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“As democracias passam por um momento muito difícil”

2015 . Ano 12 . Edição 86 - 28/03/2016

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André Singer

Para um dos mais respeitados cientistas políticos brasileiros, a possibilidade de se promover distribuição de renda e de se combater a pobreza sem confronto com o capital não existe mais, por força da queda dos preços das commodities. O fenômeno tem sérias repercussões na vida institucional de vários países e acentua o desinteresse das pessoas pela política. Nas próximas páginas, Singer discorre sobre a crise enfrentada pelo governo Dilma e aponta: “Tornar a Constituição de 1988 uma realidade continua sendo um horizonte importante para a sociedade brasileira”.

Gilberto Maringoni – São Paulo

Desafios – O senhor se notabilizou como o mais aplicado intérprete desse fenômeno que chama de lulismo. Que fenômeno é esse?

André Singer – O lulismo é uma invenção política que ocorre durante o primeiro mandato do ex-presidente Lula e que junta elementos de esquerda e de direita, de uma maneira que ninguém imaginava ser possível. E, justamente porque ninguém imaginava ser possível, é que avalio ser uma invenção do próprio ex-presidente Lula, ou liderada por ele, pois esse tipo de coisa nunca é uma produção individual. Essa mistura de elementos, no fundamental, poderia ser definida da seguinte maneira: uma macroeconomia que segue a orientação do tripé neoliberal – ou seja, juros altos, câmbio livre e superávits elevados –, porém associada a uma política de combate à pobreza que foi capaz de reativar a economia brasileira a partir sobretudo de 2004. Essa política de combate à pobreza poderia ser expressa por outro tripé que, de alguma maneira, é simétrico ao tripé neoliberal: o Bolsa Família, transferência de renda para os mais pobres em um volume expressivo, muito mais expressivo do que ocorreu durante o governo Fernando Henrique Cardoso; o crédito consignado, uma invenção do primeiro mandato do presidente Lula, que permitiu a camadas de baixa renda terem acesso ao consumo; e, em terceiro lugar, o aumento expressivo do salário mínimo, que ao cabo de 12 anos (dos dois governos Lula e do governo Dilma) teve uma valorização real de mais de 70%. O salário mínimo é considerado, quase que consensualmente, por todos os economistas, como a principal alavanca da distribuição de renda, partindo-se do pressuposto de que o Brasil é um país tremendamente desigual e que essa desigualdade de renda é, talvez, a principal marca e o principal problema do país.

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Desafios – O fenômeno do lulismo funcionou muito bem, como o sr. disse, a partir de 2004, e teve seu auge entre 2004 e 2010, quando a elevação da demanda externa por commodities possibilitou expressivos crescimentos anuais do PIB – em torno de 3% a 4%, o que é alto para o padrão brasileiro dos últimos 30 anos. Ou seja, ele funciona bem no crescimento? Ele funciona em momentos de retração?

Singer – Eu diria que essa é a grande questão posta hoje. É preciso ressaltar o seguinte: reconheço que a mágica de se fazer uma política de distribuição de renda e, sobretudo, de combate à pobreza sem confronto com o capital teve que ver com o momento especial de expansão da economia mundial e, em particular, de valorização das commodities. Como dizem vários economistas, uma valorização de 100% de um dia para o outro, sem que o Brasil tivesse feito nada para isso. Claro que isso deu uma margem de manobra que explica, em parte, o sucesso ou a possibilidade material de desenhar essa política misturada de elementos de esquerda e direita. No entanto, não se pode deixar de ver, primeiro, que essa janela de oportunidades representada pela expansão da economia mundial e pela valorização das commodities foi, particularmente, bem aproveitada do ponto de vista político. Não era obrigatório que isso fosse feito. Eu diria que, se o PSDB estivesse no poder entre 2003 e 2014, isso não teria acontecido. O PSDB não tem essa sensibilidade, não tem esse DNA, não tem esses elementos postos no seu programa. Houve uma janela de oportunidade, mas ela teve um aproveitamento político singular. Segundo, houve também uma espécie de novidade, que foi perceber que a política social é também política econômica. No contexto do desenvolvimentismo, isso é quase óbvio. Mas, no contexto dos parâmetros de pensamento econômico neoliberal, é algo inexistente. Política social não é política econômica. E o lulismo introduziu essa variante na política econômica. É uma novidade. A expansão econômica abriu um cenário possível, que não teria sido realizado se os atores políticos à frente do governo não tivessem tomado determinadas decisões. Essa é a premissa. Agora, para responder concretamente a sua questão, avalio que, em termos empíricos, a crise passa a ser uma crise prolongada a partir de 2011. Ela teve um primeiro impacto em 2008, mas, no mundo todo, ela foi rapidamente revertida por maciças injeções de dinheiro público. Não estou falando do Brasil, mas de todo o mundo capitalista. Em 2011 nós entramos em um ciclo de crise que aponta para uma estagnação prolongada, que ninguém sabe exatamente onde vai terminar. Nesse período de estagnação, eu diria que a presidente Dilma, no seu primeiro ano de mandato, desenhou uma política interessante para atualizar o lulismo em um momento de estagnação. E o desenho dessa política, do ponto de vista estritamente econômico, me parece consistente, apesar de os liberais dizerem diuturnamente o contrário. O que faltou foi força política para sustentar isso. A presidente Dilma tentou fazer uma redução expressiva dos juros reais e conseguiu. Chegamos a taxas reais de pouco mais de meio por cento, ou seja, compatível com a dos países centrais. É um item fundamental de todo o pensamento desenvolvimentista: ter juros menores para que isso se materialize em recursos que o Estado possa investir, poupando o que vai pagar aos rentistas. Além disso, ela fez uma desvalorização cambial expressiva, no começo de 2012. Talvez não tenha sido suficiente para resolver os problemas da indústria brasileira. O professor Bresser-Pereira insiste em que a desvalorização teria de ser maior, mas creio que o próprio professor Bresser diz que não havia força política para isso. O desenho da política estava apontando na direção correta: acentuou uma série de medidas, que já vinham de antes, para controlar o capital especulativo, fez uma extensa dinâmica de proteção ao produto nacional em relação aos importados, tomou uma série de medidas voltadas para uma inovação industrial e fez uma política ligada ao Ciências sem Fronteiras para a formação de quadros para sustentar essa inovação. Enfim, tomou uma série de iniciativas à frente do Estado que me parecem apontar na direção de uma resposta a esse quadro de estagnação. O problema é que faltou força política para sustentar isso durante o tempo necessário. Já em abril de 2013, por exemplo, o Banco Central volta a subir os juros. Então, a queda dos juros vai de agosto de 2011 a abril de 2013. Ali se interrompe o ciclo antes que ele pudesse se mostrar suficientemente virtuoso. Chamo isso de ensaio desenvolvimentista. Não chega a ser uma política desenvolvimentista, não teve tempo para tanto. A partir daí, ela fica numa espécie de impasse até o fim de 2014. E, finalmente, depois da reeleição, essa política é cancelada.

Desafios – A mídia e representantes do capital financeiro alardearam, na primeira posse da presidente, em 2011, que nós viveríamos um descontrole inflacionário, nunca confirmado. Haveria uma pressão de demanda superior à capacidade instalada da indústria. Havíamos crescido 7,5%, em 2010, muito acima do chamado PIB potencial. O governo começa com um ajuste fiscal duro e cinco elevações seguidas da taxa de juros de janeiro a setembro daquele ano. Isso derruba o PIB nos anos seguintes. Em seu raciocínio, como enquadrar o ajuste de 2011?

Shlo OO
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Singer – Eu acho que esse ajuste está bem dentro do modelo lulista. O modelo não rompe completamente “A mágica de se fazer uma política de distribuição de renda e de combate à pobreza sem confronto com o capital teve que ver com o momento especial de expansão da economia mundial e, em particular, de valorização das commodities” com a macroeconomia neoliberal. O que ele vai fazendo, de certa medida, é comer o mingau pelas bordas, ou seja, vai modificando, pouco a pouco, determinados parâmetros, sem romper com eles. É uma mudança, também no campo da política econômica, muito gradual. O que chama a atenção, até o fim de 2014, é o fato de que essas mudanças graduais tenham sido contínuas. E, ao serem contínuas, produziram um efeito cumulativo de transformação. Esse é o elemento sobre o qual chamo atenção. Um ajuste fiscal em 2011 – e que você tem toda razão, foi um ajuste muito forte – é algo mais ou menos visto como normal, sobretudo quando se vem de um crescimento muito forte no ano anterior. Agora, eu reconheço com humildade que não tenho capacidade de análise econômica para saber o impacto que isso efetivamente teve. Eu sei que uma parte dos economistas desenvolvimentistas atribui a esse ajuste fiscal muitos dos problemas da política econômica subsequente, mas eu não sou capaz, não tenho uma opinião formada sobre isso. Há outros que dizem que não, que por mais que tenha sido – e foi mesmo! – um ajuste forte, ele não foi tão influente quanto alguns dizem. Outro elemento para ser considerado junto é que ninguém sabia que haveria uma recidiva da crise no meio do ano de 2011, da crise internacional. A crise internacional realmente voltou com outras características, e é óbvio que ela impacta o Brasil.

Desafios – No terreno internacional, temos um problema adicional. Tudo indica que a China está mudando o seu padrão de desenvolvimento. Ela dá indícios de priorizar o desenvolvimento de seu mercado interno em detrimento da demanda externa para se adaptar à crise. Seria quase uma mudança keynesiana. É isso?

rd86entrevista01img003PERFIL

André Vitor Singer (1958) é um dos mais importantes cientistas políticos brasileiros. Seu livro Os sentidos do Lulismo – Reforma gradual e pacto conservador (2012) tornou‑se referência obrigatória para a análise da cena institucional da última década.

Professor de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) desde 1990, Singer foi porta‑voz da Presidência da República na primeira gestão Lula (2003‑2007). Como jornalista, foi editor de política e secretário de redação do jornal Folha de S. Paulo (1983‑1989).

Ao contrário de vários membros de governos que, ao deixarem seus cargos, montam empresas de consultoria, Singer voltou ao emprego anterior. “Eu sempre ambicionei fazer uma carreira universitária e intelectual consistente e tenho me esforçado para isso”, diz ele. A experiência de permanecer por quatro anos no núcleo do governo é descrita como “um aprendizado espetacular para se entender como funciona, na prática, a Presidência da República”.

Singer – Isso mesmo. Exatamente isso. A volta da crise com novas características repercute muito fortemente sobre a situação interna porque, de alguma maneira, o nosso processo estava colado no processo chinês. É uma mudança de cenário a ser considerada, que não se podia prever no primeiro semestre de 2011. Na realidade, um ajuste como o daquele ano está sendo planejado desde o segundo semestre de 2010. Talvez ninguém tivesse a visão de que a crise voltaria, com as características que voltou.

Desafios – Voltando a essa questão do lulismo. O senhor se refere, em seus estudos, a uma ampliação da base social do lulismo e do PT, que deixam de representar apenas os setores organizados e passam a se legitimar entre os inorganizados da sociedade, os miseráveis. A queda da popularidade da presidente Dilma significa um rompimento com essa base construída nesses 14 anos?

Singer – Não se trata apenas de uma ampliação. Existe também uma troca. O PT era, até 2002, o representante de setores médios da sociedade – o que não quer dizer classe média. Estamos falando de setores intermediários porque, na verdade, na formação social brasileira, você tem uma enorme massa da população, que gira ao redor de 50%, que não está organizada. De modo geral, está configurada pelo subproletariado. Essa massa da população muito grande deixa todos que tenham carteira assinada e renda familiar mensal de, digamos, dois salários mínimos, grosso modo, numa condição de estrato intermediário, mesmo que seja, na verdade, composta por proletários. O PT era um partido desses setores organizados. Ele deixa de ser o partido desses setores intermediários e passa a ser o partido dos setores mais pobres da população, dos pobres. Há uma conversão do PT em partido popular, nesse momento, o que é uma grande mudança. É por isso que eu vou falar de segunda alma do Partido dos Trabalhadores. O que acontece – e que você tem razão – com a ampliação é que, nessa passagem, o PT levou consigo a classe trabalhadora organizada, o setor organizado da classe trabalhadora, mais especificamente o operariado industrial. O grosso dos sindicatos ficou com o PT. Há uma ampliação, que reúne, num mesmo contínuo, trabalhadores organizados e uma base desorganizada, o subproletariado. A política da presidente Dilma no primeiro ano do segundo mandato ameaça seriamente essa base desorganizada. Ela não significa, ainda, uma ruptura porque o Bolsa Família está mantido, os programas sociais essenciais estão mantidos. No entanto, note‑se, por exemplo, que já neste ano de 2016, parece que não vai haver reajuste do valor do Bolsa Família. Isso é muito grave.

Shlo OO
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Desafios – O aumento do desemprego tem impacto sobre isso?

Singer – Sim. Quando falamos de um aumento importante do desemprego, que ocorre no ano de 2015, isso vai bater também direta e indiretamente nessas famílias. Elas foram beneficiadas pela transferência de renda, mas foram beneficiadas também por um aumento muito expressivo do emprego de baixa remuneração. O Márcio Pochmann sempre insiste no fato de que mais de 90% dos empregos criados no período lulista têm remuneração de até um salário mínimo e meio. Ou seja, são baixas remunerações de um setor de baixa renda que passou a apoiar o PT, as candidaturas Lula e depois a candidatura Dilma. Quando você pega as curvas de aceitação do governo, você vê que elas caíram mais ou menos de 70%, entre a faixa de até cinco salários mínimos, para algo como 10% no ano de 2015. Quer dizer, no fim do ano de 2014, ainda havia uma aceitação muito alta da presidente Dilma, e depois ela cai brutalmente. Há aí um indicador de afastamento. A construção civil foi o setor que absorveu muitos trabalhadores. Vamos lembrar que o Minha Casa, Minha Vida teve um papel muito importante após 2009. Todos esses trabalhadores estão vindo dessa metade de baixo da pirâmide social brasileira, e que certamente estão agora, parte deles, perdendo os seus empregos. Portanto, é de se supor que esteja havendo uma convergência entre os índices de desemprego e os índices de reprovação ao governo Dilma nesse setor da sociedade, que é a sua base. Então, eu arriscaria dizer que há nitidamente um afastamento, que ainda não se converteu em ruptura, mas pode se converter.

Desafios – Essa característica do lulismo de conseguir conciliar uma macroeconomia liberal e uma economia social progressista teria semelhanças com o varguismo?

Singer – Eu acho que tem uma semelhança importante no plano político, e não econômico, porque, na economia, a grande diferença, ou pelo menos uma das grandes diferenças, está no fato de que Getúlio governou em um período keynesiano. Keynesiano consciente ou inconsciente, porque há quem diga que ele praticou um keynesianismo avant la lettre sem saber o que estava fazendo exatamente, até porque Keynes não tinha ainda publicado e teorizado tudo o que ele iria fazer ao longo do anos 1930. Mas o fato é que o mundo estava passando por um período em que a intervenção estatal era amplamente aceita, e não só isso. Era, digamos, a política do tempo, a política predominante da época. Agora nós estamos vivendo um período exatamente oposto, em que há um avanço tremendo do mercado a partir dos anos 1980 e uma violenta retração do Estado no mundo todo. Essa expansão do mercado e retração do Estado não para de avançar. Isso se dá apesar da crise, que começa em 2008 e se acentua em 2011. Ela deveria significar um ocaso do neoliberalismo, pois ela atinge todos os pressupostos teóricos do neoliberalismo. Uma demonstração disso é que o Estado teve de intervir com energia total, senão seria o caos. Não obstante esse questionamento das bases teóricas, o mercado continua avançando e o Estado continua se retraindo. Estou falando, agora, do mundo. Portanto, é um período com sinal oposto. Daí então que, se a gente for comparar políticas econômicas, a comparação varguismo-lulismo não bate. Onde bate é no seguinte: tanto o Getúlio como o ex-presidente Lula decidiram fazer uma política de mudanças sem confrontar as classes dominantes brasileiras. Ou seja, fazer uma política de mudanças que fosse aceita pelas classes dominantes brasileiras. Essa aceitação é uma aceitação cheia de tensões porque não é pacífica, tranquila e alegre. É uma aceitação às vezes mais fácil; às vezes mais difícil; e, às vezes, beira o golpe ou beira a tentativa de interrupção abrupta. No caso do Getúlio, tudo isso acabou no golpe de 1964. No caso do lulismo, nós não sabemos como vai terminar. Eu tenho dito que, embora a situação seja muito diferente, e quase que incomparável – até porque as Forças Armadas estão inteiramente afastadas do cenário político –, a proposta de impeachment não deixa de ser uma forma de golpe branco.

Desafios – Nas duas coalizões principais pós-ditadura, a coalizão do PSDB e a coalizão do PT, tivemos nesses partidos um centro organizador da vida política. Antes de 1964, esse papel era cumprido pelo PSD e pelo PTB. O senhor acha que isso se mantém?

Singer – Acho que não porque, para governar em democracia, é preciso ter uma base parlamentar. Se não, não se consegue governar. E o Congresso Nacional é formado pelas forças que a gente conhece. De certa maneira, ela organiza um amplo espectro de partidos – vamos chamar assim – centristas. Essa é uma discussão,em si, bastante complicada, tentar caracterizar ideologicamente esses partidos. Mas, para efeitos dessa resposta, vamos chamar de partidos de natureza centrista. Sem eles você não consegue governar. Tem um outro aspecto que tem de ser registrado: é que o grau de fragmentação partidária que existe hoje no Brasil é muito superior ao do período 1945-1964. Naquele período, os três principais partidos (PSD, UDN e PTB) tinham ao redor de 60%, 70% do Parlamento. Hoje, não chegam a 40% os três principais partidos, que são PT, PSDB e PMDB. Nessa enorme fragmentação, o PMDB se sobressai como um partido que não tem maioria no Congresso, nem próximo disso, mas que consegue, de alguma maneira, catalisar um certo número de agremiações que têm características semelhantes – um partido que opera no plano de políticas clientelistas com um viés centrista porque precisa estar ligado ao governo.

Shlo OO
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Desafios – Os anos lulistas se caracterizam pela formação de uma ampla coalizão de partidos políticos na conformação de uma base parlamentar. Ela se compõe por forças políticas díspares, para o bem e para o mal. Seria possível fazer um governo sem uma coalizão tão diferenciada entre si?

Singer – Eu tendia a pensar que, até 2014, o PMDB estava fazendo o papel do PSD, ou seja, o papel do centro. É um centro muito peculiar porque é um centro formado por um partido que é o partido do interior. Normalmente, quando você pensa a ciência política mundial, o centro é visto como um partido da classe média, mas no Brasil o PMDB e o PSD não eram propriamente partidos de classe média, mas eram e são o partido do interior. Então, é um centro muito peculiar.

Desafios – A partir de junho de 2013, falava-se muito que o país enfrenta uma crise de representação. Essa crise existe?

Singer – Há uma crise de representação mundial. As democracias estão passando por um momento muito difícil porque são crescentes os setores do eleitorado que acham que a política não serve para nada e que os políticos só existem para favorecer os seus interesses particulares. Há uma crise da democracia. E o Brasil também está passando por essa crise. Nesse sentido, você pode dizer que existe uma crise de representação, mas não é necessariamente uma crise de representação brasileira. O que existe de brasileiro, a meu ver, nessa questão, é o efeito da Operação Lava Jato. A Operação Lava Jato é uma novidade no Brasil porque você tem, pela primeira vez, uma forte ofensiva sobre o conjunto do sistema político, embora ele esteja o tempo todo sublinhando mais alguns partidos do que outros. Mas a Operação Lava Jato acaba incidindo sobre o conjunto do sistema político desde fora do sistema político. São atores que estão no que a gente poderia chamar de sistema de Justiça.

Desafios – O senhor já chamou de Partido da Justiça…

Singer – Sim. E ele está bombardeando o sistema político permanentemente de uma maneira que acentua muito a crise de representação porque os volumes dos recursos que estão sendo diuturnamente revelados como parte de desvios é muito grande. A Operação Lava Jato parece não ter propriamente um fim. Ela vai se expandindo para setores novos, sem paradeiro. É preciso dizer, nesse ponto, que a Operação Lava Jato tem um sentido geral republicano e deve ser apoiada. Obviamente, todas as correntes ideológicas republicanas são a favor da luta contra a corrupção, e eu também sou. Não obstante, é preciso assinalar que ela vai desmontando e paralisando o sistema político de uma tal maneira que essa sensação que parte crescente do eleitorado tem, de que a política não lhe diz respeito, vai ganhando força.

Desafios – O professor Luiz Carlos Bresser-Pereira tem dito que nós estamos chegando ao fim do sistema político-institucional montado a partir da Constituição de 1988. Gostaria que o senhor comentasse.

Singer – Não acho isso, não. Penso que a Constituição de 1988 continua sendo o programa político de setores progressistas do país. Tornar a Constituição de 1988 uma realidade continua sendo um horizonte importante para a sociedade brasileira. Nós vivemos é uma dupla crise. O primeiro ponto é o que você se referiu logo na primeira pergunta: saber se o lulismo – que foi, afinal de contas, o projeto progressista que deu certo no Brasil, em que pesem muitas críticas que se possam fazer, e muitas contradições das quais ele é passível – tem uma resposta econômica para a situação atual, para o ciclo atual do capitalismo no mundo e no Brasil. O segundo ponto é saber como vão se resolver os graves problemas que a Operação Lava Jato – que, volto a dizer, tem um sentido geral republicano – está ocasionando a esse sistema político. Eu tenderia mais a colocar os problemas atuais na convergência dessa dupla crise, que é muito séria, do que em um esgotamento da Constituição de 1988.

Shlo OO
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Desafios – O senhor acha que vivemos uma onda conservadora? Esse é um traço dominante na conjuntura?

Singer – Acho que sim, por vários motivos diferentes. Eu diria que, primeiro, você tem um esgotamento de uma hegemonia cultural da esquerda, que se prolongou muito além do golpe de 1964. Quer dizer, morreu a experiência populista do período 1945-1964, mas a hegemonia cultural da esquerda se prolongou até o final dos anos 1980. Não me refiro à hegemonia política, estou falando da hegemonia cultural. Nos anos 1990, a partir do governo Collor, e sobretudo a partir do governo Fernando Henrique, você começa a ter uma contestação dessa hegemonia porque começa a crescer no Brasil, e de uma maneira como eu não conhecia antes, uma corrente de valores liberais que se enraíza na sociedade. Não só na classe média, onde talvez ela tivesse historicamente mais presença, mas ela começa a se difundir para as camadas populares também, pela primeira vez. Isso é uma coisa importante. Segundo, nós estamos diante de uma onda mundial de conservadorismo, ou seja, a direita está crescendo e, junto com a direita, estão crescendo também os valores conservadores. Terceiro, nós temos uma coisa bem particular, que é a reação ao lulismo e que vai dar nisso que é conhecido como antipetismo. O antipetismo é um fenômeno no Brasil, é um fenômeno político importante no Brasil. Há já setores significativos do eleitorado que se definem por ser antipetistas. Esse antipetismo é bem conservador. E ele é uma reação às reformas graduais que o lulismo veio fazendo.


 
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