Repensar as metrópoles: os desafios da cooperação interfederativa e da gestão democrática |
2015 . Ano 12 . Edição 86 - 28/03/2016 Bárbara Oliveira Marguti O crescimento das cidades tem-se caracterizado pelo surgimento e adensamento de regiões metropolitanas (RMs). Cerca de 4 milhões de pessoas habitam áreas urbanas em 2016 e a ONU aponta que 50% desses vivem em aglomerações com mais de 500 mil habitantes. No Brasil, o tema da gestão e governança das RMs vem ganhando fôlego dentro do governo e das instituições de planejamento e pesquisa. A confluência da aprovação do Estatuto da Metrópole-EM (Lei nº13.089/2015) e de importantes eventos – nacionais e internacionais, marcados para 2016 e 2017 – pautam os debates sobre futuro das cidades. Em outubro de 2016 ocorrerá a terceira Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável - Habitat III, em Quito, no Equador. Dentre os encontros preparatórios para a Habitat III e a construção da New Urban Agenda ocorreu, em outubro de 2015, a Conferência Temática sobre Áreas Metropolitanas-AM, que deu origem à “Declaração de Montreal sobre Áreas Metropolitanas”. A Declaração diagnostica o rápido crescimento das metrópoles no mundo, dando lugar a desigualdades socioespaciais, materializadas no desequilíbrio entre o núcleo e a periferia. O documento destaca, como caminhos para a transformação do “mundo metropolitano”, a necessidade da construção da governança metropolitana e do desenvolvimento, entre governos nacionais, regionais e locais, de mecanismos de cooperação que coloquem o direito à cidade no centro das políticas metropolitanas, incorporando a participação cidadã aos demais direitos universais. Em muitos aspectos, esses tópicos dialogam com as diretrizes contidas no EM e a temática que orientará a 6ª Conferência Nacional das Cidades (CNC): a “Função Social da Cidade e da Propriedade”, com o lema “Cidades Inclusivas, Participativas e Socialmente Justas”. A CNC desempenha papel primordial na definição da agenda pública e política para o desenvolvimento urbano nos anos que a sucedem. Sua realização está prevista no Estatuto da Cidade (EC), Lei nº 10.257/2011, no capítulo que trata da gestão democrática da cidade. Em julho de 2016 terão se passado 15 anos da aprovação do EC, marco para um balanço da aderência e efetividade de suas disposições e instrumentos. O EM, por sua vez, concretiza avanços no sentido de repensar o modelo brasileiro de desenvolvimento urbano que toma, como nunca, proporções metropolitanas e até mesmo macrometropolitanas e regionais. Além de reestabelecer as bases sobre as quais as RMs são instituídas, criando critérios objetivos para que essas alcancem a “gestão plena” e assim sejam reconhecidas e recebam apoio da União, o EM estabelece como obrigatório o que antes era experimental e voluntário: a cooperação interfederativa. Ao definir os princípios para a governança interfederativa das RMs e aglomerações urbanas a lei lança o desafio de redistribuição das responsabilidades, entre estado e municípios metropolitanos,no processo de tomada de decisões para a promoção do desenvolvimento urbano,atendendo ao princípio da prevalência do interesse comum sobre o local e garantindo a participação, não apenas consultiva, da sociedade civil. O desafio está em construir arranjos institucionais e de articulação interfederativa capazes de promover a cooperação na materialização de novas diretrizes para as RMs, no que diz respeito ao planejamento, execução e gestão dos serviços urbanos que extrapolem as fronteiras municipais. Dentre as inúmeras preocupações e indefinições está a da capacidade dos municípios metropolitanos participarem do financiamento de ações e projetos de interesse metropolitano, num cenário de baixa capacidade de endividamento, forte dependência de transferências orçamentárias, insuficiente capacidade técnica e institucional, além dos deficientes e instáveis instrumentos de planejamento, ferramentas e recursos para gestão e controle social das Funções Públicas de Interesse Comum. As experiências internacionais compartilhadas no Seminário Internacional Planejamento Metropolitano, promovido pelo Ministério das Cidades em dezembro de 2015 com o apoio do Ipea – sobretudo as das AMs de Montreal, Portland, Medellín e Bucaramanga, apontam para o surgimento de uma “consciência metropolitana”, a partir da qual os cidadãos e os governos compreendem o efeito positivo de sua cooperação individual para o bem comum. Apesar dos avanços trazidos pelo EM, não há indícios de que a lei represente um ponto de inflexão na maneira como as demandas sociais se inserem no embate político. Muito se ouve dizer sobre o “fortalecimento da participação cidadã” e da “abertura de canais de participação” quando, na verdade, o caminho deveria ser inverso e a política pautada pelas demandas e necessidades das pessoas. Essa reflexão é crucial quando se trata de uma sociedade ainda tão desigual como a brasileira. ___________________________________________________________________________________ Bárbara Oliveira Marguti é Coordenadora de Estudos em Desenvolvimento Urbano da Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais (Dirur) do Ipea.
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