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Reintegrar x reincidir

2015 . Ano 12 . Edição 84 - 16/10/2015

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Pesquisa analisou os casos de 817 presos de cinco estados e mostrou que a taxa de reincidência criminal, no Brasil, é bem menor do que o que se apregoa

Caetano Manenti

Estudo do Ipea calcula nova taxa de reincidência criminal no Brasil e alerta que presos encontram, no sistema penitenciário, a primeira grande barreira para a reintegração social. A pesquisa A Reincidência Criminal no Brasil, publicada recentemente pelo Ipea em parceria com o Conselho Nacional de Justiça, coordenada pelo sociólogo Almir Júnior e assinada por mais cinco técnicos do Instituto, já é uma referência no assunto e traz novos elementos para a análise do complexo fenômeno no país. Afinal, por que a prisão não evita ainda mais crimes? Para começar, temos que fazer uma reflexão sobre o termo “reincidência”. No Brasil, o debate – especialmente aquele acalorado – não costuma fazer distinção entre a reincidência penitenciária e a reincidência legal.

A reincidência penitenciária é certamente a mais comum entre as duas, já que se refere a qualquer situação na qual o cidadão tenha duas entradas no sistema penitenciário, seja por sentença já deferida ou ainda – e aí é que está aquestão polêmica – por medida cautelar, como nos casos de prisão temporária ou de prisão preventiva. Portanto, não existe sequer a preocupação de averiguar se houve culpa em processo concluído, transitado em julgado.

Arquivo pessoal
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Almir Júnior, cientista político, sociólogo e técnico de
Planejamento e Pesquisa do Ipea

Já a reincidência legal, a escolhida para o desenvolvimento do estudo, é mais criteriosa, como está descrito em trecho do relatório de pesquisa: “reincidência legal é, segundo a legislação, a condenação judicial por novo crime até cinco anos após a extinção da pena anterior”. A decisão de considerar reincidência apenas aquilo que se repete em um período de cinco anos adiciona novo caráter progressista à pesquisa, uma vez que, assim como a legislação nacional, pretende reduzir a estigmatização daquele que já esteve no cárcere por uma vez que seja.

No entanto, o trabalho reconhece que tal escolha impõe limites aos números também. Para calcular um novo índice de reincidência do crime brasileiro, o trabalho analisou, entre 2006 e 2011, os casos de 817 apenados em cinco estados brasileiros (Alagoas, Pernambuco, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná). O resultado mostrou que, destes 817, 199 voltaram a praticar crimes depois de cumprirem a pena anterior, o que significa uma taxa de reincidência criminal de 24,4% na média ponderada.

O resultado é considerado alto pelos pesquisadores, mas fica bem abaixo do que se propaga em alto tom por muitos deputados do Congresso Nacional, que chegam a alertar para uma taxa de incríveis 70%. “A reincidência criminal é um dos problemas sociais gravíssimos do Brasil, ao mesmo tempo em que é muito pouco conhecido”, alerta Almir Júnior.

O estudo traçou um perfil do criminoso reincidente. O intuito era o de compará-lo com o não reincidente. A iniciativa, no entanto, encontrou poucas diferenças significativas nos dois grupos. A que mais se sobressai é a questão de gênero. Os homens reincidem muito mais do que as mulheres. Enquanto elas representam apenas 6,2% da população carcerária, entre os reincidentes pesquisados formaram apenas 1,5%. Além da abordagem quantitativa, a pesquisa se dedicou a um longo trabalho de campo, um profundo trabalho qualitativo que, mais do que explicar os motivos da reincidência, propôs-se a fazer uma análise dos serviços oferecidos dentro da prisão, na importante luta entre reintegração versus reincidência. Essa segunda etapa foi desenvolvida a partir de visitas às casas penitenciárias de três estados, mantidos em sigilo para preservar as fontes entrevistadas.

Foram ouvidos desde diretores de presídios até os próprios encarcerados, passando, especialmente, por agentes penitenciários – operadores centrais do sistema e protagonistas desta história. A pesquisa, como afirma Almir, revela uma hipertrofia de poder do sistema penitenciário, de responsabilidade do Executivo estadual, em detrimento do Judiciário: “O juiz de execuções penais seria o responsável por supervisionar os direitos dos presos. Contudo, ele não atua dentro do presídio. Quem atua é o diretor, auxiliado pelos vários profissionais de dentro do serviço”.

O desembargador George Lopes Leite, do Distrito Federal, ex-juiz de execuções penais, corrobora essa descrição: “Os centros de observação criminológica, a comissão técnica de classificação, o diretor de presídio, todos esses opinam sobre a situação dos presos. Então, o que eles escrevem o juiz não tem capacidade de contrariar. É uma aceitação. O juiz se limita a homologar decisões de dentro do presídio”. A situação é preocupante já que, por princípio, é o Judiciário que, em última instância, resguarda o espírito legislador. E, embora muitos pensem a prisão meramente como uma ferramenta punitiva, a Lei de Execuções Penais (LEP) tem como objetivo principal a reintegração social.

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O artigo 10 desta lei, por exemplo, assegura que “a assistência ao preso e ao internado, como dever do Estado, objetiva prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade, estendendo-se esta ao egresso”. É o que defende, com empolgação, Valdirene Daufemback, diretora de políticas públicas do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão do Ministério da Justiça: “Desde o primeiro dia em que uma pessoa é privada de liberdade, o Estado deveria estar pensando em como facilitar o processo de reintegração, até porque o ambiente da prisão é diverso por si só. Ele é afastado dos vínculos, da família. Então, é preciso minimizar danos e facilitar a inclusão social”.

A LEP prevê que as atenções básicas que devem ser prestadas são assistências à saúde, psicológica, educacional, jurídica, religiosa, social e material. Todos os brasileiros sabem que não é assim que funciona. A pesquisa é mais uma que comprova a falência do modelo, justamente num contexto de crescimento do número de prisões no Brasil. De 1992 a 2013, por exemplo, a população carcerária aumentou 403%.

Segundo os últimos dados dos Depen, atualmente, são cerca de 607 mil pessoas (0,3% da população nacional e quarto maior número absoluto do mundo) cumprindo pena em 1.424 estabelecimentos penais do país. “A população brasileira tem carência tanto dentro quanto fora da penitenciária em relação ao acesso aos bens públicos e aos serviços que o Estado brasileiro fornece. Saúde, educação e segurança, por exemplo, são serviços que não alcançam toda a população. A questão se agrava dentro da prisão por uma questão ideológica”, reflete Almir Júnior.

Se o cobertor é ainda mais curto dentro da prisão, quem são os poucos detentos que vão receber as assistências previstas na LEP? Quem são os escolhidos para estudar, trabalhar ou mesmo ter sua saúde e segurança garantidas? A pesquisa traz como resposta, em outro trecho, um triste relato de uma das penitenciárias estudadas: “Não era garantida a equidade no atendimento. Alguns direitos dos presos podiam até mesmo passar a representar fatores de privilégios, de controle e de poder no interior das unidades prisionais”.

O próprio diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional, Renato De Vitto, admite que a assertiva é verdadeira: “Não existe um levantamento nacional de critérios para acesso às assistências. Há um ponto aí, há um problema. A afirmação da pesquisa encontra respaldo em denúncias que a gente recebe. Mesmo na minha trajetória profissional, eu, que sou defensor público, já recebi denúncias de critérios obscuros ou mesmo ilícitos para a disponibilização dos serviços. O que a gente defende aqui é que os estados consigam fazer a regulamentação a partir de diretrizes que sejam claras, isonômicas, legais. É claro que existem nuances em relação ao serviço. No caso da assistência à saúde, a situação clínica é um elemento que se coloca. No que diz respeito ao trabalho e à educação, também nos parece legítimo estabelecer critérios que sejam progressivos, que premiem as pessoas que não tenham falta grave, que não tenham nenhuma intercorrência no seu cumprimento”.

Valter Campanato/ABr
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Trechos dos relatórios dos pesquisadores ou das entrevistas realizadas com agentes operadores do sistema e ainda com os próprios apenados – todos com suas identidades preservadas – revelam elementos importantes que podem explicar as origens da tragédia do sistema penitenciário. Sobre o caso específico de uma penitenciária, a pesquisadora relata: “Não havia distribuição satisfatória de comida. Assim, o juiz autorizou que as famílias levassem mais comida”. Ao passo que o agente penitenciário da mesma unidade completa: “Temos de controlar o que as visitas trazem das feiras. Muitas mulheres que vêm visitar os presos são bandidas como eles. E tentam entrar com droga, celular, cachaça”.

Nesse mesmo presídio, o agente penitenciário responsável pela saúde dos presos relata a dificuldade que é garantir esse direito básico desde os primeiros dias de detenção: “O preso já chega aqui surrado. A polícia maltrata. O preso vem maltratado, acabado. E o custo disso para o Estado é imenso. Não matou, mas maltratou a troco de nada, às vezes, por mera ignorância e brutalidade. Chegam aqui detonados e a gente tem de fazer mágica”.

Encaminhar os presos para atendimento ou exames no Sistema Único de Saúde (SUS) também é jornada inglória: “A secretaria sempre alegou que o sistema prisional era de responsabilidade estadual, mas a atenção básica é responsabilidade do município. A primeira dificuldade que encontrei foi a de convencer os órgãos públicos da responsabilidade que eles têm sobre o sistema prisional”.

O mesmo gerente relata a dificuldade de acesso à enfermaria da unidade: “Principalmente os que se encontram nos módulos mais próximos têm mais acesso. A gente não consegue acessar, nem saber se existem ou não problemas a serem solucionados nos módulos mais distantes, lá no fundão. Não temos agentes suficientes para buscar o preso lá embaixo”.

A pesquisa aponta que não há questão superior à segurança dentro do sistema penitenciário e, em nome dela, outros serviços são deixados de lado, como relata a gerente de educação de uma das unidades pesquisadas: “Para o gestor penitenciário, a prioridade é a segurança. Em seguida, a saúde e a assistência social – que é a retirada de documento. Por último, quando dá, é que a educação é considerada. A logística das unidades não permite que ofertemos mais do que três horas por dia de aula. Aumentaram as turmas escolares, mas não aumentou o contingente de agentes. E eu preciso de escolta para que as aulas aconteçam”.

Divulgação
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Nem todos os detentos se beneficiam dos serviços de saúde,
educação e segurança dentro das prisões

O diretor do Depen, Renato De Vitto, contesta essa hierarquização. “Não há o que vem na frente. A segurança é importante, mas todo o resto também é igualmente importante”. Dentro de todo esse resto, certamente, a questão laboral é uma das principais, já que, muitas vezes, é ela que garante ao egresso do sistema uma vida reintegrada à sociedade.

No entanto, veja o relato dessa outra situação lamentável feito pelo gerente de laborterapia de um presídio: “Os convênios que fazemos só empregam a mão de obra daqueles que estão cumprindo pena. Quando, por exemplo, os reeducandos saem do semiaberto para o aberto, acaba a parceria, e eles ficam novamente desempregados. Enquanto está preso, tem trabalho e, de repente, quando ele deixa de ser preso, não tem mais. Falta uma política de Estado que contemple as necessidades de trabalho da população egressa”.

Essa opinião também é a da diretoria do Depen, que estuda, dentro do governo federal, um programa de financiamento para ajudar os egressos do sistema. Quem revela o plano é o próprio Renato De Vitto: “Temos de pensar se faz sentido gastar tanto dinheiro enquanto a pessoa está no sistema e depois não ajudar nem mesmo com um vale-transporte”. Valdirene Daufemback, também do departamento, revela um outro plano, o da criação de um programa que, a partir dos nove meses anteriores à saída do preso, prepare a pessoa para este momento e que, ao sair, ela encontre o suporte para superar as dificuldades iniciais, de contato com a família, moradia, alimentação e documentação. “Muitas pessoas, ainda hoje, por falta de um serviço adequado, são liberadas sem documentação, com o uniforme da unidade, sem um vale-transporte para chegar a lugar nenhum. Automaticamente, a gente empurra as pessoas para a exclusão e isso pode favorecer a reincidência”.

Tão difícil quanto se reintegrar no mundo lá fora, o ex-presidiário terá de vencer as memórias de um tempo terrível. Trechos das entrevistas realizadas com apenados revelam o tamanho do trauma que a pessoa poderá carregar: “É uma morte em vida, o cárcere. Eu te digo: é uma coisa horrível. Quem viveu uma vida lá fora, família, amigos, trabalhos, é uma morte em vida. A gente não pode ver quem a gente quer, na hora que a gente quer, não pode comer o que a gente quer”, lamentou um condenado ao regime fechado.

Carlos Alberto/GMG
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Penitenciária de Minas Gerais fornece curso de formação
profissional  para ressocialização de detentos

Outro disse: “O sistema é uma coisa que nunca vai sair da minha cabeça. A experiência é só sofrimento e desprezo. Fica esquecido ali dentro. Só quem passa sabe, é muito sofrimento. Nós somos humilhados o tempo todo lá dentro”. Diante de todo esse panorama apresentado no estudo, os pesquisadores chamam a atenção para uma espécie de contradição existente na Lei de Execuções Penais: como reintegrar cidadãos que você isolou completamente da sociedade? Almir Júnior admite que a pesquisa não chega a uma conclusão de qual o principal modelo a ser seguido para a reintegração dos ex-detentos. No entanto, está seguro de que esse modelo penitenciário deve mudar: “Se o Brasil não buscar um novo modelo que enxergue o apenado como um sujeito de direitos, sempre a transição dele, na hora de retornar para a sociedade, vai ser dificultosa”.

Para o desembargador Georges Lopes Leite, não é apenas do poder público, mas também de toda a comunidade, a responsabilidade de ajudar nos processos de reintegração social, oferecendo ajuda, trabalho e, especialmente, desestigmatizando o ex-presidiário: “Enquanto a população não acordar que a reintegração do preso é a maior garantia que ele tem de não reincidir no crime, nada vai acontecer. A gente tem de saber que toda pessoa que está presa, daqui a um ou dois ou cinco ou 10 anos, vai estar na nossa esquina”.

Ministerio Público/PR
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Já Valdirene Daufemback traz uma última reflexão importante: “Algumas vezes, as pessoas entendem a experiência da prisão como algo isolado na vida dos sujeitos, mas ela não é. Ela faz parte de um reportório de vivências, experiências, de aprendizagens e oportunidades que vão influenciar na etapa seguinte”.

A conclusão que fica é que o período na prisão tende a ser decisivo para o futuro da vida de qualquer cidadão. Fazer deste momento o mais humano possível pode ajudar a interromper o provérbio: “Errar é humano, repetir o erro é burrice”. As assistências fazem parte desses pacotes de serviços que vão gerar uma pessoa com mais capacidade ou com menos, desde a equipe psicológica até os próprios agentes carcerários. São eles que estão dentro dos presídios e que acabam repassando as informações para o juiz de execuções.

 
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