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Patrimônio - Cultura protegida

2004. Ano 1 . Edição 3 - 1/10/2004

O Brasil começa a cuidar de seu patrimônio imaterial antes mesmo que a convenção da Unesco sobre o tema entre em vigor
 

Por Maysa Provedello, de Brasília

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Dona Marinita, de 80 anos, mora em Marechal Deodoro, Alagoas, cidadezinha com pouco mais de 35 mil habitantes. Seu dia-a-dia seria dos mais comuns para os parâmetros de senhoras de sua faixa etária moradoras de pequenas localidades, não fosse um precioso detalhe: uma delicada renda conhecida como singeleza. Dona Marinita é a última pessoa viva capaz de fazer tal trabalho manual. Para garantir que não apenas duas, mas várias mãos saibam perpetuar um ofício tão delicado e tradicional, está sendo montada uma verdadeira força-tarefa na cidade, da qual fazem parte 20 mulheres, além da agora famosa artesã. Dona Marinita ministra um curso de três meses, com aulas duas vezes por semana, para repassar seus conhecimentos a outras rendeiras do município.

A renda singeleza é apenas uma das várias tradições culturais brasileiras em fase de catalogação e, em alguns casos, tombamento. Há algum tempo se fala de proteger bens culturais como conjuntos arquitetônicos, monumentos e obras de arte dos efeitos do tempo e da modernidade, para que as gerações futuras possam ter acesso a eles - e por conseguinte à história. Porém, a partir dos anos 90, intensificou-se a idéia de conservação de um outro tipo de ativo cultural, composto pelas tradições e conhecimentos populares, denominado patrimônio imaterial. São manifestações que passam de geração para geração de forma oral, ou pela experiência, como o artesanato, a culinária, as músicas, as festas, as crenças, entre outros itens folclóricos.

Proteção Esporadicamente discutido desde a década de 1930, o tema ganhou força a partir dos anos 80 e principalmente na década de 1990. Foi aí que começaram a ser definidos os primeiros parâmetros a serem utilizados na identificação das manifestações sociais que deveriam ser catalogadas e das que deveriam ser tombadas, ou seja, ganhar um nível maior de proteção. Boa parte do processo de debate foi coordenada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, em inglês), que consolidou os principais argumentos e critérios na Convenção para Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, de 2003. Ela entrará em vigor somente após a adesão de 30 países, o que ainda levará algum tempo.

No Brasil, o Congresso Nacional receberá até o final do ano um projeto de lei que, após tramitação, viabilizará a ratificação do documento. Os países signatários das convenções comprometem-se proteger as tradições populares por meio de catalogação, ou registro das mesmas, além do tombamento a ser aplicado em algumas delas.

"No passado, a preservação da cultura imaterial era obra do destino e, agora, é uma escolha", afirma Maria Cecília Londres, antropóloga e socióloga do Rio de Janeiro e uma das mais conhecidas especialistas no assunto em todo o mundo. Para ela, o fato de várias nações estarem preocupadas em proteger um item tão subjetivo como o patrimônio imaterial, demonstra um amadurecimento na compreensão de como as referências culturais são cruciais para a construção das identidades nacionais. Cláudia Márcia Ferreira, diretora do Centro Nacional de Folclore, com sede no Rio de Janeiro, lembra que num país tão grande quanto o Brasil, essa tarefa deve ser permeada pela aceitação das diversidades, uma vez que incontáveis formas de expressão compõem o nosso cardápio cultural.

A edição 2004 do Relatório do Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) chama a atenção para a valorização e o fortalecimento das culturas locais como forma de combater os problemas criados pela globalização e a hegemonia das formas artísticas e de expressão dos países mais desenvolvidos sobre aqueles mais vulneráveis. Ao jogar luz sobre as tradições populares de forma positiva, com a intenção de estimular sua perpetuação, e procurar maneiras de sustentá-las, as nações passam a ampliar as possibilidades de garantia de que seus cidadãos tenham liberdade de escolha. Preservadas, as expressões locais têm condições de competir de igual para igual com as formas externas. E é preciso considerar que a liberdade de escolha e a variedade de opções são itens diretamente ligados ao conceito de Desenvolvimento Humano.

No Brasil, as primeiras preocupações com o assunto surgiram na década de 1930, na época da criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan). Em 1936 o escritor Mário de Andrade entregou um documento ao então ministro da Cultura, Gustavo Capanema, chamando a atenção para a necessidade de compreensão do patrimônio cultural de uma nação como um universo bem maior do que aquele compreendido por monumentos e obras de arte. Desde então foram mobilizados mais e mais interessados no assunto e, no ano de 2000, o decreto presidencial 3551 passou a reger a identificação e a proteção do patrimônio imaterial nacional. O decreto detalha os procedimentos de identificação, o registro e, em alguns casos, da elaboração de um plano de salvaguarda, ou proteção, de algumas manifestações culturais em risco de extinção.

Samba O Brasil está relativamente avançado nesse particular. Enquanto a Convenção não entra em vigor no mundo, a Unesco criou em 2001 um título internacional concedido a espaços e manifestações da cultura tradicional popular, a proclamação das Obras-Primas do Patrimônio Oral e Intangível da Humanidade. Foram feitas duas titulações desde então e o Brasil é representado pela arte Kusiwa, estilo de desenhos corporais dos índios Wajãpi. Em 2005 a instituição escolherá novas referências e o samba será o candidato brasileiro.

Atualmente existem duas formas culturais distintas já registradas como ativos da cultura imaterial do Brasil pelo Iphan: os padrões de pintura corporal dos índios Wajãpi, do Amapá, e o ofício das mulheres Paneleiras da região de Goiabeiras, bairro de Vitória, no Espírito Santo. Até o final do ano, outros sete itens serão incorporados ao conjunto ainda em formação do patrimônio imaterial nacional. No campo da música, estão o samba de roda do Recôncavo Baiano, o Jongo, do Rio de Janeiro, e a Viola de Coxo, utilizada principalmente pelos tocadores do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Na culinária, o queijo artesanal de Minas Gerais e o acarajé, da Bahia. Por fim, há a obra do poeta cearense Patativa do Assaré. Outros 28 inventários de manifestações culturais estão sendo realizados no país.

Registro O trabalho liderado atualmente pelo Iphan no campo do patrimônio imaterial consiste na identificação e sistematização de informações das referências culturais a serem protegidas e registradas. Quando a referência é considerada de fundamental relevância para o universo sócio-cultural brasileiro, é levada ao Conselho Consultivo do Patrimônio Imaterial e, se for aprovada, ganha então um registro em um livro do Iphan, onde são descritas suas principais características históricas e técnicas, o que corresponde ao tombamento. Faz parte também do registro um kit formado por uma extensa documentação composta, sempre que possível, por vídeos, fotografias, textos, ilustrações, estudos históricos, sociológicos e etnográficos, além de objetos. Ele ficará guardado no Iphan como uma memória viva da referência cultural. "A cultura é dinâmica e a riqueza é guardarmos essas manifestações para que no futuro possamos conhecer como eram realizadas, caso sofram mudanças", diz Márcia Sant´Anna, diretora do Departamento de Patrimônio Imaterial do Iphan.

O registro é válido por 10 anos e pode ser renovado, após um exame das condições do bem cultural. O Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, um dos braços operacionais do Iphan, é um dos principais executores de inventários de bens imateriais, mas existem outras organizações da sociedade civil realizando trabalhos de reconhecimento desse patrimônio, com apoio do setor privado ou dos governos estaduais e municipais. No caso de se diagnosticar o risco de desaparecimento de um bem cultural, o Iphan pode traçar um plano de salvaguarda para garantir a continuidade daquilo que foi registrado, como é o caso da renda singeleza, que é objeto de uma operação de salvamento.

De todas as etapas do processo de inventário e registro de um bem imaterial, a mais delicada é o envolvimento da comunidade local. Sem ela não existe trabalho algum, uma vez que é a população a responsável por prover as informações necessárias para fazer a catalogação. Muitas vezes, esse conjunto de dados envolve tecnologia e conhecimentos específicos, transmitidos oralmente. "A comunidade é a melhor guardiã de seu patrimônio", costumava dizer o artista plástico Aluísio Magalhães, um dos mais importantes nomes relacionados à defesa das referências culturais e ao resgate da memória do Brasil, falecido em 1982. Em resumo, se a comunidade não abraçar a causa da identificação cultural de suas tradições e expressões, não há esforço que seja suficiente para garantir um trabalho bem-sucedido.

Benefícios Os benefícios do reconhecimento público do patrimônio imaterial são muitos. Ganha o país, que organiza melhor suas informações históricas e culturais e conhece melhor suas tradições. Mas, sobretudo, ganha a comunidade. Cecília Londres explica que quando essas ações são verdadeiramente interativas acabam operando uma "ressemantização" dos elementos, isto é, as pessoas passam a entender a realidade em que viviam há muito tempo de uma outra forma. Além disso existem benefícios diretos, como a continuidade e valorização das atividades e práticas das comunidades que, muitas vezes, geram renda para a região. As paneleiras do bairro Goiabeiras, de Vitória, exemplificam bem essa situação. Após receberem o reconhecimento pelo ofício de fazer panelas de barro, mudaram o modo de compreender aquela prática. Hoje, percebem que detêm um conhecimento especial. Seu trabalho corria risco porque o barro utilizado como matéria-prima estava acabando. Uma intervenção do Iphan e de organizações locais já encontrou uma nova fonte do mesmo barro para que as paneleiras possam continuar a produção. E para melhorar ainda mais as coisas a divulgação de que a técnica e os materiais utilizados por elas foram registrados como patrimônio nacional fez com que a procura pelas panelas aumentasse.

Risco Por ser um processo novo em todo o mundo, o reconhecimento do patrimônio imaterial ainda tem pontos a serem definidos. Entre eles, como garantir o acesso às informações sobre os ativos culturais sem colocá-los em risco de ser alvo de pirataria, por exemplo. Outro item polêmico diz respeito aos direitos autorais das obras populares. Por exemplo, um povo indígena deve receber direitos autorais quando uma de suas canções for veiculada fora das aldeias ou citada em alguma obra musical? Sant´Anna conta que existe uma idéia ainda embrionária de criação de um fundo, para o qual seriam destinados recursos obtidos com as utilizações dos bens culturais. "Tudo isso ainda é tema de muito debate, não se sabe, em nível mundial, como lidar com a questão". "Estamos muito longe de um consenso nesse campo", afirma Cecília Londres. Mas, sem dúvida, já se podem notar alguns avanços.

 
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