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De Appomattox a Charleston

2015 . Ano 12 . Edição 84 - 16/10/2015

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150 anos depois do mais mortal confronto da História, a Guerra de Secessão ainda é uma peça-chave para compreender os conflitos raciais no país nos EUA

Mariana Paulino

Na manhã do dia 10 de julho, a população de Carolina do Sul, nos Estados Unidos, testemunhou algo até pouco tempo inimaginável: a retirada da bandeira confederada, símbolo dos exércitos sulistas norte-americanos na Guerra Civil de 1861, da frente do Parlamento de Colúmbia, capital do estado. O ato, conduzido perante milhares de espectadores, tem grande simbolismo, embora seja apenas a ponta de um iceberg ancorado em mais de um século de diferenças raciais, políticas e econômicas ainda encrustadas na cultura norte-americana.

Reprodução/Pintura de Robert H. Sibold
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A bandeira confederada acabou virando um elo entre presente e passado e a proibição de sua exibição em prédios públicos, justamente no ano em que são relembrados os 150 anos do fim da Guerra de Secessão, torna essa viagem no tempo ainda mais necessária. Em 1865 terminava o conflito mais sangrento da história dos Estados Unidos. Calcula-se que mais de 750 mil soldados perderam a vida na guerra entre estados Confederados e a União. As perdas civis foram ainda maiores. Estima-se que um terço dos homens adultos do Sul morreu nos quatro anos de batalhas. Entre os estados do Norte, a perda populacional teria chegado a 10%. A economia sulista acabou devastada no processo e foram necessárias décadas para recuperá-la completamente. Mas algumas chagas continuaram abertas, mesmo após tantos anos.

Para cada história, há dois lados. E a guerra entre os estados norte-americanos faz jus a essa máxima. Há uma leitura histórica bastante distinta entre nortistas e sulistas sobre o estopim e, especialmente, sobre o objetivo do confronto. Para o Norte, que chama o conflito de Guerra Civil, o objetivo era abolir a escravidão e garantir a unidade da Federação, debelando as rebeliões sulistas. Para o Sul, que a chama de Guerra de Secessão, a intenção clara era a separação dos Confederados em uma organização política autônoma. A ideia era preservar o modus operandi da economia sulista, fortemente baseada na propriedade privada e na qual os escravos negros eram vistos como bens. No centro do palco estava Abraham Lincoln, um dos mais icônicos presidentes dos Estados Unidos.

Durante as eleições de 1860, que sagraram Lincoln vitorioso, uma divisão bastante clara surgia entre estados do Norte e do Sul dos Estados Unidos. Enquanto os sulistas prosperavam em um modelo agrário e escravagista, os nortistas avançavam para uma economia industrial, em boa parte impelidos pela geografia montanhosa da região que tornava o cultivo praticamente impossível. Essa cisão econômica rapidamente distinguiu as duas populações em termos culturais. Apesar de ambas as regiões seguirem princípios liberais, havia um choque de interpretações em torno do conceito, claramente influenciadas pela realidade econômica e política de cada estado. No industrializado Norte, a filosofia liberal se materializava na ideia da livre iniciativa, por meio do trabalho livre. Consequentemente, a ideia de manter uma economia baseada no trabalho escravo rapidamente foi perdendo adeptos na região. Já o Sul entendia o liberalismo de uma forma mais estrita, como o direito à propriedade privada. E, nesse sentido, sendo o escravo considerado quase como um maquinário no processo de produção agrícola, estabeleceu-se o entendimento de que o fim da escravidão feria o princípio liberal da Constituição dos Estados Unidos.

MPI/Hulton Archive
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O grande abismo cultural que se estabelecia entre Sul e Norte era algo palpável quando Abraham Lincoln entrou na disputa eleitoral. Mas se engana quem pensa que o fim da escravidão era a principal bandeira empunhada naqueles dias. Nas questões raciais, a principal preocupação de Lincoln na Presidência era impedir que a escravidão se expandisse para o Oeste, mas não havia na época um apoio consolidado da população, mesmo do Norte, para libertar os escravos. “O abolicionismo não era popular no Norte também”, relembra o historiador Vitor Izecksohn, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “As pessoas se esquecem de que havia um Oeste negro nos Estados Unidos. E a eleição de Lincoln foi um recado de que o país não estava disposto a expandir a escravidão para o Oeste.”

Um atributo sempre frisado quando se fala em Lincoln era sua habilidade política, materializada em um discurso apaziguador, em que tanto a população do Norte quanto a do Sul conseguiam se identificar, mesmo que parcialmente. Mas essa habilidade retórica foi entendida como ambiguidade pelas populações sulistas após a eleição. Para o Sul, estava claro o destino da Nação: Lincoln queria acabar com a escravidão e, para os agricultores sulistas, isso era expropriação.

PEDIDO DE SECESSÃO

The Granger Collection
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A queda do exército Confederado foi selada em 9 de abril de 1865,
durante a Campanha de Appomattox Court House

Pouco antes da posse de Lincoln, formou-se a Confederação, inicialmente composta por sete estados do Sul. Esse grupo comunicou ao governo sua intenção de se separar da aliança de estados estabelecida após a Guerra de Independência contra os britânicos. Para o Sul, o raciocínio era simples: se a população dos estados votou para entrar no que se consolidaria nos Estados Unidos da América, a mesma população estadual tinha o direito de votar para sair. Uma conferência de paz chegou a ser realizada, mas não acalmou os ânimos. O estopim do confronto ocorreu em 12 de abril de 1861, pouco mais de um mês após a posse de Lincoln.

Naquele dia, as tropas dos estados Confederados tomaram o Fort Sumter, que funcionava como base militar para a União, na Carolina do Sul. Lincoln autorizou o ataque para a retomada do forte e, assim, começava a guerra. Rapidamente, os Confederados expandiram sua influência, chegando a 11 estados aliados. Mas a ampliação do corpo de batalha sulista não os preparou para o que iria acontecer. Essa não seria uma guerra como as anteriores; tinha início ali o que seria considerado mais tarde como a primeira guerra industrial da história. Nos quatro anos de batalha que se sucederam à tomada de Fort Sumter, a vantagem nortista cresceu rapidamente. Os exércitos da União usaram uma combinação mortal de tecnologia e estratégia. O Norte tinha à sua disposição telégrafos, ferrovias, canhões avançados e a possibilidade de bloquear portos, estrangulando a economia sulista baseada na exportação do algodão. A crueldade dos generais nortistas também foi decisiva para a vitória: a prática corrente não era apenas vencer as batalhas militares, mas pilhar e destruir fazendas, muitas vezes massacrando todos os moradores, como forma de desestabilizar psicologicamente o levante pela separação. A estratégia funcionou.

Reprodução
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Imagem do filme O Nascimento de uma Nação, de 1915, sobre a
Guerra de Secessão e a reconstrução dos Estados Unidos

A queda do exército Confederado foi selada em 9 de abril de 1865, durante a Campanha de Appomattox Court House. O general sulista Robert E. Lee e seus 21 mil soldados se renderam, selando a vitória da União, liderada pelo general Ulysses S. Grant. Mas o que se seguiu à rendição também foge às expectativas de desfecho de uma guerra comum. Os soldados Confederados foram forçados a passar por uma longa cerimônia de rendição, que pode ser vista como um último ato de humilhação praticado pelas tropas de Grant. Ademais, não houve grandes consequências jurídicas para os rendidos: basicamente, os sulistas foram “liberados” para voltar para suas casas após aceitar a derrota.

INTERVENÇÃO PARA RECONSTRUÇÃO

As batalhas podem ter terminado em Appomattox, mas um confronto silencioso se inicia após 1865, quando começa a chamada “Reconstrução”. Esse período consiste em uma interferência profunda e contínua do Congresso norte-americano na vida dos estados sulistas até o ano de 1877, especialmente para garantir os novos direitos dos escravos libertados. Acontece que essa dura interferência acirrou as questões raciais no Sul do país, solidificando posturas extremistas de preconceito e discriminação que culminariam no estabelecimento de grupos de supremacia branca. É no período da Reconstrução que surgem os primeiros grupos de supremacia branca, como a Ku Klux Klan, para perseguir e matar negros, principalmente nos estados do Sul, como Texas e Mississipi.

Chicago Tribune historical photo
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No período da Reconstrução, surgem os primeiros
grupos de supremacia branca, como a Ku Klux Klan,
para perseguir e matar negros, principalmente nos estados
do Sul, como Texas e Mississipi

Começam a surgir, então, as leis de segregação racial, que só seriam abolidas na década de 1960. A igualdade racial, no entanto, não se estabeleceu após o término da segregação institucionalizada. As perseguições aos negros continuaram nas décadas seguintes, culminando nos movimentos por direitos civis que imortalizaram líderes como o pastor Martin Luther King, Malcom X e Rosa Parks. O famoso discurso de Luther King, em 1963, na escadaria do Monumento a Lincoln, deixa clara a marca da Guerra Civil no processo cultural norte-americano, especialmente quando o assunto é a desigualdade racial. “Há 100 anos, um grande norte-americano, sob cuja simbólica sombra nos encontramos, assinou a Proclamação da Emancipação”, disse King, no início de seu discurso para 250 mil pessoas. “Mas, 100 anos mais tarde, devemos encarar a trágica realidade de que o negro ainda não é livre. Cem anos mais tarde, a vida do negro está ainda, infelizmente, dilacerada pelas algemas da segregação e pelas correntes da discriminação.”

Cinquenta anos após as palavras de Luther King, a memória da Guerra de Secessão voltaria à cena, mostrando sua outra face. Dylann Roof, um jovem de 21 anos, abriu fogo em uma igreja metodista, em Charleston, na mesma Carolina do Sul onde 150 anos atrás se iniciavam as batalhas da Guerra de Secessão, matando nove pessoas. Em sua página em uma rede social, Roof exibia fotos empunhando a bandeira Confederada, razão pela qual os políticos norte-americanos reabriram o debate sobre a exibição da flâmula em prédios públicos. À polícia, Roof teria dito que buscava, com o atentado, conclamar uma nova guerra em prol da supremacia branca.

EFEITOS PARA ALÉM DOS EUA

Chuck Burton / Associated Press
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Dylann Roof, de 21 anos, abriu
fogo em uma igreja metodista,
em Charleston,
matando nove pessoas

Como todo confronto, a Guerra Civil teve grandes impactos não apenas para quem participou das batalhas. Após o fim do conflito, milhares de Confederados migraram para outros países. O Brasil foi um deles. Há muita controvérsia sobre a vinda dos imigrantes Confederados. Vários historiadores defendem que a Colônia brasileira se formou porque aqui a escravidão ainda prosperava. Mas aquele processo contou com a participação estratégica de Dom Pedro II para se consolidar. O governo brasileiro queria diversificar a agricultura e a atração de cultivadores de algodão era uma oportunidade de ouro. D.Pedro II não poupou esforços para atingir aquele objetivo e chegou a abrir diversos escritórios de imigração em território norte-americano a partir de 1864, para atrair os agricultores.

Aqui entra uma certa ironia do destino. No Brasil já se começava a discutir o fim da escravidão, que seria consolidado 20 anos depois, em 1888. E, na história brasileira, a grande presença dos imigrantes como força trabalhadora, seja na indústria, seja na agricultura, foi a motriz para a libertação dos escravos. Os norte-americanos, mesmo que indiretamente, têm participação nessa virada cultural brasileira.

A colônia criada em 1865, em Americana, São Paulo, trouxe para o cenário local não apenas suas habilidades agrícolas, mas também novas visões na religião e no processo educacional, hoje já incrustadas na cultura brasileira, como o ensino metodista e os cultos presbiterianos e batistas.

A GUERRA NÃO ACABOU

Divulgação
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Cento e cinquenta anos depois da Guerra Civil, os Estados Unidos têm
como presidente um negro, Barack Obama, eleito em nome do Partido
Democrata, que apoiava os Confederados e a ideologia escravagista

Mas na terra onde tudo aconteceu, as chagas do confronto permanecem. Em artigo publicado na revista The Atlantic, intitulado The Civil War Isn`t Over (A Guerra Civil não acabou), o historiador David W. Blight discorre sobre os efeitos nocivos da “cultura da memória” estabelecida em relação aos confrontos de 1861. Blight, considerado um dos maiores estudiosos do período, estabelece um paralelo importante entre as batalhas e os dias atuais. “A Guerra Civil e os direitos civis sempre foram entrelaçados na história e na mitologia norte-americanas, mas, naquele período conturbado e violento, os dois fenômenos eram como planetas em órbitas separadas em torno de diferentes sóis”, avalia. “Os norte-americanos ainda lutam todos os dias para discernir e decretar aquela sociedade de igualdade que a Guerra Civil, pelo menos, tornou imaginável”.

Esta luta cotidiana está no centro das contradições da cultura norte-americana em torno das questões raciais. Cento e cinquenta anos depois da Guerra Civil, os Estados Unidos têm como presidente um negro, Barack Obama, eleito em nome do Partido Democrata, que apoiava os Confederados e a ideologia escravagista. A Guerra Civil norte-americana e sua influência ainda presente na cultura são um grande exemplo de como passado e presente são interdependentes e de que uma trégua militar nem sempre significa o fim de um confronto.

 
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