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A urgência de uma política nacional para o saneamento

2004. Ano 1 . Edição 3 - 1/10/2004

"Seja qual for a configuração administrativa escolhida, o que importa são os instrumentos regulatórios que irão garantir os benefícios dos monopólios e, ao mesmo tempo, reduzir os seus riscos"

Ronaldo Seroa da Mota

A evolução da cobertura dos serviços de saneamento no Brasil foi significativa estendendo-se a mais de 30 milhões de domicílios, e o de coleta de esgoto a quase 20 milhões de famílias. Nosso índice de cobertura de água é maior que o de muitos países latino-americanos e até de alguns países desenvolvidos. Esses avanços perderam, contudo, aceleração nos últimos 10 anos. Ademais, somos ainda altamente incipientes com o tratamento de esgoto e há muito a ser feito na área rural.

As estimativas das necessidades de investimentos em saneamento para atingir metas razoáveis de cobertura de serviço nos próximos 20 anos são de uma taxa de inversão anual da ordem de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no período. A perda de dinamismo deve-se em grande parte às rígidas restrições fiscais dos últimos anos, quando escassearam os recursos públicos. Entretanto, o setor já vinha demonstrando perda de capacidade de financiamento desde a década de 1980, quando as empresas públicas estaduais não conseguiram adaptar suas formas de gestão à deterioração da sua capacidade financeira por conta dos processos inflacionários.

Nos anos seguintes ao Plano Real, as empresas tentaram retomar sua capacidade e o realismo tarifário, mas fracassaram ao manter suas desgastadas e viciadas práticas de gestão. Além disso, a falta de um marco regulatório não incentivou a busca de eficiência. Paralelamente, o setor privado também não encontrava sinais regulatórios claros e estáveis para expandir-se, e sua participação hoje não ultrapassa 4% da cobertura total do país, estando toda concentrada nas concessões municipais.

A montagem de um novo marco regulatório é crucial para o desenvolvimento do setor, mas tal iniciativa é paralisada pela disputa sobre quem ficará com o poder concedente desses serviços, se estados ou municípios. A Constituição Federal de 1988 diz que os serviços de interesse local são de competência dos municípios, e alguns entendem que os serviços de saneamento estariam aí incluídos, até porque historicamente eles têm sido municipais. Mas a Constituição também diz que os estados devem garantir o saneamento, atribuindo-lhes ainda a competência para legislar em áreas metropolitanas criadas por lei estadual. Logo, alguns entendem que nas áreas metropolitanas a Constituição cassa o poder de concessão municipal, em particular nos serviços de saneamento.

Esse imbróglio constitucional encontra dificuldades de solução porque após 30 anos de dominância estadual na operação dos serviços, inverteu-se a lógica da concessão colocando-se o sistema operador acima do poder concedente.

As operadoras estaduais, criaram, assim, os municípios superavitários e os municípios deficitários. Os primeiros são, a critério da operadora, os que podem pagar uma tarifa acima dos custos. O excesso de receita é então transferido como subsídio cruzado para os municípios deficitários, que são considerados pela operadora como aqueles que não podem pagar uma tarifa que cubra seus custos.

Devolver para os municípios a decisão sobre investimentos e tarifação, que hoje estão na esfera operacional dos estados, poderia colocar em xeque o sistema vigente. Como os municípios superavitários são geralmente os maiores das áreas metropolitanas, a manutenção do poder concedente estadual nestas regiões é considerada fundamental para garantir o sistema de subsídios cruzados e evitar o colapso dos serviços de saneamento no país.

Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) indicam que 80% da população servida é atendida por operadoras estaduais. Outros 16% por operadoras locais públicas e os 4% restantes por operadoras locais privadas. As perdas na distribuição de água nas operadoras estaduais são o dobro do que as verificadas nas locais, enquanto o salário médio é quase três vezes maior.

Do ponto de vista financeiro, que determinaria a capacidade de expansão dos investimentos, a situação é mais crítica. As operadoras estaduais, com altas taxas de inadimplência, arrecadam sistematicamente menos do que gastam. As locais públicas, embora com menor inadimplência, conseguem uma arrecadação líquida positiva somente às custas de cargas tributárias muito baixas, incidentes sobre autarquias, e com encargos dos financiamentos custeados junto aos Tesouros municipais.

Somente as empresas privadas, que não contam com qualquer proteção governamental ou isenção fiscal, conseguem manter uma arrecadação acima dos custos. Tais indicadores evidenciam que a gestão local dos serviços tem se mostrado mais barata. Logo, uma municipalização da operação dos serviços é viável. Se a dependência dos cofres municipais quiser ser evitada ainda existe a opção da gestão privada. Mais importante ainda: nem todos os municípios hoje deficitários vão necessariamente continuar assim quando saírem da esfera da operação estadual. Uma melhora significativa de eficiência pode reduzir custos de tal forma que estes municípios se tornem superavitários.

O setor de saneamento, em particular na distribuição de água e coleta de esgoto, caracteriza-se por investimentos indivisíveis de larga escala e de longa maturação. Para capturar estas economias de produção e reduzir o risco dos investimentos, o setor garante a presença de monopólios naturais na operação de seus serviços atuando num dado território. Estes ganhos de escala dependem de características hidrológicas, topográficas e de adensamento urbano de cada região - e nada garante que se esgotem ou ultrapassem os limites geográficos dos estados ou dos municípios ou mesmo de uma região metropolitana.

A existência de monopólios, por sua vez, significa um mercado sem os estímulos da concorrência e, portanto, sem incentivos a práticas eficientes de gestão, à expansão do produto e à redução das tarifas. Dessa forma, tal mercado exige um marco regulatório que crie mecanismos que indiretamente gerem estes incentivos, através de uma política tarifária que considere não só o equilíbrio econômico-financeiro das operadoras mas também inclua penalizações e prêmios para aumentos de produtividade e sua repartição com os usuários.

A necessidade de um marco regulatório não é só para proteger o usuário do serviço de concessão. Regulação assegura também a estabilidade das regras de operação de mercado para os concessionários. Essa estabilidade significa uma governança regulatória com autonomia e sem ingerência política ou corporativa que faça valer tanto as obrigações como os direitos dos operadores dos serviços concedidos.

Uma regulação que vise o bem-estar da sociedade não deveria distinguir prestação direta ou indireta, pública ou privada. Deveria sim garantir o respeito aos contratos e o uso adequado dos incentivos à eficiência (inclusive os de escala ótima), à expansão dos serviços (inclusive as metas) e à modicidade tarifária (inclusive as formas de subsídios), seja lá qual for a forma de prestação dos serviços.

As questões relevantes na construção dos instrumentos regulatórios já são bem conhecidas (autonomia das agências reguladoras, mecanismos de revisão de preços, fator de produtividade, componentes de custos exógenos, regras de acesso) mas requerem um processo de adequação a cada caso. Muitas delas já estão contempladas tanto no projeto de regulação do governo anterior como no projeto que o governo atual discute. Portanto, não deveríamos perder o foco do debate com a controvérsia do poder concedente. Devemos nos concentrar no desenho de um quadro regulatório crível e indutor de estabilidade e eficiência.

O atual domínio das operadoras estaduais e sua capacidade discricionária de atuação talvez tenha deixado para alguns defensores da municipalização a impressão equivocada de que tudo se resolverá uma vez que se assegure a concessão aos municípios. Mas é bom ressaltar que monopólios municipais, sejam de operadoras públicas ou privadas, impõem os mesmos desafios de eficiência. Logo tanto faz onde estará o poder concedente. Seja qual for a configuração administrativa escolhida, o que importa são os instrumentos regulatórios que irão garantir os benefícios dos monopólios e, ao mesmo tempo, reduzir os seus riscos.

É preciso que os atores políticos façam um esforço para compreender que o novo marco regulatório não é para manter as discricionaridades atuais dos governadores, nem para transferi-las para os prefeitos. O que evitará a repetição no futuro das distorções de que hoje reclamamos não será em que instância o poder regulatório residirá, mas sim como funcionará.

A regulação do saneamento no Brasil exigirá do Executivo e do Congresso Nacional uma solução política que terá de ser segura, rápida e transparente. Esse é um dever para com uma grande parte da população brasileira que vive sem as condições sanitárias mínimas para a dignidade humana.


Ronaldo Seroa da Mota é coordenador de Estudos de Regulação do Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea)

 
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