2004. Ano 1 . Edição 4 - 1/11/2004
"Para transitar para o crescimento sustentado é necessário substituir as exportações líquidas pelo investimento e pelo consumo domésticos, como fontes de dinamismo"
Ricardo Carneiro
Um olhar sobre a evolução do investimento na última década revela aspectos peculiares na sua dinâmica. Para além do seu baixo patamar, evidencia-se a sua instabilidade. O padrão revelado é o de ciclos de expansão com duração e variação cada vez menores, caracterizando-se assim a insustentabilidade. Por isso, a recente recuperação da economia brasileira tem ensejado um debate sobre a perenidade da retomada, cujo requerimento seria a ampliação, em bases duradouras, do patamar de investimentos. Para examinar essa possibilidade cabe considerar os traços dessa recuperação e o papel da política macroeconômica.
Nos determinantes do crescimento, sobressai-se a centralidade das exportações líquidas, resultante do seu crescimento após 2002 a taxas em torno de 25% ao ano, e da contração das importações. A partir desse impulso engendrou-se, em 2004, a ampliação do investimento e do consumo das famílias. O curioso não é o fato das exportações líquidas terem implicado a elevação do gasto interno, mas o seu retardamento ante um impulso de tal magnitude. Em boa medida isso resultou da política macroeconômica contracionista do período 2002/2004.
Há consenso sobre a necessidade de se ampliar o investimento para dar sustentação à incipiente retomada. Menos ênfase é dada a outro fator de grande relevância: o aumento do consumo das famílias. Um e outro expressam a importância do mercado interno cujo papel sobressai-se numa economia continental como a brasileira. Assim, para transitar para o crescimento sustentado é necessário substituir as exportações pelo investimento e pelo consumo domésticos, como fontes de dinamismo. Os obstáculos ao aumento do investimento decorrem da incerteza sobre a trajetória da economia associada a fatores estruturais (vulnerabilidade externa e dívida pública) amplificados pelo manejo da política macroeconômica. Num quadro de instabilidade estrutural, a política macroeconômica, ao privilegiar a obtenção de taxas de inflação muito baixas e a redução da dívida pública, minimiza elementos de incerteza, mas recria-os noutro plano.
A volatilidade da taxa de câmbio introduz uma série de inseguranças na decisão de investimento. Para o conjunto das atividades exportadoras ela significa uma ampliação na imprevisibilidade das receitas. Nos segmentos que possuem alta competitividade, como o agronegócio, isso não representa maior dificuldade. Para a exportação de manufaturados, em que a competição é mais acirrada, implica em maior risco e cautela na decisão de investir. No caso do investimento direto estrangeiro, as flutuações afetam, em simultâneo, as receitas e o valor do investimento, tornando-o ainda mais arriscado.
Taxas de juros elevadas são um poderoso desestímulo à ampliação do investimento. O aspecto principal a destacar é a noção de custo de oportunidade. No caso brasileiro oferece-se taxas de juros elevadas em títulos de alta liquidez e baixo risco que constituem uma alternativa ao investimento produtivo. Ademais, os juros altos encarecem o crédito e reduzem os impactos das antecipações de gasto sobre a demanda.
Outro aspecto da política macroeconômica diz respeito à tentativa de reduzir a dívida pública através da obtenção de elevados saldos primários e da eliminação do déficit operacional. Além do caráter contracionista dessa política, cabe assinalar o crescente sacrifício do investimento público, visível na deterioração da infra-estrutura, cuja ampliação constitui um dos principais requisitos para a assegurar o crescimento sustentado. Dada a natureza do setor, dificilmente a ampliação dos investimentos será realizada sem uma decisiva participação pública, o que é contraditório com a atual magnitude do saldo primário.
Ricardo Carneiro é professor do Instituto de Economia e Diretor do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da UNICAMP
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