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“Estamos implantando instrumentos legais que permitem às empresas avançar sobre o espaço público das cidades”

2016 . Ano 13 . Edição 87 - 17/06/2016

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Raquel Rolnik

Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, está imersa nas lutas e na definição de marcos legais sobre o direito à moradia desde o final dos anos 1970. Nesta entrevista, ela fala da privatização do espaço e das políticas públicas de habitação e planejamento urbano no Brasil. Vincula essa situação ao financiamento privado de campanhas eleitorais, que cria uma teia de interesses entre empresas prestadoras de serviços e a própria máquina estatal. E, por fim, alerta: um novo ciclo de lutas populares está começando.

Gilberto Maringoni – São Paulo

Desafios – A senhora é consultora da ONU e sua especialidade está focada nas cidades. Tivemos, há três anos, uma profusão de revoltas urbanas no Brasil. Qual o significado de junho de 2013?

Raquel Rolnik - Junho de 2013, para mim, marca a percepção de um novo ciclo de lutas em torno do direito à cidade no Brasil. O último ciclo semelhante aconteceu entre o final dos anos 1970 e início dos anos 1980 e acabou recebendo o nome de luta pela reforma urbana. Tinha estreita vinculação com a demanda pela redemocratização e contra a ditadura. Havia uma articulação desse campo com a reforma urbana, com o campo sindical, com o campo da liberdade de expressão e pelas liberdades políticas.

Aquele ciclo foi protagonizado por moradores de assentamentos irregulares autoconstruídos, de favelas, de vilas e das periferias do país, clamando por sua integração à cidade. Lutavam por sua inserção, junto com setores profissionais – arquitetos, urbanistas, advogados, engenheiros etc. – e mutuários do sistema financeiro de habitação, que já não estavam conseguindo pagar seus débitos. Esse movimento gerou a proposta de emenda popular de reforma urbana na Constituição brasileira e também o empenho por uma legislação subsequente, procurando incluir o conceito de função social da cidade e da propriedade, o reconhecimento do direito de posse, entre outros.

Desafios - Esse é o germe do Estatuto da Cidade?

Raquel Rolnik - Isso é o germe do Estatuto da Cidade e das lutas pela sua implementação e regulamentação, bem como dos planos diretores participativos. Esse processo também foi responsável por fortalecer e constituir a base de novos partidos políticos, entidades sindicais e outros movimentos. E nos anos 1980 houve possibilidade de se implantar a ideia da função social e da democracia direta na definição das políticas públicas...

PERFIL

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Raquel Rolnik é arquiteta, urbanista e doutora pela Universidade de Nova ork. É também professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Sua trajetória também envolve a diretoria de Planejamento da Cidade de São Paulo (1989-1992), a coordenadoria de Urbanismo do Instituto Pólis (1997-2002) e a Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades (2003-2007), entre outras atividades.

Foi relatora internacional do Direito à Moradia Adequada do Conselho de Direitos Humanos da ONU (2008-2014). Esse período – que coincidiu com a crise da habitação nos Estados Unidos, na Espanha e na Irlanda - é objeto de reflexão em seu último livro Guerra dos Lugares (Boitempo Editorial). Raquel Rolnik participa ativamente, desde os anos 1980, das tentativas de se implantar políticas de habitação popular em diversas prefeituras brasileiras.

É ainda autora dos livros A Cidade e a Lei (Fapesp/ Nobel), O que é Cidade (Brasiliense) e Folha Explica: São Paulo (Publifolha). É colunista do jornal Folha de S.Paulo e consultora de cidades brasileiras e latino-americanas em política urbana e habitacional.

Desafios – É o caso do Orçamento Participativo?

Raquel Rolnik – Do Orçamento Participativo, de conselhos, de conferências e de outras experiências municipais, a partir do final dos anos 1980. Em 2001, foi votado o Estatuto da Cidade. Mas esses mesmos partidos, por uma questão de estratégia de governabilidade e da possibilidade de ganhar eleições, acabaram se comprometendo com um modo de produção da cidade, com um modo de decisão sobre a política urbana, muito capturado pelos interesses dos negócios urbanos. Leia-se: empreiteiras e concessionárias de serviços públicos, como as de transporte, de lixo etc.

Marco Antonio Sá
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Desafios – Ou seja, privatizou-se a política urbana.

Raquel Rolnik - A relação entre a produção da cidade e o modelo político eleitoral que hoje aparece sob a forma do escândalo da corrupção – um processo muito mais amplo e profundo – acabou interferindo muito na condução da política urbana, de tal maneira que os espaços participativos e as políticas de inclusão acabaram ficando em segundo plano. A força desse processo foi sendo cada vez mais capturada pela cidade dos negócios. É muito importante dizer que, entre as décadas de 1990 e de 2000, as cidades foram passando por um processo crescente de financeirização, ou seja, pelo complexo imobiliário-financeiro. A produção da cidade funciona basicamente para remunerar o capital financeiro. Isso avançou internacionalmente nesse período.

Desafios – Os grandes eventos, como Copa do Mundo e Olimpíadas, fazem parte dessa lógica?

Raquel Rolnik – A realização dos grandes eventos é exatamente o momento em que isso se fortalece no Brasil. No âmbito dos megaeventos se ensaia, talvez pela primeira vez, como esses projetos ligados ao complexo imobiliário-financeiro podem ter enorme força, passando por cima do que existia como regulação. A situação envolve o Plano Diretor, a legislação ambiental e a lei de licitações. Nada disso precisa ser mais obedecido, em nome de se construir rapidamente. Assim entendemos, por exemplo, como é possível que nos anos 2000, depois de tantos anos na luta pelo reconhecimento dos direitos de posse, se façam remoções em massa de favelas, sem respeitar o direito à moradia e sem oferecer contrapartidas. E na Constituição está escrito que quem está há mais de cinco anos sem oposição na terra que ocupa tem o direito de permanecer nela.

Desafios - É o antigo usucapião, não?

Raquel Rolnik - Exatamente. A pessoa tem o direito a usucapião. O pobre é removido e não se paga a ele a desapropriação, como se paga para a classe média. E veja: nesse momento de crise, avança no Congresso a pauta da privatização do espaço público. Isso se dá através da Medida Provisória 700. Ela simplesmente permite que o privado desaproprie uma área da cidade e depois a explore comercialmente. Falo tudo isso para dizer que, desde o início dos anos 2000, a gente começa a ver sinais de um novo ciclo de lutas.

Desafios – Como a senhora classifica esse novo ciclo?

Raquel Rolnik - Ele começa a aparecer com alguns movimentos novos. Eu citaria o Movimento Passe Livre (MPL), que desde 2003 e 2004 começou a organizar protestos em torno do transporte público como elemento essencial da cidade. Emerge também uma série de movimentos nos temas da apropriação de espaços públicos. É o caso do cicloativismo e o pedestre, o pé contra a política urbana submetida ao automóvel. Há um ciclo também em relação aos próprios movimentos de moradia, com uma nova onda de ocupações de terrenos e de prédios vazios. Esses movimentos têm algumas pautas e algumas características diferentes do ciclo anterior. Agora se fala do direito à cidade como um elemento unificador. Eles estão muito marcados pela presença da juventude, uma juventude que não conheceu as lutas contra a ditadura. Uma juventude que já nasceu com o tal do campo popular democrático no poder. Nós estamos falando de novos personagens e novas estratégias. Por exemplo, a importância da arte e da cultura nesses movimentos é totalmente diferente do que a gente via no ciclo anterior. Em 2013, ele se tornou visível. Muitos se surpreenderam. Para quem acompanhava as novas lutas não houve surpresa alguma.

Marco Antonio Sá
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Desafios – Voltemos às movimentações de junho de 2013. Se não houve surpresa com aqueles fenômenos, houve pelo menos com sua intensidade, não?

Raquel Rolnik – Elas tiveram um caráter nacional. Desde os anos 1970, com a implementação de um sistema de comunicação de massa unificado no Brasil, criam-se pautas unificadas, também. Um exemplo é que, nos anos 1990, tempos de crise fiscal, ajuste estrutural e desemprego pesado para as grandes cidades, começa a aparecer muito o tema do tráfico de drogas, da insegurança, da relação entre tráfico, favelas e ocupações. Eram mostradas na TV cenas do Rio de Janeiro e uma das consequências é que aumentam as vendas de condomínios fechados com segurança privada em São José do Rio Preto (SP). Há uma pauta e uma agenda nacional. Embora as pessoas na maior parte do País não estivessem diretamente afetadas por aquele fenômeno, elas são tocadas por aquela pauta. Como é que você vai vender um condomínio fechado que oferece segurança para uma cidade que não estava sofrendo com problema? A onda mais recente de comunicação, a da internet, faz questões localizadas circularem também no Brasil inteiro.

Desafios – A senhora acha que o Estado tomou alguma iniciativa para reduzir as causas dos problemas sentidos há três anos?

Raquel Rolnik - A explosividade continua. Houve, sim, em vários níveis governamentais, algum tipo de reforma voltada a partes dessa pauta. Por exemplo, a priorização de investimentos em transporte coletivo de massa. Várias cidades começaram a definir políticas de restrição à circulação dos automóveis. Em São Paulo, houve um embate na cidade para se priorizar ônibus em vez de carro e para se construir ciclovias. As respostas são suficientes? Não, ainda não. O que aconteceu de lá para cá? A enorme crise política atual soma-se àquele conjunto de insatisfações externadas nas ruas a partir de 2013 e acaba, por uma operação midiático-jurídica, transformando-se numa espécie de narrativa única contra o governo federal. Ao transformar tudo nesse sentimento, acabou se encobrindo as reais razões do mal-estar na cidade. E pior: aprofundando os processos que geraram esse mal-estar, porque o grande problema não é a corrupção, infelizmente. A corrupção, evidentemente, é abjeta, é um problema e deve ser combatida a qualquer preço. Mas o grande problema é o efeito que essa privatização do Estado tem nas decisões do que é feito na cidade.

Desafios – A senhora acha que a solução para o problema do transporte seria a criação de uma empresa pública?

Raquel Rolnik - Não. Absolutamente. O que nós não temos é um processo de controle social e de regulação do transporte. Embora a Constituição aponte a ideia do controle social através da participação popular, nós não conseguimos romper a barreira do processo decisório real. Não tenho absolutamente nada contra serviços operados por empresas privadas, por cooperativas ou por outras formas de organização. A questão fundamental é a regulação e o controle social e público sobre o serviço.

Desafios – Pelo que a senhora fala, a cidade está privatizada. Ao mesmo tempo, o gestor público, o prefeito e o governador são eleitos com base em financiamento privado. Como a senhora vê essa roda da fortuna?

Marco Antonio Sá
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Raquel Rolnik - A roda da fortuna do financiamento eleitoral tem um papel central nesse modelo. Falo do financiamento das campanhas municipais. Historicamente, os setores que têm incidência nesse financiamento são as concessionárias de transporte coletivo, as concessionárias do lixo, as empreiteiras de obras públicas e as incorporadoras imobiliárias e, no caso das cidades menores, os loteadores. São, em síntese, os que têm na cidade o seu mercado. Eles controlam o Legislativo, historicamente, através da eleição das Câmaras municipais; controlam também o Executivo, através do financiamento das coalizões partidárias, e controlam o Judiciário. As prefeituras muitas vezes tentam, nas licitações, abrir para outros que não aqueles setores e grupos que monopolizam esses serviços na cidade. E essas licitações, através de expedientes jurídicos, são vazias, são eliminadas ou questionadas nos tribunais. Assim, a população fica sem o serviço e o prefeito é obrigado a incluir esses agentes nos processos licitatórios. Enquanto eles não ganham, não tem licitação, não tem serviço. É uma coisa muito cartelizada, é um monopólio muito forte.

Desafios – Os governos estaduais também interferem nas regiões metropolitanas. Os casos que a senhora menciona também ocorrem nessas esferas?

Raquel Rolnik - É importante dizer que onde os governos dos estados têm importância na política de transporte coletivo de massa há também uma total simbiose entre esses agentes e as decisões tomadas em relação a essas linhas. O caso de São Paulo é absolutamente emblemático. Existe a presença forte das grandes empreiteiras no metrô, nos sistemas de trens do subúrbio, na coleta e destinação final do lixo, no complexo imobiliário-financeiro e na incorporação. Enquanto as ruas estão absolutamente indignadas com o efeito perverso do poder dessas empreiteiras sobre o Estado, estamos implantando no Brasil, cada vez mais, instrumentos legais que permitem às empresas avançar sobre o espaço público. Isso vai desde o regime direto de contratação – sem projeto – até, por exemplo, a medida mais recente, a MP 700, que permite às empreiteiras desapropriarem e explorarem comercialmente áreas inteiras da cidade, com seu setor de incorporação imobiliária.

Desafios – Isso acontece também em outros países?

Raquel Rolnik - É um fenômeno global, que tem ocorrido também na Europa e nos Estados Unidos, a partir do final dos anos 1970. Não me refiro ao papel específico das empreiteiras, pois isso é uma jabuticaba, é bem específico do Brasil. Mas o avanço da financeirização da terra e da moradia é um fenômeno global. Há, em outros contextos, processos de regulação mais ou menos eficientes. Existe a captura da política urbana para o avanço de um complexo imobiliário-financeiro sem compromisso com a função da cidade, ele só tem compromisso com a rentabilidade do capital investido. Esse avanço é global. Entretanto, podemos ter, na experiência concreta de cada país, mais ou menos regulação, mais ou menos um Estado com controle. Na América Latina, a situação é de tragédia. Eu diria que o único país que ainda resiste em termos de política habitacional é o Uruguai, com um programa de cooperativas muito interessante.

Desafios – E o processo de gentrificação, de mudança do perfil ocupacional dos bairros?

Marco Antonio Sá
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Raquel Rolnik - No Brasil também acontece isso. A gente vive processos de mudança de perfil social em determinados bairros da cidade. Mas na Europa e nos Estados Unidos, por exemplo, esse avanço se deu não só através da gentrificação. Se aqui se remove favela, em alguns países – como nos Estados Unidos – se desmancharam e se demoliram conjuntos habitacionais de baixa renda, em operações vinculadas aos Jogos Olímpicos, caso de Atlanta. Este processo existe em outros lugares, com mais ou menos resistência, com mais ou menos regulação, com mais ou menos controle público e social. Depende do estágio da democracia e da natureza da democracia em cada um dos lugares.

Desafios – Como as agências da ONU vinculadas a essas temáticas têm se colocado?

Raquel Rolnik - A ONU teve uma importância grande no imediato pós-guerra e até o começo dos anos 1970, no sentido de estabelecer um marco de respeito aos direitos humanos, aos direitos individuais e coletivos. A partir dos anos 1960, houve uma política de afirmação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que teve um paralelismo em relação à própria construção do Estado de bem-estar social nos países europeus. Mas tudo ficou extremamente fragilizado, principalmente depois da queda do muro de Berlim, quando deixa de existir qualquer bloqueio para a tomada do território pelo capital e pelo mercado. Como o protagonista da ONU é o Estado, o que ele vai fazendo ao longo desse processo? Vai se autodestruindo. O próprio Estado vai se minando e se desintegrando. A Agenda Habitat dos anos 1970 formulava isso, mas há muito tempo as agências da ONU não ditam mais as regras. Elas são ditadas pelos organismos financeiros multilaterais – o FMI e o Banco Mundial – e abrem espaço para essa enorme financeirização. Assim, uma agência como a ONU-Habitat hoje é extremamente frágil, tem muito pouca capacidade de influência na pauta da política urbana.

 
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