Arranjos federativos territoriais no Brasil |
2015 . Ano 12 . Edição 83 - 19/06/2015
Constantino Cronemberger Mendes Existem teorias e conceitos que possibilitam conciliar os temas federativos e territoriais, áreas geralmente tratadas na economia em disciplinas estanques do setor público (federalismo fiscal) e de desenvolvimento regional (geografia econômica). Bens públicos, externalidades espaciais, economias de escala e de aglomeração são considerados conceitos essenciais para uma análise integrada entre federalismo e território. As falhas de mercado privado advindas desse conjunto conceitual impõem a necessidade de rever a forma como a ação pública dentro de um sistema federativo ocorre no território. Do ponto de vista normativo, a ação pública em qualquer nível federativo ocorre ou se consolida por meio do orçamento público. A Constituição brasileira de 1988, particularmente, traz uma série de fundamentos que suportam uma visão regional do planejamento (PPA), das diretrizes orçamentárias (LDO) e das suas aplicações anuais (LOA). Ao mesmo tempo, diversos mecanismos constitucionais sinalizam para uma visão mais articulada, coordenada e cooperativa entre os entes federativos, muitos não regulamentados, ainda, ou passíveis de aprimoramentos constantes. Tanto o tripé orçamentário (planejamento, orçamento e gestão) quanto os arranjos federativos necessitam de constante adaptação às várias dinâmicas socioeconômicas e políticas que ocorrem no território nacional. As evidências empíricas reforçam a ideia da existência de um padrão da ação pública (gastos públicos municipais) na provisão de bens e serviços públicos locais que se contrapõe, não necessariamente de forma virtuosa, a um padrão de desigualdade regional no país. O fato contrasta com as preocupações sobre as desigualdades socioeconômicas e o desenvolvimento regional, que são fundamentos federativos das Constituições do período republicano, em particular da última, vigente, de 1988. O que parece uma alocação racional dos recursos públicos para locais em que a demanda populacional e a pobreza são maiores, na realidade esconde um efeito perverso de incentivos estatais em localidades em que a dinâmica de mercado já atingiu certa autossuficiência. Particularmente, nos estados mais desenvolvidos e em cidades maiores (incluindo as capitais), em processos de supercongestionamentos e deseconomias de escala, em que são considerados necessários menos e não mais incentivos públicos. A concentração reiterada de recursos públicos em locais com mercados mais desenvolvidos e ampliados reforça o padrão de desigualdades sociais e regionais e de superaglomeração populacional e produtiva. O padrão do gasto público tem um comportamento que reflete, ainda, a alocação ou distribuição dos recursos tributários, dos incentivos fiscais e das transferências entre os entes federativos, mas não só isso explica as distorções que privilegiam a concentração de recursos e gastos maiores em pequenas ou grandes cidades. Em outro sentido, os resultados empíricos mostram que as pequenas cidades apresentam despesas médias comparáveis às capitais e às grandes cidades. Esse comportamento sugere deficiências de escala na provisão de bens e serviços públicos naquelas localidades. Esse padrão também revela a dificuldade de compatibilizar a dinâmica socioeconômica local e o aumento da demanda com capacidades governamentais claramente mais limitadas. Os dados analisados do gasto público sugerem, ainda, a necessidade de um reposicionamento do planejamento governamental e da programação orçamentária para uma estratégia regional em que os centros urbanos médios ou aglomerações municipais em padrões médios desempenhem um papel central na construção de arranjos federativos, entre municípios, estados e União, para o desenvolvimento regional e a provisão mais efetiva, eficiente e eficaz de bens e serviços públicos. As aglomerações médias, dessa maneira, poderiam protagonizar O aspecto dinâmico na organização produtiva e populacional faz com que os instrumentos de planejamento e de programação orçamentária procurem ser suficientemente flexíveis para possíveis adaptações e aprimoramentos. As mudanças nos arranjos federativos devem acompanhar essas dinâmicas de forma a promover maior eficiência na ação pública e organização do território nacional e regional ao longo do tempo. A rigidez orçamentária é setorial e temporal, não regional. ___________________________________________________________________________________ Constantino Cronemberger Mendes é coordenador-geral do Grupo de Trabalho sobre Federalismo (Portaria 200, de 04 de novembro de 2014) e técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea. |