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O longo caminho para a democracia racial

2014 . Ano 11 . Edição 82 - 31/12/2014

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Simpatizantes do CNA orando em frente ao tribunal de Joanesburgo,
em 28 de dezembro de 1956, para apoiar 152 militantes anti-apartheid,
incluindo Nelson Mandela, durante o seu julgamento

 

Poucas nações tiveram um líder tão carismático quanto a África do Sul. Nelson Mandela, falecido no dia 5 de dezembro de 2013, tornou-se uma das figuras mais conhecidas no mundo; um símbolo da luta contra o apartheid, que manchou a história de seu país por quase cinco décadas. O mito em torno de Mandela, no entanto, acabou ofuscando boa parte dos fatores que permitiram que a África do Sul abandonasse o regime de segregação racial. Lembrar que o fim do apartheid não foi uma conquista de um homem só é importante para que regimes semelhantes não voltem a se materializar.

Há 20 anos as políticas que sustentavam o regime de exclusão dos negros no núcleo da sociedade sul-africana foram abolidas. A data simbólica é 10 de maio de 1994, com a posse de Nelson Mandela como presidente. Mas o ciclo só seria concluído em 1999, com as primeiras eleições multirraciais confirmando Thabo Mbeki, do mesmo partido de seu antecessor – o Congresso Nacional Africano (CNA) –, no comando do país.

A ascensão de Mandela ocorreu dentro de um acordo político. Assim como ocorreu em outros regimes autoritários derrubados em décadas anteriores, o governo africânder – em referência ao Partido Afrikaner, da minoria branca, focado no nacionalismo e na defesa da segregação racial – vinha passando por uma crise de credibilidade e por fortes pressões internacionais para deixar o poder. A isso se deve a impressão de que o fim do apartheid ocorreu de maneira pacífica, tendo Mandela como um símbolo das negociações diplomáticas que selaram o recuo do Partido Afrikaner, também chamado de Partido Nacional. Mas muito sangue foi derramado antes disso.

“Uma das maiores injustiças históricas cometidas sobre este período é ignorar a importância do confronto com Angola, que vitimou milhares de pessoas de ambos os lados. Pouca gente olha para esta questão”, pondera o professor de sociologia e pesquisador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade de Brasília (UnB), Ivair Alves dos Santos. A guerra pela libertação da Namíbia ocorreu entre 1966 e 1989 e agravou profundamente os conflitos internos em Angola, recém-declarada independente após o fim do salazarismo em 1964. Já na época, a África do Sul era uma das principais forças armadas da região e a divisão de apoios durante o confronto transformou-o em um grande exemplo dos conflitos durante a Guerra Fria. “Alguns países apoiaram o regime sul-africano naquele momento, temendo que o comunismo se espalhasse pela região sul-africana”, relembra o embaixador da África do Sul no Brasil, Mphakama Mbete. Enquanto Angola recebeu apoio de Cuba e da antiga União Soviética, países como Estados Unidos, Alemanha e Israel alinharam-se à África do Sul.

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"Se você perguntar para boa
parte da juventude africana,
eles não veem o Mandela
como o resto do mundo o vê"

Ivair Alves dos Santos, professor
de Sociologia e pesquisador do Núcleo
de Estudos Afro-Brasileiros da UnB

 

Aquele contexto acirrou os confrontos ideológicos dentro da fronteira sul- africana. Boa parte da repressão interna contra os negros que questionavam as políticas do apartheid foi disfarçada pela filosofia “anti-comunista”. Consequência dessa lógica, o apoio de nações estrangeiras ao regime do apartheid minguou conforme a Guerra Fria perdeu força. “Os defensores do regime de apartheid, dentro e fora da África do Sul o promoveram como uma fortificação contra o comunismo. No entanto, o fim da Guerra Fria tornou esse apoio obsoleto”, conclui o embaixador Mbete.

Por outro lado, as diferenças ideológicas retratadas no confronto ajudaram a inspirar uma mudança na postura dos grupos que resistiam ao apartheid. Até a década de 1960, havia uma filosofia de não-violência nas organizações pelo fim da segregação racial. Essa postura também pode ser vista como uma bem-sucedida estratégia de dominação por parte dos africânderes. “Uma das grandes sacadas desse regime perverso foi incutir na cabeça da população negra que eles precisavam ser dominados”, afirma Carlos Alberto de Souza e Silva Júnior, ouvidor da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) da Presidência da República.

Além das centenas de placas proibindo a entrada de negros em locais públicos e privados, uma das coisas que mais impressionavam estrangeiros na África do Sul durante o auge do apartheid era a postura submissa da população perseguida: os negros chegavam a mudar de calçada se um branco vinha em sua direção. “O apartheid durou muito tempo, pois foi construído em cima de uma estrutura ideológica bem fundamentada que restringia a influência negra em todos os cantos da sociedade”, complementa o embaixador Mbete.

 

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 "Uma das grandes sacadas
desse regime perverso
foi incutir na cabeça da
população negra que eles
precisavam ser dominados"

Carlos Alberto de Souza e Silva Júnior,
ouvidor da Secretaria de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial (Seppir) da Presidência da República

A mudança de estratégia dos movimentos anti-apartheid tem início em 21 de março de 1960 com o massacre de Shaperville, quando 69 negros foram mortos pela polícia local em uma manifestação e outros 180 ficaram feridos. Ali nasceu a semente do Umkhonto we Sizwe (a Lança da Nação), o braço armado do CNA, fundado em 1961, mas que ganha força nas décadas de 1970 e 1980 com ações violentas, sabotagens e atentados. A atuação na clandestinidade com o Umkhonto we Sizwe agravou as acusações do Partido Nacional contra Mandela, que já era considerado foragido após ter sido condenado por traição com base em sua atuação como advogado.

Esses agravantes levaram à pena de prisão perpétua do ativista na Ilha Robben em 1964. Mandela passou 26 anos preso. A soltura, em 11 de fevereiro de 1990, foi a conclusão de um processo de negociação que durou seis anos entre o governo africâner e o CNA, em um dos retratos mais claros da gradativa perda de força do poder instituído frente às pressões internacionais e domésticas. Esse complexo contexto político e econômico em torno do fim do apartheid e a dificuldade dos governos que se seguiram de realmente promoverem uma igualdade racial dentro do país fizeram com que a população local tivesse uma visão muitas vezes distinta do resto do mundo sobre a importância do mito criado em torno de Mandela. “Se você perguntar para boa parte da juventude africana, eles não veem o Mandela como o resto do mundo o vê”, conta o professor Ivair dos Santos. “Houve muitas concessões durante aquele período e isso nem sempre é visto com bons olhos. Mandela foi um negociador hábil, mas o fato é que os negros ganharam  apenas o poder político naquela época. A dimensão econômica, que poderia de fato acabar com a desigualdade, não foi atingida”, complementa.

rd82rep06img005"Um diálogo construtivo 
foi a chave para uma 
transição política pacífica 
na África do Sul." 

Mphakama Mbete, embaixador
da África do Sul no Brasil

Este é um ponto importante para explicar a instalação do apartheid e as mazelas sociais que ainda assombram a África do Sul nos últimos 20 anos. Um relevante aspecto é que o regime de segregação racial durou muito mais do que os quase 50 anos denominados de período do apartheid. O que marca este ciclo é o fato de um regime de segregação ter sido institucionalizado por meio de dezenas de leis que cada vez excluíam mais os negros, indianos e mestiços (chamados “de cor”) da população branca, que era menos de um quinto da sociedade sul-africana. Essa legalização de políticas racistas apenas consolidou uma ideologia surgida ainda em 1910, quando os africânderes – descendentes dos bôeres, colonizadores holandeses do sul da África – chegaram ao poder. A ideia por trás da segregação era de que os brancos seriam dizimados pelas tribos negras caso não tomassem medidas para preservar sua raça e posição social e econômica.

Além do típico raciocínio fascista por trás das políticas adotadas, chama atenção a semelhança com ideias que voltam à tona nos dias atuais. Um dos exemplos mais vívidos é o movimento alemão Pegida, que prega contra a “islamização do Ocidente”. “Movimentos extremistas, racistas, separatistas não aumentaram nos últimos anos. Eles só ganharam exposição. A era em que vivemos, com toda a comunicação eletrônica, catapultou esses grupos. Até porque boa parte desses pensamentos, como o nazismo, não deixou de existir; eles só foram reprimidos”, pondera Silva Júnior.

A própria África do Sul vem sofrendo problemas com o extremismo de sua sociedade atual. A xenofobia tem crescido na região e, após a abolição das leis do apartheid, há inúmeros registros de ataques contra a população branca, especialmente nas áreas rurais. “O que mais choca é a xenofobia. Você pensa: ‘caramba, essas pessoas foram ajudadas por uma coligação internacional e, ainda assim, há essa resistência a quem vem de fora’. Mas tudo isso é muito mais complexo do que um mero revanchismo. Tem a ver com a falta de uma estabilidade democrática”, analisa o sociólogo Ivair dos Santos.

Atualmente, a África do Sul tem passado por questões políticas delicadas.  O atual presidente do país, Jacob Zuma, também do antigo CNA, é acusado de crimes graves, como estelionato, corrupção e até mesmo estupro. Para Santos, a instabilidade gerada a partir da polêmica liderança de Zuma abriu uma janela de oportunidade para uma renovação política no país, que pode, enfim, trazer uma maior igualdade entre as diferentes raças que compõem a sociedade sul-africana. Mas a conciliação local depende também de fatores ainda mais complexos.

Parte da frustração da população negra sul-africana está na ideia de que o país vive agora uma democracia racial, embora as oportunidades entre negros e brancos ainda não sejam as mesmas. Fato semelhante ocorre no Brasil, como frisa o ouvidor da Seppir. Para Silva Júnior, o desafio sul-africano tem profunda semelhança com as questões raciais brasileiras: a necessidade de buscar políticas que nivelem não só social e politicamente a sociedade, mas também economicamente. “O racismo hoje prejudica o desenvolvimento de qualquer nação. Eu, negro, não preciso mudar de calçada quando vejo um branco. Mas sei que em muitos lugares não sou bem visto. E isso não é um problema apenas moral. É um drama para o país, com consequências para o desenvolvimento da própria sociedade.”

Umas das grandes lições deixadas por aquele período cruel de extremismos e intolerância e que continua válida nos dias atuais é a força do diálogo e da negociação, tão importantes quanto confrontos diretos e embargos. “As lições que aprendemos como sul-africanos é que os desafios socioeconômicos e políticos do passado que confrontamos como nação poderiam ser resolvidos por meio da não-violência e do diálogo construtivo”, rememora o embaixador Mphakama Mbete. “Um diálogo construtivo foi a chave para uma transição política pacífica na África do Sul.”

 
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