O Nafta e o México 20 anos depois: inserção nas cadeias globais de valor, mas valor agregado modesto |
O Nafta – North American Free Trade Agreement – completou em 2014 duas décadas de existência. Uma avaliação de seu desempenho para o México revela acelerada expansão das exportações de manufaturas, maior inserção nas cadeias globais de valor (CGVs), mas modesto valor agregado. A assinatura do acordo, em janeiro de 1994, integrou Estados Unidos, Canadá e México na maior zona de livre comércio do mundo e resultou no aprofundamento da abertura econômica iniciada em meados dos anos 1980. O Nafta consolidou e institucionalizou esse processo, promoveu estabilidade e tornou sustentável um modelo econômico impulsionado pelas exportações de manufaturas. Importante motivação do Nafta foi evitar a reedição de trajetória populista inspirada em políticas econômicas excessivamente intervencionistas. Apesar desses atributos, o México experimentou, logo no final de 1994, uma crise financeira e de balanço de pagamentos de grandes proporções: no ano seguinte o PIB declinou mais de 6%, a inflação alcançou 52% e o câmbio sofreu depreciação superior a 100%. Com a pronta ajuda do FMI e do Tesouro americano, a recuperação foi rápida e sustentada. Cedo os desdobramentos positivos do Nafta vieram a se materializar: crescimento econômico médio de 4,3% entre 1996 e 2001 e transformação do país, nos dez primeiros anos do acordo, no segundo maior exportador mundial de manufaturas, logo após a China. Também caiu vertiginosamente a dependência mexicana do petróleo, de um patamar de 60% das exportações totais, entre 1982 e 1985, para 9,6% no período 1993-2003. O declínio do petróleo foi compensado com um ciclo virtuoso de exportações de manufaturas. Entre 1980 e 2007, elas se elevaram aproximadamente de 50% para 80% do total exportado. Esse dinamismo teve como motor as maquiladoras, que em 1980 representavam apenas 15% das exportações totais de manufaturas e em 2006 ascenderam a 45%. O Nafta teve também profundo impacto sobre os investimentos diretos estrangeiros (IDE). Entre 1982 e 1989, a média anual era de US$ 2,3 bilhões, e no período 1994-2011 se elevou para US$ 18,9 bilhões anuais. Um ponto relevante a registrar foi o destino das inversões: de 2001 a 2011, cerca de 42% do total foram canalizados para o setor de manufaturas, o que contribuiu de forma ponderável para a inserção competitiva do país nas CGVs. Apesar desses avanços, grande parte das exportações se concentrava em cerca de 300 empresas e em apenas quatro setores: automóveis, autopeças, computadores e outros equipamentos eletrônicos. A partir de 2001, a “tempestade chinesa” interrompeu a trajetória de crescimento das exportações para os EUA. Entretanto, em meados dos anos 2000, o México resgata o espaço perdido, graças à forte desvalorização do peso e à redução do diferencial entre o salário mexicano e o chinês: a diferença em 2002 era de 237,9% e em 2010 caiu para 13,8%. Os EUA cresceram inicialmente como mercado de destino das exportações mexicanas – de 80% em 1994 para 95% no final dessa década –, mas tiveram expressivo declínio até o nível atual de 77%. O crescente acesso a um mercado tão aberto como o dos EUA é um bom indicador (proxy) de competitividade. Ao mesmo tempo, a forte guinada das importações mexicanas em direção à Ásia reflete crescente inserção nas CGVs: entre 1993 e 2011, a participação americana caiu de 69% para 50% e a dos asiáticos se elevou de 1% para 15%. Apesar das vantagens antes indicadas, o modelo mexicano apresenta três ressalvas que contrabalançam as vantagens do Nafta para o país e limitam os benefícios associados à sua inserção nas CGVs. Primeiro, o elevado crescimento da elasticidade da renda das importações. Isso seria natural logo após a vigência do Nafta, mas não até hoje. Como proporção do PIB, as importações evoluíram de 10% em 1982 para 38% em 2000 e 45% em 2006. Segundo, as exportações de manufaturas têm baixo valor agregado doméstico, o que é verdadeiro não só para as maquiladoras, mas também para outras empresas. Terceiro, os forward e backward linkages são marcadamente reduzidos, o que é demonstrado pela baixa correlação entre crescimento das exportações de manufaturas e expansão das indústrias de transformação. Para Octavio Paz, com o Nafta o México deu as costa para sua História e assumiu sua Geografia. O acordo teve atributos inegáveis para o país. Dinamizou o comércio exterior, expandiu o IDE, promoveu a inserção do país nas CGVs. Entretanto, para materializar virtudes futuras, é essencial superar alguns caveats e promover o upgrade nas CGVs. Alguns países asiáticos alcançaram êxito nesse projeto. Terá o México o mesmo destino virtuoso? ___________________________________________________________________________________ Sérgio Abreu e Lima Florencio é técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea e foi embaixador em Quito, Genebra e México e cônsul geral em Vancouver. |