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Lei Maria da Penha enfrenta novos desafios ao completar 10 anos


2016 . Ano 13 . Edição 88 - 23/11/2016

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O país evoluiu muito na prevenção e condenação das agressões de gênero nesse período. Mas o machismo e a mentalidade patriarcal ainda impedem que serviços de atendimento funcionem de forma eficaz nessas ocorrências

Carla Lisboa – de Brasília

A Lei Maria da Penha completou 10 anos em 2016, mas ainda são muitos os desafios no combate à violência contra a mulher no Brasil. Ana Cristina Santiago, titular da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) do Distrito Federal, diz que, embora o número de denúncias tenha aumentado nos últimos 10 anos, por causa da lei, as notificações ainda estão longe de expressar a realidade. Elas correspondem, atualmente, a 40% dos casos.

A delegada afirma que os principais motivos são o medo, a vergonha e a revitimização pelos agentes públicos – um reflexo da violência praticada por ação e/ou omissão nas instituições prestadoras de serviços públicos. O país ainda tem muito a caminhar. Prova disso é o fato de que a cada sete minutos uma denúncia de violência é registrada no país e a cada 11, uma mulher é estuprada, segundo dados da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM).

O atendimento precário muitas vezes oferecido às mulheres agredidas acaba sendo um fator de promoção da impunidade. Foi o que se viu, por exemplo, no caso da funcionária terceirizada do Ipea Marcela Aragão, assassinada pelo marido em 2011, com requintes de crueldade, na frente do filho de um ano e meio. Apesar dos testemunhos e das evidências, o acusado está solto.

Márcia Aragão, irmã de Marcela, conta que, à época, a polícia teria cometido uma série de equívocos, dentre eles o de não coletar as provas e não fotografar o corpo no local do crime. No Instituto Médico Legal, a situação, segundo ela, continuou: a medicina legal não teria registrado em laudo os ferimentos que levaram Marcela à morte. Em virtude dessas e de outras falhas, a Justiça de Goiás não reconheceu as provas e não viu motivos para condenar o marido. 

Mais recentemente, neste ano, um estupro coletivo contra uma adolescente de 16 anos, no Rio de Janeiro, reacendeu o debate nacional sobre a violência de gênero e pautou a discussão sobre as dificuldades de o Estado atender as mulheres vulneráveis a tais ocorrências. Um vídeo, divulgado nas redes sociais, mostrava detalhes da agressão. O Ministério Público do Rio de Janeiro recebeu mais de 800 denúncias contra o crime. O vídeo postado e a revelação da adolescente de que teria sofrido revitimização na delegacia trouxeram à tona o despreparo de agentes públicos na abordagem da violência contra as mulheres.

Divulgação / Ipea
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“(A Lei Maria da Penha)
Nasceu de movimentos sociais,
discutida pelos operadores
do Direito, e quando chegou
ao Congresso Nacional já
havia sido debatida em
vários órgãos do Estado”

Daniel Cerqueira, técnico de
Planejamento e Pesquisa do Ipea

 

 



 

A advogada da garota, Eloísa Samy, pediu a saída do delegado Alessandro Thiers do caso porque, segundo ela, o titular da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI) tentou culpar a vítima pelo crime. Por que motivos o Brasil não consegue conter esse tipo de crime, depois de ter criado e ampliado, entre 2006 e 2015, equipamentos, novas leis e serviços de combate à violência contra a mulher?

O estudo do Ipea intitulado Avaliando a efetividade da Lei Maria da Penha dá conta do impacto da legislação sobre homicídios num momento em que ainda não havia norma legal sobre o tema. Para Daniel Cerqueira, técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto, um dos autores do estudo, a norma é um marco na história do país. “Nasceu de movimentos sociais, discutida pelos operadores do Direito, e quando chegou ao Congresso Nacional já havia sido debatida em vários órgãos do Estado”, pondera.

Luana Simões Pinheiro, coordenadora de Igualdade de Gênero e Raça da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc/Ipea), por sua vez, aponta várias características interessantes do estudo e ressalta o fato de ele ter mostrado que a Lei Maria da Penha conteve o aumento de feminicídios e como a ação do Estado tem possibilidade de impactar diretamente esse tipo de crime. A Lei extrapolou os limites das punições e estabeleceu o debate nacional sobre desigualdade de gênero, além de uma série de discussões sobre medidas preventivas nunca vistas no Brasil.

“Isso não quer dizer que com a Maria da Penha esse crime começou a cair, mas, se estava crescendo muito, após a lei, parou de crescer em 10%.

A Lei do Feminicídio complementa essa diretriz”, afirma a pesquisadora.

NÚMERO DE REGISTROS A partir de 2003, houve avanços significativos com a instalação da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM), do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, da Casa da Mulher Brasileira, da Central de Atendimento, além da própria Lei Maria da Penha. 

Divulgação / Ipea
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“Entre 2005 e 2008, houve um
crescimento de mais de 1.700%
no total de atendimentos
realizados (pelo Ligue 180),
que passaram de quase 15
mil, no primeiro ano de
funcionamento do serviço, para
cerca de 271 mil, em 2008”

Luana Simões Pinheiro, coordenadora
de Igualdade de Gênero e Raça da Diretoria
de Estudos e Políticas Sociais (Disoc/Ipea)

 

Luana Pinheiro também realizou uma análise, em conjunto com outros técnicos do Ipea, sobre o número de reclamações registrado no Central da Mulher – Ligue 180. A análise, apresentada em um artigo durante o XIV Congresso Brasileiro de Sociologia, mostra que, “entre 2005 e 2008, houve um crescimento de mais de 1.700% no total de atendimentos realizados, que passaram de quase 15 mil, no primeiro ano de funcionamento do serviço, para cerca de 271 mil, em 2008”. O aumento no número de registros

também evidenciou a necessidade de rever as classificações adotadas, bem como a carência de um trabalho sobre organização, atribuições e competências de cada um dos serviços que compõem o aparato da segurança pública para o setor.

Trata‑se, contudo, de problema complexo e, por isso, as respostas que o Estado pode dar também não podem ser simples. “Nos últimos anos, a criação da SPM e dos instrumentos de proteção e de combate à violência colocou em pauta esse tema”, reconhece Luana. Até então, a violência era entendida como um problema de segurança pública. “A gente pode colocar toda a polícia do mundo na rua que isso não vai impedir a continuidade desse tipo de violência”, ressalta.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) revelou que 35% das mulheres do mundo sofreram agressão física e/ou sexual cometida por parceiro íntimo ou por não parceiro. Ou seja, uma a cada três mulheres no mundo sofreu de agressão verbal e outras formas de abuso emocional, passando pela violência física ou sexual, com expressão máxima no feminicídio.

Levantamento da SPM mostra que habitantes de cidades menores, afastadas dos grandes centros, têm dificuldades para acessar os serviços. A delegada Ana Cristina Santiago, da Deam‑DF, lembra que “temos o problema da cultura patriarcal e da desigualdade de gênero no Brasil, que naturalizam e sustentam a cultura da violência contra a mulher. Se não atacarmos isso, estaremos sempre enxugando gelo”, afirma. Ela cita um exemplo de mau atendimento por parte de agente público. “Uma juíza perguntou à vítima por que ela não fechou as pernas na hora do estupro”. Segundo a delegada, tais abusos têm base acentuadamente cultural e se originam em uma formação patriarcal e machista, derivada da escravidão. Para Ana Cristina, a discussão de gênero na sociedade é fundamental para que a cultura da violência seja combatida. “É muito importante termos leis e podermos responsabilizar um criminoso, mas, para existir uma ação efetiva, esse problema passa, necessariamente, pela educação”.

Segundo ela, o país precisa que todas as delegacias, dentro das suas limitações e peculiaridades, consigam prestar um mínimo de atendimento às vítimas. É o caso da 21ª Delegacia de Polícia, em Planaltina, no Distrito Federal. Lá, uma antiga delegada titular criou uma sala especial, destinada ao atendimento feminino. Ao saber da inovação, o diretor da Polícia Civil replicou a iniciativa e pediu que os delegados procurassem ter uma experiência parecida em suas unidades. Segundo a delegada Ana Cristina, a polícia precisa oferecer um serviço de qualidade logo no momento em que a vítima chega à delegacia e mandar para o juiz um relato o mais completo possível para que se possa definir a medida condizente com a situação.

Diculgação / Ipea
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“Em mais de 70% dos casos
de estupro registrados no
Sinan, há envolvimento
de familiares, amigos ou
conhecidos das vítimas.
Isso leva muitas delas a não
denunciarem e nem buscarem
atendimento por vergonha,
temor de serem julgadas ou
estigmatizadas, ou ainda medo
de uma reação mais violenta
do agressor denunciado”

Leila Posenato Garcia, técnica de
Planejamento e Pesquisa do Ipea

 

 

 

rd88rep02img005AQUÉM DA REALIDADE O Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), ligado ao Sistema Único de Saúde (SUS) e ao Ministério da Saúde, aponta que, em 2015, foram registrados 17.871 atendimentos a casos de estupros contra pessoas do sexo feminino e em 71% deles as vítimas eram crianças entre zero e 12 anos, ou adolescentes entre 13 e 19 anos. “Isso corresponde a uma média de 49 atendimentos por dia ou mais de dois por hora”, informa Leila Posenato Garcia, técnica de Planejamento e Pesquisa do Ipea e doutora em epidemiologia. O levantamento do Sinan também mostra que 56.036 crianças e adolescentes do sexo feminino foram estupradas no Brasil entre 2011 e 2015.

Apesar do aumento das notificações a cada ano nos registros do Ligue 180, da Segurança Pública (Boletins de Ocorrência) e do Sinan, ela avalia que os números estão aquém da realidade. “Os registros de estupros de 2015 são preliminares porque 40% dos municípios ainda não notificaram os atendimentos ao Sinan. Nos municípios onde é realizada a notificação, nem todas as vítimas chegam a ser atendidas pelos serviços de saúde”, explica Leila. Há uma barreira moral, pela vergonha e humilhação, além da econômica, diz a técnica do Ipea.

O Ministério da Saúde considera que os casos de notificação correspondem a apenas 10% das ocorrências. Sendo assim, o número de estupros no Brasil seria, hoje, 10 vezes maior do que o registrado no Sinan, correspondendo a cerca de 500 por dia ou mais de 20 a cada hora. O Anuário de Segurança Pública indica que, em 2014, foram registrados 47.646 estupros, com subnotificação estimada em 35%. Segundo  uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, do mesmo ano, 90% das mulheres revelaram ter medo de serem vítimas de agressão sexual.

Estudos indicam que um dos principais problemas que alimentam a subnotificação é o fato de essa violência
ser definida pela invisibilidade. “Ocorre, principalmente, no âmbito privado e é, em grande parte, perpetrada por familiares e conhecidos. Em mais de 70% dos casos de estupro registrados no Sinan, há envolvimento de familiares, amigos ou conhecidos das vítimas. Isso leva muitas delas a não denunciarem, nem buscarem atendimento por vergonha, temor de serem julgadas ou estigmatizadas, ou ainda medo de uma reação mais violenta do agressor denunciado”, afirma Leila. Assim, nem todas as ocorrências ganham visibilidade e isso só ocorre em casos extremos.

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É o caso, por exemplo, do estupro coletivo ocorrido em Castelo do Piauí, a 190 km de Teresina. O delegado do município, Laércio Evangelista, disse, à época, que o crime contra quatro adolescentes, ocorrido na noite de 27 de maio de 2015, foi “cruel e muito bárbaro”. Os cinco criminosos, dos quais quatro eram menores, após violentarem as meninas, cortaram os pulsos das vítimas, furaram os mamilos e os olhos e as arremessaram de um morro de 10 metros de altura. Atendida no Hospital de Urgência de Teresina (HUT), uma das adolescentes morreu 10 dias depois. As outras sobreviveram. O caso ocorreu dois meses após a sanção da Lei do Feminicídio. Mas o delegado não o classificou  como tal. Só foi entendido assim ap ós Anadine Gasman, representante da ONU Mulheres no Brasil, publicar nota afirmando que o crime deveria ser enquadrado na nova legislação. Ao classificar crimes de feminicídio, bem como ao implantar medidas para conter tal violência, o estado do Piauí avançou. Margarete Coelho (PP), vice‑governadora, afirma que, agora, “aquela lesão corporal grave contra a mulher não será mais considerada crime comum, e sim tentativa de crime hediondo, de feminicídio”. A ex‑secretária da Mulher do Distrito Federal e professora da Universidade de Brasília (UnB) Olgamir Amância avalia que essa atitude servirá de exemplo para outros juízes. “A lei diz que a vítima pode e deve ir até uma delegacia para denunciar. Ela vai lá. Mas, do outro lado, na delegacia, muitas vezes, ela se depara com um agente público contaminado pela cultura machista. Assim, o atendimento, muitas vezes, não responde ao que a lei preconiza”, sublinha.

Divulgação
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“A lei diz que a vítima pode
e deve ir até uma delegacia
para denunciar. Ela vai
lá. Mas, do outro lado, na
delegacia, muitas vezes, ela
se depara com um agente
público contaminado pela
cultura machista. Assim,
o atendimento, muitas
vezes, não responde ao
que a lei preconiza”

Olgamir Amância, ex‑secretária da Mulher
do Distrito Federal e professora da UnB

 

 

 

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“Em meados do século XX e
até cerca de 40 anos atrás,
a sociedade e os códices
perdoavam o assassino
da própria esposa se ela
o houvesse traído, porque
entendiam que o ato
violento de lavar a honra
justificava o crime”

Maria da Graça Sousa, advogada

 

 

 

GRANDE PASSO Para Leila Posenato Garcia, todos os equipamentos e leis existentes no Brasil constituem um grande passo para resolver a violência de gênero. Contudo, nenhum instrumento de combate a esse tipo de violência será eficiente e eficaz enquanto existir o tratamento desigual em todas as fases da vida da mulher, em todas as áreas, nos âmbitos social, familiar, trabalho, empresas privadas, setor público. “Na política, essa desigualdade é muito evidente porque nós, mulheres, somos a maioria da população e temos uma representação política em torno de 10%”, lamenta. O Brasil é o 16º país da América Latina a sancionar a Lei do Feminicídio.

“Quando se comparam os indicadores de desigualdade de gênero, ficamos muito atrás no ranking de igualdade e um dos aspectos que mais pesam nesse indicador são a representação política e a diferença salarial”, afirma Leila Posenato. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou, recentemente, que, entre pessoas empregadas e com trabalhos semelhantes, a mulher recebe em média 80% do valor recebido pelo homem. O Brasil precisa de políticas públicas em todas as fases do ciclo de desigualdade de gênero, que está atrelado ao ciclo de violência.

“Em outros países houve indução do Estado. As mulheres lutaram e tiveram o respaldo do poder público.
Isso requer vontade política e investimento em atividades de redução das desigualdades de gênero”, avalia a técnica do Ipea. Olgamir Amância, da UnB, acredita que não se pode falar em enfrentar a violência contra a mulher sem estrutura, aparato policial, sem mecanismos de punição que coíbam essa ação violenta. “Mas isso não basta. Precisamos de mais políticas públicas, precisamos de uma educação que se dá no ambiente da escola, mas também em outros espaços, mais ampla e de desconstrução desses valores da cultura patriarcal”.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) diz
que 35% das mulheres do mundo sofreram
agressão física e/ou sexual cometida por
parceiro íntimo ou por não parceiro. Ou seja,
uma a cada três mulheres no mundo sofreu
de agressão verbal e outras formas de abuso
emocional, passando pela violência física ou
sexual, com expressão máxima no feminicídio

 

Maria da Graça Sousa, advogada de mulheres vítimas de violência doméstica e militante da causa feminista no Distrito Federal, diz que, “até os anos 1960, a lei culpabilizava a mulher”. Ela lembra que, em meados do século XX e até cerca de 40 anos atrás, a sociedade e os códices perdoavam o assassino da própria esposa se ela o houvesse traído porque entendiam que o ato violento de lavar a honra justificava o crime. O psicólogo Carlos Frederico de Macedo Coelho, por sua vez, acha que não há como enfrentar esse problema social sem a educação e sem o combate à desigualdade de gênero. Ele atua na Casa da Mulher Brasileira, administrada pelo Governo do Distrito Federal (GDF) e apoiada pelo governo federal.

No DF, os serviços de enfrentamento à violência contra a mulher são desenvolvidos nos Centros de Atendimento à Mulher; nos Núcleos de Atendimento à Família e Autores de Violência Doméstica (NAFAVD); na Casa Abrigo; na Casa da Mulher Brasileira; na Delegacia de Atendimento à Mulher; e no setor de assistência social para um atendimento mais genérico, como os Centros de Referência Especializada em Assistência Social (Creas).

“O trabalho nesses equipamentos visa ao fortalecimento da mulher, orientação para que ela busque algum tipo de ação do Estado para romper com o ciclo de violência doméstica. Na Casa da Mulher Brasileira e nos CEAM, a gente sugere os encaminhamentos adequados, mas sabe muito bem que há uma série de fatores socioeconômicos, psicodinâmicos e emocionais que, às vezes, dificultam o rompimento desse universo de violência”, ressalta Gina Vieira, professora da rede pública de ensino do Distrito Federal, autora do projeto Mulheres Inspiradoras, que combate crimes cibernéticos contra as mulheres, o qual conquistou o primeiro lugar no Prêmio Ibero- Americano de Educação em Direitos Humanos promovido pela Organização de Estados Ibero-Americanos (OEI).

O psicólogo Carlos Coelho aponta a falta de preparo dos agentes públicos também como uma falha do Estado. 

“Muitas vezes, a capacitação se restringe a uma palestra de uma tarde para falar sobre gênero ou sobre como lidar com a violência doméstica. E em uma tarde não se aprende nada. Falta investimento. Falta vontade política também”, completa. A reportagem de Desafios do Desenvolvimento procurou a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM) para obter mais informações sobre a estrutura e o preparo do Estado no combate à violência contra a mulher, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.

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Uma iniciativa da professora Gina Vieira, do Distrito Federal, comprova que a desigualdade e a violência de gênero podem ser combatidas na escola. Trata‑se do Projeto Mulheres Inspiradoras, criado por ela. É um dos vencedores do Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos, em 2014, e primeiro lugar no Prêmio Ibero‑Americano de Educação em Direitos Humanos. Foi aplicado com 150 estudantes de uma escola pública de Ceilândia.
“A ideia do projeto começou quando observei, pelas redes sociais, que as estudantes tendiam a reproduzir o referencial de mulher objeto sexual, o mais celebrado pelas grandes mídias”. De acordo com a professora, muitas delas, para sentirem-se valorizadas, percebidas e aceitas, copiavam esses modelos. “Era comum postarem fotos e vídeos com comportamentos erotizados e incompatíveis com a idade delas”, declara Gina Vieira.
O Mulheres Inspiradoras ofereceu outros referenciais. O trabalho de classe fez com que os estudantes lessem seis obras de autoria feminina. Eles também conheceram histórias de mulheres da própria comunidade com atuação expressiva em favor da coletividade e, por fim, foram orientados a escolher a mulher inspiradora da vida de cada um. A maioria escolheu a mãe, a avó ou a bisavó. Após entrevistá‑las, escreveram textos, nos quais contaram a história de vida dessas mulheres e narraram o que as torna inspiradoras.
“Na maior parte das histórias, identificamos as marcas do machismo, como casos de mulheres vítimas de violência doméstica, do trabalho infantil, expulsas de casa por terem engravidado, situações em que os homens as abandonaram para não assumir a paternidade. Em todos os episódios, as mulheres mostraram uma enorme capacidade de resiliência e de superação. Tornaram‑se os sustentáculos de suas famílias e contribuíram decisivamente para a manutenção delas”, conta. Os meninos também se sensibilizaram com os resultados.
Os textos foram transformados em livro, com o mesmo nome do projeto. Muitas mães e avós confessaram que, até a ocasião da entrevista, ainda não tinham se dado conta de que poderiam ser uma “mulher inspiradora”.

 

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“Na maior parte das histórias,
identificamos as marcas do
machismo, como casos de mulheres
vítimas de violência doméstica,
do trabalho infantil, expulsas
de casa por terem engravidado,
situações em que os homens as
abandonaram para não assumir
a paternidade. Em todos os
episódios, as mulheres mostraram
uma enorme capacidade de
resiliência e de superação”

Gina Vieira, professora

 

 
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