A epidemia de microcefalia e o Sistema Único de Saúde do Brasil |
2015 . Ano 12 . Edição 85 - 20/01/2016 Leila Posenato Garcia A microcefalia é uma malformação congênita caracterizada pelo perímetro cefálico reduzido para a idade gestacional, acompanhado por alterações no cérebro. Em outubro de 2015, foi observado aumento inesperado do número de casos de microcefalia ao nascer, após o registro da ocorrência da febre pelo vírus Zika, inicialmente em Pernambuco e, posteriormente, em outros estados do Nordeste do Brasil. O Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica atuou prontamente. O Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde (CIEVS) e o Centro de Operações de Emergência em Saúde (COES) foram acionados. Em novembro, o Ministério da Saúde declarou o surto como Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional e comunicou sua ocorrência à Organização Mundial da Saúde (OMS) por meio da Organização Pan‑Americana da Saúde (OPAS), conforme protocolo do Regulamento Sanitário Internacional (RSI). Após reavaliação de risco, nova notificação foi feita à OMS, classificando o evento como potencial Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), devido a seu caráter inesperado e com efeito grave para a saúde. A Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde lançou o primeiro boletim epidemiológico sobre microcefalia na terceira semana de novembro e passou a divulgar os dados com periodicidade semanal. No mesmo mês, pesquisadores do Instituto Evandro Chagas isolaram o vírus Zika (ZIKV) no sangue e tecidos de recém‑nascido com microcefalia. Com este achado, o Ministério da Saúde declarou comprovada a implicação do ZIKV na ocorrência do surto de microcefalia. Concomitantemente à investigação, o Ministério da Saúde acionou o Grupo Estratégico Interministerial de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional e Internacional (GEI‑ESPII) e lançou o Protocolo de Vigilância e Resposta à Ocorrência de Microcefalia relacionada à infecção pelo vírus Zika. O governo federal divulgou o Plano Nacional de Enfrentamento à Microcefalia, com três eixos – combate ao mosquito, atendimento às pessoas e desenvolvimento tecnológico, educação e pesquisa –, ainda na primeira semana de dezembro. A rápida resposta à emergência em saúde pública – com a investigação dos casos e fatores associados, a notificação às autoridades sanitárias internacionais e o desencadeamento das ações de vigilância, prevenção e assistência à saúde de forma articulada –, em menos de dois meses após a detecção do surto de microcefalia, foi possível somente devido à operação de um sistema de vigilância eficiente, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. Após o alerta internacional dado pelo Ministério da Saúde do Brasil, houve o pronunciamento de autoridades sanitárias da Polinésia Francesa sobre a detecção de casos de malformações cerebrais coincidentes com a ocorrência da febre pelo vírus Zika naquele local. Contudo, na falta de um sistema de vigilância integrado e eficiente, aliada à legalidade da interrupção da gestação na França e seus territórios ultramarinos, estes casos não haviam sido revelados ao mundo oportunamente. A febre pelo vírus Zika é uma doença febril aguda que causa manchas avermelhadas na pele e na maioria dos casos evolui para cura. Entretanto, o ZIKV pode desencadear complicações neurológicas potencialmente fatais, além da implicação na ocorrência de microcefalia nos conceptos de gestantes infectadas. Devido ao fato de que a doença é transmitida pelo mesmo mosquito vetor da dengue (Aedes aegypti), existe o potencial para rápida disseminação pelo país. A atual situação epidemiológica brasileira, na qual coexistem elevada morbimortalidade por doenças crônicas, acidentes, violências e doenças transmissíveis, agravada pelo forte impacto dos determinantes sociais da saúde em uma sociedade extremamente desigual, reforça a necessidade do fortalecimento do SUS. O SUS é responsável por executar as ações da vigilância em saúde no Brasil. Seu protagonismo é fundamental para a mobilização de todos os setores necessários ao enfrentamento da epidemia de microcefalia. Neste episódio, no qual se evidenciou a atuação oportuna e integrada da vigilância em saúde, não se observou o devido reconhecimento ao papel do SUS. Não obstante, apenas um sistema universal equânime e integral e com recursos para cumprir de fato suas atribuições constitucionais poderá fazer com que o Brasil venha a superar o enorme desafio representado pela epidemia e minimizar seus efeitos sobre a população brasileira. ___________________________________________________________________________________ Leila Posenato Garcia é técnica de Planejamento e Pesquisa do Ipea. A autora agradece os comentários da Dra. Elisete Duarte, coordenadora‑geral da Coordenação de Desenvolvimento da Epidemiologia em Serviços da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.
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