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Melhores Práticas - A multiplicação das águas

2014 . Ano 10 . Edição 79 - 23/05/2014

Foto: Prefeitura de Extrema
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Extrema, no sul de Minas Gerais, era um ponto esquecido na Serra da Mantiqueira. Então a cidade inovou em práticas ambientais, passou a jorrar mais águas de suas nascentes no rio que abastece 9,5 milhões de paulistas, atraiu turistas e empresas, tornou-se o melhor município mineiro para se viver e, se não bastasse, acaba de ser premiada pela ONU como um bom exemplo para o país e o mundo. Como esse lugarejo conseguiu tantos feitos em tão pouco tempo? O pulo-do-gato é um programa que paga os produtores rurais para que conservem suas fontes de água potável

Adriana Arantes*, de Extrema

São 6 horas da manhã em Extrema, cidade de 32 mil habitantes do sul de Minas Gerais, à beira da rodovia Fernão Dias, que liga São Paulo a Belo Horizonte. Independentemente de sol ou de chuva, é nesse horário que a equipe de 30 pessoas da Secretaria de Meio Ambiente do município parte para um dos maiores desafios da atual realidade: preservar o ouro azul do planeta. Munidos de enxadas, mudas e mourões, os soldados verdes marcham para mais uma batalha diária a fim de manter preservadas as milhares de nascentes da região, cujas águas, desembocadas no caudaloso rio Jaguari, ajudam a formar o principal veio que alimenta o Sistema Cantareira, um dos maiores do mundo, o qual sustenta 55% da região metropolitana de São Paulo. A equipe sobe cedo as ribanceiras da serra e trabalha nas nascentes mapeadas e controladas por outros quatro funcionários da Prefeitura. E o que eles fazem? Basicamente plantam árvores nativas e fincam cercas em volta dos mananciais e dos cursos d’água.

A ideia é tão simples e antiga quanto ambiciosa: restaurar ou preservar as matas que circundam as nascentes, cabeceiras e aquíferos, ajudando assim a estocar os líquidos na própria natureza, formando bolsões freáticos que irão liberar água na medida das necessidades. Até o final da jornada diária, às 16h, a equipe terá cumprido a meta de levar ao solo entre 800 e mil mudas. Quase todas as árvores são plantadas em propriedades privadas. Os produtores, por sua vez, ao abrirem mão de uma área que poderia ser explorada com pastagens ou agricultura, recebem dinheiro da Prefeitura como compensação pelos serviços ambientais prestados. Esse programa, batizado de Conservador das Águas, é pioneiro na regulação e aplicação efetiva do chamado Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), conceito surgido em 1990, na França, inicialmente para preservar a qualidade da fonte da água mineral Perrier.

Desde que o programa foi instituído, em 2007, foram plantadas quase 510 mil árvores e restauradas 250 nascentes, em um total de 7,2 mil hectares protegidos por 187,5 mil metros lineares de cercas construídas pela Prefeitura. Foram investidos R$ 1,6 milhão, beneficiando 161 propriedades rurais pelos serviços de preservação das nascentes. No ano passado, Extrema investiu R$ 632 mil. “O Conservador das Águas é exemplo de como pode ser bem aplicado o Código Florestal”, diz o prefeito Luiz Carlos Bergamin, implementador do programa, que está em seu quinto mandato. “Um dos nossos desafios é preservar os mananciais para as futuras gerações. Todo esse trabalho vai de fato frutificar lá na frente, para nossos netos e bisnetos”, acrescenta.

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Vista de Extrema, pioneira na implantação do PSA no Brasil: restauração de 7,5 mil hectares de 161 propriedades e pagamento para quem mantém as fontes conservadas

RECONHECIMENTO O projeto Conservador das Águas é considerado pelos especialistas uma iniciativa ambiental audaciosa e a mais bem-sucedida do Brasil no campo da preservação de nascentes e produção de água potável. Por essa razão, já coleciona uma dezena de prêmios – fora menções honrosas, teses acadêmicas, livros e reportagens nacionais e internacionais. Entre as honrarias mais relevantes, ganhou o Prêmio Caixa de Melhores Práticas em Gestão Local 2011/2012, que conta com o apoio do Ipea, e o prêmio internacional Greenvana Greenbest 2012, na categoria Iniciativas Governamentais. No ano passado, em meio a 360 projetos concorrentes, sendo 30 do Brasil, o Conservador das Águas recebeu o Prêmio Internacional por Melhores Práticas para a Melhoria das Condições de Vida, concedido pelo Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos, o ONU-Habitat, em uma grande festa promovida em Dubai.

A região metropolitana de São Paulo bebe as águas de oito sistemas de abastecimento. O Cantareira, com seis represas, é o maior deles. Com vazão de 33 mil litros por segundo em média anual, abastece 8,8 milhões de habitantes de São Paulo e 5,5 milhões no interior do estado – no total, mais de 14 milhões de cidadãos. O Jaguari, por sua vez, fornece nada menos que 22 mil litros por segundo em média para o Cantareira, ou 67% do total. Significa que cerca de 9,5 milhões de paulistas sorvem das águas do Jaguari. O rio passa por várias cidades, mas é em Extrema que se torna volumoso. Em épocas de chuvas, chega a 200 mil litros por segundo. No início de 2014, o Cantareira entrou em alerta vermelho por causa da pequena densidade pluviométrica. Na virada de março para abril, estava com menos de 8 mil litros por segundo, baixando o nível dos reservatórios para menos de 13% do total, marca que não se via desde 1974, quando foi criado. No ano passado, no mesmo período, o volume do sistema era quase seis vezes maior. A previsão era a de que chegasse abaixo de 10% em meados de maio e 5% em agosto. Das águas que ainda chegam ao Cantareira, 2 mil litros por segundo brotam em Extrema. Assim, numa leitura simplificada da crise, pode-se concluir que o Conservador das Águas está ajudando a salvar São Paulo do colapso. “Há coisas que vieram realmente para ficar”, observa o prefeito Bergamin.

Com a aprovação do marco regulatório do programa, em 2005, Extrema passou a atrair parceiros, como governos, ONGs e empresas privadas. A Agência Nacional de Águas (ANA), por exemplo, que já tinha em curso o Programa Produtor das Águas, forneceu hidrômetros à Prefeitura e financiou a construção de cacimbas para represar águas da chuva, investindo R$ 250 mil em obras e equipamentos. O governo de Minas ajudou com a declaração da reserva legal das propriedades e forneceu insumos, como cercas, adubos e herbicidas. A ONG nacional SOS Mata Atlântica cedeu mudas e a The Nature Conservancy (TNC) contribui com dinheiro para ações de plantio de mudas (R$ 250 mil).

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O rio Jaguari se avoluma com as fontes de Extrema para, a seguir, transformar-se no principal veio do Sistema Cantareira, que abastece a região metropolitana de São Paulo

WOODSTOCK AMBIENTAL A ideia de conservar as nascentes da cidade surgiu em 1996, quando a Prefeitura entrou para um programa de recuperação de mananciais da bacia do rio Sapucaí, liderado pelo Ministério do Meio Ambiente. Bergamin era prefeito e o biólogo Paulo Henrique Pereira, o secretário de Meio Ambiente. Com as metas atingidas, o secretário convenceu o prefeito a avançar em novas frentes ambientais. Então, idealizou o projeto Conservador das Águas, inspirado principalmente em um programa similar que desde o início da década de 1990 vinha sendo implantado no condado de Greene, a 200 quilômetros de Nova York – microrregião cultuada pelos alternativos de todo o mundo por ter abrigado o Concerto de Woodstock.


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DO ESTRESSE AO CAOS HÍDRICO

Com 7 bilhões de humanos e uma civilização pautada pelo consumismo e desperdício de recursos naturais, a Terra vem sofrendo consequências visíveis do esgotamento de água. Hoje, somam-se em todo o mundo 1 bilhão de pessoas sem água potável, segundo o Relatório da ONU-Água de 2012 sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos. Para 2030, a ONU prevê que 3,9 bilhões poderão sofrer sérios problemas de abastecimento de água. Os cientistas chamam esse fenômeno de “estresse hídrico”.

Segundo o relatório, 90% da população mundial não têm acesso às águas melhoradas – ou seja, direto da fonte, ainda que filtradas, mas sem tratamento químico. Ainda de acordo com o relatório, nada menos que 80% das populações atingidas pela falta d’água são cidadãos dos chamados BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Paradoxalmente, o Brasil possui o maior complexo de rios do mundo, numa soma de oito grandes bacias hidrográficas e 200 mil microbacias. Juntas, produzem 12% da água potável do planeta. Em recentes estudos sobre gestão de recursos hídricos, da Agência Nacional das Águas (ANA), para 2015 o país poderá sofrer problemas com a escassez em 55% de seus municípios, atingindo 71% da população brasileira. Ainda segundo a ANA, serão necessários investimentos de R$ 22,2 bilhões para evitar o não muito distante caos hídrico. E São Paulo vem antecipando as previsões da agência.

A questão da escassez de água potável incomoda há tempos as agendas internacionais, levando o Conselho Mundial de Água, criado pela ONU em 1996, a instituir o Forum Mundial da Água, o maior evento sobre gestão da água entre as nações do mundo. Desde 1997, seis países sediaram o encontro, dentre eles França e Holanda. O Brasil venceu por votos em uma disputa acirrada com a Dinamarca e abrigará o evento em Brasília, em 2018.

Em outro lamentável paradoxo, a capital brasileira detém o título de recordista mundial em desperdício de água por habitante no mundo. A ONU-Águas recomenda o consumo médio de 110 litros/dia por habitante. Nos Estados Unidos, o consumo médio gira em torno de 600 litros/dia. O Lago Sul, bairro mais nobre da anfitriã do futuro Forum, tem desperdiçado até 1.026 litros/dia de água por habitante.

Situações como a de Brasília e do Cantareira reforçam a tese científica de que o mundo já adentrou na chamada Era do Antropoceno, na qual a ação humana vem dando as cartas num jogo de perdedores. Por outro lado, a esperança brota de pequenas atitudes, como a de Extrema. E nesse conflito de consumo versus preservação, está aberta a discussão sobre o reconhecimento de uma cidadania planetária, onde os interesses humanos em prol dos recursos naturais podem até convergir, porém colidem quando se trata de efetivar uma justiça global ecológica a proteger os interesses das gerações futuras.

No programa norte-americano, a Prefeitura de Nova York financia os produtores rurais das montanhas de Catskill, onde ficam as principais nascentes de Greene. Lá, Nova York compra propriedades, arrenda terras, paga os produtores pela preservação dos mananciais, investindo na infraestrutura do local, como na construção de pontes para a travessia de animais e de tanques para estocagem de estrume. Paga até mesmo o sistema de esgoto da região. A água tem chegado límpida à metrópole.

Nova York investiu nos últimos 20 anos 1,5 bilhão de dólares na preservação dos mananciais de Catskill. Em compensação, economizou 10 bilhões de dólares no tratamento convencional das águas – numa relação de sete para um. No caso brasileiro, a Companhia de Saneamento do Estado de São Paulo (Sabesp) gasta cinco vezes mais com o tratamento das águas do complexo de Guarapiranga, na zona sul da cidade, do que com o Sistema Cantareira, cujas águas, tratadas na fonte pelo município de Extrema, possuem padrão de qualidade superior aos exigidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

MULAS E MáQUINAS Até cinco anos atrás, o programa vinha sendo executado de forma rudimentar. Mudas de árvores e mourões eram levados para as propriedades do alto da Mantiqueira em cima de carroças puxadas por mulas. “Começamos com nossas mulas e poucas enxadas”, recorda-se o gerente do programa, Arlindo Cortez. “Ainda assim conseguíamos plantar até 100 mudas por dia”, calcula. Hoje, depois de colher os primeiros frutos, a Prefeitura conseguiu disponibilizar três veículos e um trator para o programa. Com o prêmio ONU-Habitat, compraram recentemente uma caminhonete zero quilômetro. Também adquiriram um perfurador de solo especial que permitiu elevar a produtividade para até mil mudas plantadas por dia.

O programa começou pela área mais degradada da região, a sub-bacia das Posses, de 1.200 hectares, onde 90% da área estava desmatada. Em meio às pastagens sem fim, uma curiosa árvore ficara em pé. Trata-se de uma laranjeira, conhecida por produzir o fruto mais doce da região. Hoje cercada por uma intensa mata, a laranjeira sobrevivente e a área recuperada se tornaram símbolos do programa. “Agora a laranjeira está em boa companhia”, ressalta o gerente Cortez.

Em todo o Brasil, há cerca de duas dezenas de outros programas de recuperação de nascentes, nos quais governos ou prefeituras disponibilizam algum tipo de incentivo. Em quase todos, fornecem apenas as mudas de árvores aos proprietários rurais. O grande diferencial de Extrema está na manutenção da área plantada feita exclusivamente pela Prefeitura, sem qualquer ônus para os produtores. A Prefeitura planta e, depois, responsabiliza-se totalmente pela irrigação, coroamento das árvores, cobertura de adubo, poda e controle, fiscalizando o antes e o durante para um depois pra lá de recompensador.

O pagamento aos produtores começou em 2005, logo após a aprovação, pela Câmara de Vereadores de Extrema, da primeira lei brasileira sobre PSA, a de nº 2.100. Preocupada com o futuro do programa, em 2009, a Câmara municipal publicou a Lei nº 2482, que instituiu o Fundo Municipal para Pagamentos por Serviços Ambientais, o qual assegurou a continuidade das parcelas mensais aos ruralistas e a extensão do programa para os futuros prefeitos. Os pecuaristas têm recebido da Prefeitura R$ 150 mensais para cada hectare de pastagem que deixaram de utilizar. Se fossem alugar seus pastos, ganhariam R$ 120. Ou seja, financeiramente, também é vantajoso aderir ao programa.

Os casos de sucesso são muitos. Na propriedade de José Lopes Rezende, com 107 hectares, a Prefeitura gastou R$ 59 mil plantando na área 25 mil mudas e construindo cinco quilômetros de cerca para afastar o gado dos cursos d’água. Paga hoje ao proprietário R$ 1,8 mil a título de PSA. Só a propriedade de Hélio de Lima, de 90 hectares, também com nove minas conservadas, tem um volume capaz de abastecer 6 mil cidadãos paulistanos. Ele recebe por isso R$ 1,6 mil mensais.

PEGADA ECOLÓGICA “A meta para 2030 é subir de 20% para 40% a cobertura vegetal do município”, anuncia o secretário Paulo Henrique. Com 24 mil hectares de área total, Extrema já tem quase um terço – 7.500 hectares – dentro do Conservador das Águas. E o programa já se desdobrou em outros projetos locais. Dentre eles, o Compromisso com as Águas, que tem o objetivo de conseguir parcerias com a iniciativa privada. A ideia é prática: calcula-se o quanto as empresas consomem de recursos naturais com sua produção e elas devolvem com responsabilidades ecológicas efetivas. Esse conceito é chamado de “pegada ecológica”. Como compensação pela “pegada”, as empresas custeiam a manutenção das áreas de mananciais, diminuindo o impacto ambiental das atividades. A primeira parceria já foi fechada em 2013. A indústria de alimentos Bauducco, que tem uma grande fábrica de biscoitos na cidade, adotou uma área de 50 hectares. A multinacional Panasonic está na fila para ser a segunda.

Outra novidade, também lançada em 2013, é o programa-piloto Guardião de Carbono nas propriedades parceiras do Conservador das Águas, pelo qual a Prefeitura também passou a pagar para que o proprietário rural mantenha suas florestas intactas. O objetivo é contribuir igualmente, tal como as águas, com o sequestro de carbono. Por conta da restauração nos mananciais, hoje, cada hectare em Extrema é capaz de sequestrar 15 toneladas de carbono por ano, de acordo com a certificação da Climate, Community e Biodiversity International (CCBI). O primeiro “guardião” a aderir foi o produtor Rubens Carbone. Ele receberá R$ 4,2 mil por mês, até o ano 2043, para preservar 20 hectares de floresta, duas nascentes e 1,2 quilômetros de margens em torno dos mananciais cercados.

“O produtor rural não é o vilão da degradação”, afirma o secretário Paulo Henrique Pereira. “Estamos conscientizando que árvore em pé tem mais valor”, acrescenta Marília Borgo, da The Nature Conservancy no Brasil, organização presente em 35 países, que apóia com recursos as iniciativas de Extrema desde o seu início: “O desenvolvimento de um projeto florestal de carbono é bastante oneroso. A associação desses dois serviços ambientais onde já existe uma iniciativa consolidada de PSA de água potencializa o alcance dos resultados, garantindo manutenção e preservação a longo prazo, já que projetos de carbono têm usualmente duração média de 30 anos”. Eis, enfim, uma cidade repleta de boas práticas para inspirar autoridades e cidadãos de todo o Brasil.
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* Adriana Arantes é doutoranda em Direito pela Universidade de Coimbra, Portugal, onde pesquisa o tema “Água potável como direito fundamental das futuras gerações”

 
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