2005. Ano 2 . Edição 9 - 1/4/2005
"Mesmo que os avanços quantitativos, queda da taxa de desemprego e aumento da ocupação total, não sejam expressivos em 2005 quanto foram em 2004, os ganhos qualitativos com a redução do emprego precário e o aumento da renda média quase que certamente acontecerão"
Lauro Ramos
"Oxalá possamos, por muito tempo, olhar para trás e afirmar: 2003 foi o pior ano para o mercado de trabalho na história estatisticamente documentada da economia brasileira!"
A frase acima, dita por um trabalhador anônimo numa conversa de bar, expressa um misto de esperança e confiança, e reflete bem o grau de debilidade a que chegou, de forma paulatina, o mercado laboral em tempos recentes. De fato, após a fase áurea do período imediatamente pós-Real, uma série de adversidades nos planos doméstico e externo, aliadas aos ditames da nova ordem econômica internacional que acarretaram mudanças estruturais na esfera produtiva, o mercado de trabalho entrou numa trajetória de estagnação ou declínio (com a exceção digna de nota do ano 2000). Que a saúde do paciente não ia bem era fato notório. Não obstante, mesmo em meio a uma aguda recessão econômica, causou alguma comoção a falência quase generalizada de 2003, com desemprego recorde, mesmo considerando o ruído causado pela mudança metodológica em sua mensuração, e com a queda brutal nos rendimentos reais.
Em meio a esse quadro desalentador, o enigma ficou por conta do nível de ocupação: que cresceu 4,7% dentro uma economia com crescimento virtualmente nulo! Assim como a natureza não dá saltos, na economia não existe mágica. Um exame mais minucioso nos dados da (nova) Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revela que a variação absoluta do nível de ocupação no segundo semestre de 2003 comparada a 2002 é, para efeitos práticos, igual à variação absoluta do subemprego por sub-remuneração (inferior ao salário mínimo/hora): 730,2 mil ante 725,1 mil. Ou seja, em vez de crescimento da ocupação, o que aconteceu foi um inchaço, ao melhor estilo "pastel de vento".
Parece razoável especular que o crescimento do subemprego deveu-se ao fato de que a queda da renda familiar restringiu o atendimento das necessidades básicas de consumo das famílias. Com os provedores perdendo o emprego ou renda real, fez-se necessário o deslocamento de membros "secundários" das famílias de suas ocupações tradicionais - escola, afazeres domésticos, lazer... - para atividades de mercado, de modo a recompor, mesmo que de forma minguante, o orçamento familiar. Esses trabalhadores, por falta de experiência, tradição e opção acabam aceitando postos de trabalho sub-remunerados.
Com a retomada da atividade econômica e o aquecimento do mercado de trabalho, esse processo tende a chegar ao fim. A comparação do nível médio da ocupação no segundo semestre de 2004 com o mesmo período de 2003, na nova PME, respalda essa tese: a variação na ocupação total foi de 733,7 mil empregos, enquanto o crescimento do subemprego ficou em 506,3 mil. Pode não ser ainda um resultado brilhante, mas aponta o início de uma reversão do processo, que parece também ser confirmada pela expressiva geração de empregos formais captada pelo Ministério do Trabalho. Se o movimento se confirmar ao longo de 2005, o que parece perfeitamente plausível, haverá um efeito-composição que elevará a renda média.
Assim, mesmo na eventualidade de que os avanços quantitativos - queda da taxa de desemprego e aumento da ocupação total, entre outros - não sejam tão expressivos em 2005 quanto foram em 2004, os ganhos qualitativos com a redução do emprego precário e o aumento da renda média quase que certamente acontecerão. É mesmo possível imaginar um crescimento bastante significativo da massa real de salários, o que ajudaria a impulsionar fortemente o consumo das famílias. Seu crescimento pode, nesse cenário, vir a ser o fator "surpresa" a sustentar um expansão da economia acima do previsto.
Caso os ventos realmente soprem a favor, haverá uma formidável oportunidade para enfunar as velas das reformas - sindical, trabalhista e da Justiça do Trabalho -, tão necessárias para dotar o mercado de maior flexibilidade e capacidade de acomodação aos choques econômicos, de modo a tornar verossímil a frase do início do artigo.
Lauro Ramos é coordenador de Estudos de Mercado de Trabalho do Ipea
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