2004. Ano 1 . Edição 5 - 1/12/2004
"Nos últimos 50 anos um bom número de países foi capaz de sair da pobreza, e outros estão em vias de fazê-lo. A Agenda de Desenvolvimento de Barcelona indica que não existe um modelo único para todos"
Paulo Mansur Levy
Um grupo de renomados economistas, de perfil diversificado, reuniu-se em setembro no contexto do Fórum Universal das Culturas, em Barcelona, para refletir sobre os desafios econômicos dos países em desenvolvimento. Entre os participantes estavam o Prêmio Nobel Joseph Stiglitz, e os economistas Paul Krugman e Jeffrey Sachs. Desse encontro resultou um manifesto, a Agenda de Desenvolvimento de Barcelona, que procura traduzir pontos de convergência e apresentar alternativas a uma visão ortodoxa do receituário de política econômica normalmente associado ao Consenso de Washington.
O documento reconhece avanços na disseminação da democracia e no cumprimento dos direitos humanos nos países em desenvolvimento, destaca que o forte crescimento de países populosos, como China e Índia, tem o potencial de retirar um número expressivo de pessoas da miséria, e enfatiza a importância da estabilidade macroeconômica - em particular, a redução da inflação na América Latina - para o crescimento sustentado. Por outro lado, aponta para o crescimento medíocre e para a vulnerabilidade de alguns países às crises financeiras internacionais. Por fim, destaca a manutenção da desigualdade ou a piora na distribuição da renda em países em desenvolvimento.
A avaliação é de que há razoável convergência quanto aos princípios que orientam estratégias bem-sucedidas de desenvolvimento: o respeito à lei e aos direitos de propriedade, o funcionamento livre do mercado - sem abrir mão da intervenção do Estado - e a necessidade de atenção especial à distribuição de renda. Além disso, enfatiza a necessidade da criação instituições que traduzam esses princípios em realidade.
A percepção da importância do arcabouço institucional na construção das bases do crescimento sustentado aumentou nos últimos anos. As reformas institucionais passaram a compor o que se convencionou chamar de "a segunda rodada de reformas do Consenso de Washington" - e, não por acaso, John Williamson, um dos articuladores do Consenso de Washington, assina também a Agenda de Barcelona. Num ponto o manifesto de Barcelona avança em relação ao Consenso de Washington: reconhece que a natureza das instituições depende de fatores históricos e culturais específicos a cada país.
Não há, segundo o documento, um modelo único de política econômica para garantir o crescimento sustentado. Políticas microeconômicas devem ter por objetivo corrigir falhas de mercado. Níveis elevados de endividamento, sistemas bancários pouco ou mal regulados e políticas monetárias frouxas são vistos como obstáculos sérios ao desenvolvimento. Eles implicam que as políticas financeira, monetária e fiscal devam ser prudentes - o que não exclui a possibilidade de se praticar políticas anticíclicas. Estas, por seu turno, demandam instituições adequadas, bem como o apoio dos organismos financeiros internacionais, com critérios de avaliação flexibilizados para permitir, por exemplo, que os investimentos em infra-estrutura e em P&D sejam contabilizados como aquisição de ativos e não como gasto corrente.
No plano internacional, a ênfase recai sobre a necessidade de se incorporar o objetivo do desenvolvimento econômico às negociações multilaterais, destacando-se o combate ao protecionismo agrícola e têxtil. Defende-se também a necessidade de avançar na reforma da arquitetura financeira internacional para reduzir a volatilidade excessiva dos fluxos de capital. Por fim, sugere-se um tratamento mais simétrico aos fluxos de capital e de trabalho, como forma de ampliar o papel das remessas de emigrantes como fonte adicional de financiamento.
Nos últimos 50 anos um bom número de países foi capaz de sair da pobreza, e outros estão em vias de fazê-lo. São as lições desses países que se procurou traduzir na Agenda resumida acima. A principal delas é que não parece haver um modelo único, mas princípios pétreos a serem aplicados à realidade de cada país.
Paulo Mansur Levy é Diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea
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