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Os 40 anos da Revolução dos Cravos

2014 . Ano 11 . Edição 81 - 05/10/2014

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A revolta militar que derrubou um dos mais sangrentos regimes do mundo, pondo fim ao salazarismo

Mariana Paulino

Há 40 anos o mundo presenciou uma das revoluções mais importantes do século XX. Do outro lado do Atlântico, Portugal amanhecia para o golpe militar que deporia 48 anos de ditadura salazarista. Mas, em vez de tiros, o que se ouvia era a melodia melancólica de Grândola, Vila Morena, música de José Afonso, censurada pelo regime. Os versos que serviam de código para o levante do Movimento das Forças Armadas (MFA) ajudaram a criar o cenário poético da Revolução de 25 de Abril de 1974. A música falava de uma “terra da fraternidade” onde “o povo é quem mais ordena”. Começava ali a Revolução dos Cravos.

Foi um golpe peculiar, considerando as experiências estrangeiras na derrubada de governos ditatoriais. Em vez de tiros, flores. Os tais cravos se tornaram um capítulo à parte na história do acontecimento. A versão oficial conta que uma moça que trabalhava em um restaurante perto do Terreiro do Paço, onde os capitães do MFA, liderados pelo general António de Spínola, entravam em formação, foi a responsável pela distribuição das flores. Ela levava cravos para casa quando um soldado pediu-lhe um cigarro. Ela não tinha e no lugar disso deu-lhe a flor. O jovem colocou o cravo no cano de seu fuzil, ato repetido por outros colegas e, depois, pela tropa rebelde.

Alfredo Cunha / Fundação Mário Soares
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Soldado opera uma metralhadora enquanto segura, na mão esquerda,
um cravo branco

Os símbolos de delicadeza romantizaram a memória da Revolução de 25 de abril não só em Portugal, mas em todos os países onde floresciam movimentos pró-democracia. Pensar que um regime que mantinha centenas de presos políticos em colônias penais, censurava as artes e a imprensa e oprimia o povo podia ser derrubado de forma pacífica encheu o mundo de esperança. Mas, passadas quatro décadas, é importante refletir sobre o legado concreto da revolução portuguesa, em muitos pontos utópica, porém mais rica do que os símbolos poéticos que a cercam.

“Vivia-se um contexto histórico na Europa, diferentemente do que ainda ocorria na América Latina, em que ideais libertários e democráticos ganhavam espaço”, explica o historiador Antônio Barbosa, professor da Universidade de Brasília (UnB). A via socialista estava aberta. Desapropriações e ocupações coletivas foram feitas em áreas agrícolas. Uniões cooperativas surgiram e, com elas, uma nova forma de pensar a dinâmica do trabalho. A cultura floresceu com a queda de um moralismo rígido que se manteve durante os anos da ditadura do presidente António Salazar.

Francisco Ribeiro Telles, embaixador de Portugal no Brasil, lembra bem o que se passou. “Eu estava cumprindo serviço militar em uma unidade perto de Lisboa e lembro perfeitamente que fui acordado às duas da manhã para, digamos assim, marchar sobre Lisboa”, conta o diplomata.

GUERRA DO ULTRAMAR Um dos grandes impactos da revolução aconteceu fora das fronteiras portuguesas. O término da Guerra do Ultramar, promovida com afinco pelo regime salazarista, desfez o domínio sobre as colônias portuguesas na África. O rompimento não foi sem trauma. Telles, que anos mais tarde se tornaria embaixador em duas ex-colônias – Cabo Verde e Angola –, acredita que boa parte da insatisfação dos militares estava ligada ao modelo colonialista mantido na época, cujo término foi postergado pelo sucessor de Salazar, Marcello Caetano. “A ruptura vai se realizar porque Portugal não descolonizou a tempo. Houve vários momentos para que isso acontecesse antes, mas a oportunidade foi perdida”, conta o embaixador.

AMS - Arquivo Mário Soares
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O governador e comandante-chefe das Forças Armadas
da Província da Guiné, general António de Spínola,
liderou a revolução

As guerras locais por independência, especialmente em Angola, Guiné e Moçambique, deixaram milhares de mortos e ajudaram a enfraquecer o governo de Caetano. Após a revolução, quase meio milhão de portugueses que moravam nas colônias regressaram ao país natal. E por um bom tempo, no novo clima socialista da época, os “retornados”, como foram chamados, eram vistos como exploradores pelos nativos. O choque cultural gerado com o fim do modelo colonialista foi apenas uma entre tantas surpresas que se seguiram no cotidiano do projeto revolucionário.

A ideia original do movimento era representada pelos três “Ds” – Democratizar, Descolonizar e Desenvolver. Há interpretações diversas sobre a concretização do projeto. Implantou-se uma democracia, sem dúvida, embora hoje se questione a real representatividade do modelo. A descolonização também foi realizada, uma vez que o sistema já havia se tornado insustentável economicamente para Portugal. Quanto ao desenvolvimento, o país avançou muito nas décadas seguintes ao golpe, mas o custo foi alto: uma dívida pública crescente, que atualmente está em 129% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.

A potência imperialista portuguesa mostrou-se frágil ao se desligar de suas colônias. Encerrado o último império colonial de que o mundo teve conhecimento – domínio que perdurou por 559 anos –, a proposta que pulsava após o golpe é que Portugal seria autossuficiente. Mas as relações que se seguiram com os demais países europeus transformaram o império em uma espécie de associado periférico.

“Depois de revisar uma Constituição que oficialmente declarava-se socialista, Portugal realizou o sonho de suas elites oposicionistas ao integrar-se como sócio menor à Europa”, analisa Lincoln Secco, professor de História Contemporânea da Universidade de São Paulo (USP). “A Revolução dos Cravos oferecia outro caminho, o do Atlântico, de uma verdadeira comunidade lusófona, solidária e anti-imperialista. A opção dos governantes foi normalizar a vida política. Assim, Portugal tornou-se um recreio para turistas europeus, desfez parte de sua economia e prejudicou até a sua tradicional atividade pesqueira”, conclui.

AMS - Arquivo Mário Soares
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A população e militares do Movimento das Forças Armadas
(MFA), no Largo do Carmo (Lisboa)

COMUNIDADE EUROPEIA A entrada de Portugal na Comunidade Europeia, em 1986, apesar de necessária para a consolidação democrática no pós-revolução, acabou desencadeando boa parte dos fatores que culminariam na crise econômica dos dias atuais. Já em 1976, quando se estabelece a nova Constituição, a renda da população crescia bem menos do que o esperado e iniciava-se a perda de controle sobre a dívida pública. A associação à Comunidade Europeia apresenta-se, então, como uma saída para conter a crise, mas os efeitos não seriam os esperados.

“Algumas liberalizações e privatizações dos anos 1990 foram contrabalanceadas por uma piora na segurança dos direitos de propriedade, um relaxamento das contas públicas e um direito trabalhista muito rígido. Não se conseguiu reduzir o tamanho da máquina estatal e se tentou a via mais fácil politicamente de tornar mais eficiente o Estado. Obviamente sem resultados”, analisa o cientista político Adriano Gianturco Gulisano.

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Portugal compartilha com seus vizinhos Espanha e Grécia os problemas de hoje e as ideologias das revoluções da década de 1970. Os três foram os últimos países europeus a depor governos totalitários. E, como forma de se vacinar contra uma nova guinada à direita, o trio aderiu à Comunidade Europeia precipitadamente, antes de atingir um equilíbrio econômico interno que os protegesse domesticamente.

“Hoje em dia a democracia está arraigada. Para um europeu é insuportável não poder ir a manifestações políticas, por exemplo. Esses movimentos estão associados a uma insatisfação gerada pela falta de empregos”

Tanto em Portugal quanto na Espanha e na Grécia se criaram bolhas. Todo vilarejo tinha uma obra. E, depois que essas obras foram concluídas, isso não criou uma mola econômica. Houve atração turística, mas uma geração muito pequena de empregos locais. A verdade é que a entrada na Comunidade Europeia gerou muitas ilusões de investimento para esses países”, explica Christian Dutilieux, professor de Relações Exteriores do Ibmec/RJ.

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Hoje em dia a democracia está arraigada. Para um europeu é
insuportável não poder ir a manifestações políticas,  por exemplo.
Esses movimentos estão associados a uma  insatisfação gerada
pela falta de empregos.
Francisco Ribeiro Telles, embaixador de Portugal no Brasil

NOVO CICLO Quarenta anos depois do golpe, as escolhas utópicas feitas pelos generais de abril continuam cobrando seu preço. Mas novas perspectivas se abriram após os dias revolucionários, ainda capazes de inspirar as gerações de agora. Portugal e Espanha, por exemplo, abriram um novo ciclo de desbravamento de suas antigas colônias, criando grandes empresas multinacionais que prestam serviços nas Américas e na África. “Não há maior exemplo dessa nova geografia do que o que acontece com as telefônicas. Portugal Telecom e Telefónica de Espanha estão muito presentes hoje nos países de língua portuguesa e espanhola”, aponta Dutilieux.

No campo político, a herança ideológica do socialismo mantém Portugal como um dos poucos países europeus onde grupos de extrema-direita não têm ganhado força. “Hoje em dia a democracia está arraigada. Para um europeu é insuportável não poder ir a manifestações políticas, por exemplo. Esses movimentos estão associados a uma insatisfação gerada pela falta de empregos. Mas estou convencido de que os jovens vão continuar defendendo a democracia”, aposta o embaixador Francisco Telles. E, como previu Chico Buarque na música que Telles e seus colegas de farda gostavam de ouvir antes do golpe, “esta terra ainda vai cumprir seu ideal: ainda vai tornar-se um imenso Portugal”.


 
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