímida ao se confrontar com as enormes desigualdades. As informações não deixam de ser relevantes. Elas apontam para uma retração da concentração da atividade industrial no eixo Centro-Sul do país”, afirmam os autores no texto.
O Brasil em Desenvolvimento deixa claro que o recorte territorial pode ser instrumento poderoso para a criação de políticas de estímulo a aumento do bem-estar social. No entanto, a proposta é um desafio para os governantes, pois as instituições responsáveis pelas políticas públicas devem ser fortalecidas nas três esferas, federal, municipal e estadual, além de desenvolverem um eficaz sistema de monitoramento, controle e avaliação.
Pesquisa avalia conservação da biodiversidade
A conservação da biodiversidade brasileira é indispensável ao desenvolvimento econômico e ao bem-estar da população e para que as estratégias de conservação sejam efetivas é necessário ampliar o conhecimento desse imenso capital natural nas diferentes regiões do Brasil. Essa análise é o tema central do artigo Avaliação do estado de conservação da biodiversidade brasileira: desigualdades entre regiões e unidades da Federação, um estudo elaborado em conjunto pelos técnicos do Ipea João Paulo Viana, Ana Paula Moreira, Júlio César Roma e Nilo Saccaro Jr, o chefe do Centro de Sensoriamento Remoto do Ibama, Edson Sano, o analista ambiental do Ibama Daniel Moraes de Freitas e pela bolsista do Ipea Lílian da Rocha.
As diferenças entre os estados são gritantes. Enquanto o Amapá possui o maior Índice de Conservação da Biodiversidade (ICB), de 0,831, o índice do Espírito Santo é 0,291, menos da metade. O Espírito Santo é o estado com maior número de espécies da flora e fauna ameaçadas de extinção e possui baixa cobertura de áreas protegidas e de remanescentes de vegetação nativa.
O artigo afirma que o Brasil tem empenhado grandes esforços para implementar medidas de conservação da biodiversidade. O país, por exemplo, foi responsável pela criação de 74% de todas as áreas protegidas no mundo entre 2003 e 2008. No entanto, as áreas de conservação nos biomas brasileiros são bastante desiguais. “Será um grande desafio para o país reduzir as desigualdades na condição para a conservação da biodiversidade”, avaliam os pesquisadores.
A maior dificuldade para os gestores estaduais e municipais é manter a conservação onde há maior população e a agricultura está consolidada. Segundo os autores, a estratégia é usar os instrumentos de delimitação previstos pelo Código Florestal, como Áreas de Preservação Permanente (APP) e de Reserva Legal (RL). No entanto, essa estratégia exige o acompanhamento de perto das autoridades públicas, o que se mostrou deficiente no passado.
Segundo os pesquisadores, a reversão do quadro desfavorável à conservação depende da capacidade dos estados em promover, articular e coordenar ações, planos de programas voltados para a conservação da biodiversidade na esfera estadual.
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