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Em busca do número real de homicídios

2014 . Ano 10 . Edição 79 - 23/05/2014

Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Abr
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Quantas velas são necessárias? Brasil pode ter 18,3% mais homicídios que o registrado. Estados que melhoraram a notificação viram sua estatística oficial piorar mais do que a violência real

A cada hora, sete pessoas são assassinadas no Brasil, mas uma dessas mortes fica sem o registro da causa. Garantir a notificação de 8.600 homicídios não registrados por ano pode melhorar as políticas de segurança

Washington Sidney

Na noite de 3 de janeiro deste ano, o brigadeiro João Carlos Franco de Souza, 66 anos, foi abordado por três homens ao chegar em seu edifício, em uma superquadra no coração de Brasília. Ele abria o portão eletrônico da garagem quando anunciaram o assalto. João Carlos tentou acelerar o carro, levou um tiro na cabeça e morreu no hospital. Vinte e cinco dias depois, o jovem Leonardo Almeida, 29 anos, foi abordado por dois assaltantes e assassinado com um tiro no pescoço quando estacionava sua picape Saveiro em frente ao edifício Real Flat, em Águas Claras, outro bairro de classe média do Distrito Federal (DF).

João Carlos e Leonardo Almeida fazem parte de uma estatística alarmante: a das vítimas da violência no Brasil. “São números tão altos que fica difícil, quase impossível, elaborar uma imagem mental, uma representação de sua magnitude e significação”, diz o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador da Área de Estudos da Violência da Faculdade Latino- Americana de Ciências Sociais (Flacso).

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A imagem do universo de crimes torna-se ainda mais turva pela imprecisão dos registros. As tragédias de João Carlos e Leonardo poderiam sequer aparecer na estatística oficial dos homicídios, especialmente se tivessem ocorrido em outras unidades da Federação. Em 2010 foi registrada a causa básica (homicídio, suicídio ou acidente) de 99,9% das mortes por causas externas do DF, que tem a melhor taxa de identificação do país, segundo o Mapa dos homicídios ocultos no Brasil, traçado pelo diretor de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia do Ipea, Daniel Cerqueira. Na outra ponta do ranking, essa taxa de identificação, muitas vezes, não chega a 90% em estados como Rio de Janeiro, Bahia, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Roraima, Minas Gerais e São Paulo, o que distorce os diagnósticos e dificulta o desenho adequado de políticas de segurança.

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“São números tão altos que
fica difícil, quase impossível,
elaborar uma imagem mental,
uma representação de sua
magnitude e significação”





Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador
da Área de Estudos da Violência da Faculdade
Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso)

Segundo os cálculos de Cerqueira, o Brasil superou a marca dos 60 mil homicídios anuais sem saber, porque aproximadamente 8.600 estavam ocultos na base estatística com cobertura nacional mais usada por especialistas e autoridades: o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. “O SIM é um patrimônio nacional e deve ser preservado. É a única fonte de informação confiável, com cobertura nacional, periódica e transparente, que permite a aferição dos eventos violentos com desfechos fatais. Apesar disso, do total de mortes violentas ocorridas no Brasil de 1996 a 2010, o Estado não conseguiu identificar a causa básica do óbito em 9,2% dos casos, o que corresponde a quase 175 mil vítimas”, afirma o economista.

Ao analisar informações detalhadas de quase 1,9 milhão de mortes violentas registradas ao longo de 15 anos com um modelo econométrico, Cerqueira identificou características das vítimas (idade, gênero, cor, escolaridade, estado civil) e circunstâncias dos incidentes (local, hora, dia, mês, ano, instrumento ou meio utilizado) que determinam a probabilidade de cada morte com “causa indeterminada” ter sido igualmente provocada por uma agressão. Com isso, estimou em 74% a proporção das causas não registradas que, provavelmente, ocultam homicídios. Em grande parte das mortes sem causa definida, o meio não era conhecido, mas, em muitas outras, havia registro de perfuração por arma de fogo ou de instrumento contundente.

Uma vez estimado o provável número real de homicídios em cada estado, o estudo revela trajetórias bem diferentes daquelas que os números oficiais indicam e servem de base a análises de especialistas e autoridades. Em Sergipe, onde a melhora dos registros reduziu fortemente a fração de óbitos com causa desconhecida, Cerqueira estima que o número de homicídios tenha aumentado 4,5% de 1996 a 2010. No mesmo período, a marca oficial saltou alarmantes 127,7%, uma “explosão” 28 vezes maior, que gerou muito debate, mesmo que não tenha ocorrido de fato. Em termos absolutos, o Rio Grande do Norte tem a maior diferença (136,5 pontos percentuais) entre a taxa de crescimento estimada (40,1%) e a oficial (176,6%).

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No país e na maioria das unidades da Federação, a proporção de óbitos sem causa determinada tem diminuído ao longo do tempo. Contudo, em anos mais recentes, há um preocupante aumento circunscrito a sete estados: Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, Roraima e São Paulo. Cerqueira destaca que, entre esses estados que vinham apresentando aumento paulatino de mortes indeterminadas até 2009, houve queda acentuada do indicador, em 2010, no Rio Grande do Norte (-71,7%), no Rio de Janeiro (-60,9%), na Bahia (-37,9%) e em Minas Gerais (-11,1%). Isso poderia ser explicado pelo monitoramento mais incisivo do Ministério da Saúde e pela própria repercussão na mídia de outro trabalho publicado por Cerqueira em 2012, concentrado no caso fluminense.

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Em virtude da excelência do SIM, segundo Cerqueira, o Brasil tem todas as condições para igualar-se aos países desenvolvidos onde os homicídios ocultos são um fenômeno atípico, mas esbarra no escasso diálogo entre as instituições públicas envolvidas. Na medida em que o sistema de saúde pública local, responsável por alimentar o sistema, recebe informações policiais imprecisas, dificulta-se a identificação, pelo médico legista, da razão que levou a vítima à morte. Isso multiplica as lacunas nas estatísticas oficiais e nega anualmente a milhares de famílias o direito de saberem em que condições perderam seus entes.

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É o caso, por exemplo, da paulista Pamela Barreto. Em agosto de 2009, ela e duas amigas voltavam de carona para casa. Ao passar sem habilitação por um bloqueio policial, o motorista do carro resolveu acelerar. Pamela foi alvejada por um dos policiais militares que participavam da blitz. Na declaração de óbito, a causa da morte de Pamela não ficou esclarecida. O documento diz apenas que ela foi vítima de arma de fogo. Assim, a morte dela deixou de entrar para as estatísticas como homicídio.

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Jacobo, da Flacso, acredita que a grande quantidade de homicídios no Brasil se deve a fatores como a cultura da violência (que leva os indivíduos a resolverem conflitos exterminando o próximo), impunidade (baixa capacidade na produção de justiça criminal) e a tolerância institucional. Segundo ele, uma elevada dose de violência é tolerada, é até estimulada, por instituições que deveriam ter a função de proteger a população, seja transformando as vítimas em culpadas, seja atuando diretamente na produção de violência, caso dos grupos de extermínio e das milícias.

LEI ORDINÁRIA O trabalho do pesquisador do Ipea começou pelo Rio de Janeiro. Intrigado com queda do número de homicídios no estado em mais de 28% e do aumento dos incidentes fatais violentos com causa não determinada em 2007, logo após a sanção da Lei Ordinária nº 5.061, a qual impedia as secretarias de Saúde e o público de terem acesso às informações dos inquéritos policiais, Daniel Cerqueira resolveu investigar. O resultado foi o estudo Mortes violentas não esclarecidas e impunidade no Rio de Janeiro.

“O governo estadual havia comemorado uma queda de 28% no número de homicídios, segundo os dados do Ministério da Saúde. Fizemos nossas contas e constatamos uma queda de apenas 6,4%, que era a mesma taxa que vinha caindo desde 2002. Além daqueles 5.293 homicídios registrados na média entre 2006 e 2009, encontramos mais 3.042. O resultado é que o número de homicídios caiu, mas não na intensidade anunciada. E foi na proporção do que vinha caindo desde antes e que era a tendência”, esclarece o diretor do Ipea.

O levantamento mostra que, entre 2000 e 2006, foram registradas no Rio 11,1% de mortes violentas de causa indeterminada em relação ao total de mortes por causas externas. A partir de 2007, esse percentual, que já era muito alto, aumentou bastante e alcançou 25,5% em 2009.

PERFIL DAS VÍTIMAS Em seu trabalho, Daniel Cerqueira também analisou o perfil das vítimas nos casos registrados expressamente como homicídios, acidentes ou suicídios. Entre essas três causas, a proporção de homicídios é bem mais alta para vítimas pardas e jovens, com baixa escolaridade e cujas mortes ocorreram na rua. Comparou esse perfil com o dos casos indeterminados e observou que as vítimas, em geral, haviam morrido de tiro, estavam na rua, eram pardas e tinham entre quatro e sete anos de estudo.

Foto: Elza Fiúza/ABr
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“O Sistema de Informações
sobre Mortalidade é a única
fonte confiável, nacional,
periódica e transparente,
mas o Estado não conseguiu
identificar a causa de
9,2% dos óbitos”


Daniel Cerqueira
, diretor da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das
Instituições e da Democracia do Ipea

DADOS NACIONAIS Ao constatar que os dados do Rio estavam incorretos, Daniel Cerqueira quis saber se isso ocorria no resto do país. Partiu então para o Mapa dos Homicídios Ocultos no Brasil. “Se essa situação de deterioração dos dados estivesse acontecendo no Brasil inteiro, seria uma lástima. A gente começou pelo Rio porque identificou que lá tem problema. Não imaginávamos que outros estados teriam problemas na mesma magnitude. Resolvemos tirar a prova, fizemos para o Brasil todo e, ao fazê-lo, descobrimos que o Rio era, de fato, uma situação totalmente atípica. Entretanto, nos últimos anos, verificou-se um preocupante fenômeno de aumento das mortes violentas cuja intenção não foi determinada. Tal fato não se deu de forma generalizada no país, mas ficou circunscrito, principalmente, a sete estados: Rio de Janeiro; Bahia; Rio Grande do Norte, Pernambuco; Roraima; Minas Gerais e São Paulo”.

A taxa de mortes indeterminadas, seja como proporção da população, seja como proporção do total de mortes violentas, diminuiu entre 1998 e 2006. A partir desse ano, as taxas de mortes indeterminadas aumentaram até 2009, voltando a cair em 2010 aos patamares verificados em 2006.

Houve também melhoria no preenchimento das informações sobre a vítima e o incidente. As unidades da Federação com maior prevalência de mortes indeterminadas desde 2000 e que vinham apresentando paulatino aumento no indicador “mortes indeterminadas”, entre 2006 e 2009, foram Rio de Janeiro, Bahia e Rio Grande do Norte, que alcançaram taxas superiores a 10 por 100 mil habitantes em 2009 (20,4; 13,2 e 10,3, respectivamente). Todavia, em 2010, após a polêmica gerada pelo estudo específico do Rio de Janeiro, houve substancial redução das taxas em cinco estados quanto à variação, em relação ao ano anterior – Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Bahia, Roraima e Minas Gerais, cujos índices foram de -75%; -64%; -44%; -23% e -17%.

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Cerqueira atribui o elevado número de mortes violentas indeterminadas e, em particular, de homicídios ocultos a dois conjuntos de fatores. Em primeiro lugar, há o problema da qualidade das informações produzidas pelas próprias organizações que participam do Sistema de Informações sobre Mortalidade Violenta, isto é, secretarias estaduais e municipais de saúde, institutos médicos legais, polícia técnica, investigação da Polícia Civil e Polícia Militar. Nesse quesito, faltam desde treinamento adequado e investimento nas organizações até decisão política para produzir informações de qualidade. “No Brasil, quando se encontra um cadáver numa via pública, o primeiro elemento a ser descaracterizado é a cena do incidente, que é desmantelada exatamente por quem deveria preservá-la, ou seja, o próprio policial”, diz.

Em segundo lugar, há vários problemas relacionados ao compartilhamento de informações por esses órgãos, que não se veem como parte de um sistema, mas como um conjunto de organizações, em que cada uma procura resolver o seu problema administrativo particular. “Um bom exemplo para mostrar a importância dessa articulação é o caso de São Paulo, que possui a Polícia Técnica e o IML mais bem aparelhados do país – comparáveis aos melhores exemplos dos países desenvolvidos – e, no entanto, encontra-se no grupo de estados com maior proporção de registros de mortes violentas indeterminadas. Alagoas, por seu turno, que é o estado mais violento – e um dos mais pobres – do país, possui uma das menores taxas de mortes indeterminadas, em face de uma efetiva articulação interinstitucional”, destaca o estudo.

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Arthur Trindade Maranhão, professor da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança (Nevis) da instituição, considera a pesquisa de Cerqueira muito interessante. “Em primeiro lugar, porque nos mostra que esses números de morte violenta indeterminada muito provavelmente são de homicídios e, em segundo, que aumentaram as taxas de homicídios em várias unidades da Federação”. Conforme destaca o autor, “a maior importância de trazer à tona esse tema se dá pela necessidade de o Estado produzir informações de maior qualidade, sem o que não se consegue fazer diagnósticos precisos e avaliar corretamente as políticas públicas implementadas”. Iluminar as sombras das estatísticas de homicídios é uma medida efetiva para evitar novos dramas futuros, como os que hoje mantêm o Brasil entre os países mais violentos do planeta.

 
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