2005. Ano 2 . Edição 15 - 1/10/2005
Caminhamos para o esgotamento das reservas de petróleo, o que não ocorrerá amanhã, e sim no fim deste século, mas a demanda em excesso vai continuar pressionando os preços desse combustível
Ignacy Sachs
É possível que o ano 2005 passe para a história como o começo do fim da era do petróleo. Em 30 anos de pregação, os ambientalistas não conseguiram convencer a opinião pública e os políticos de que se devia encarar seriamente, sob pena de mudanças climáticas irreversíveis, a redução do consumo das energias fósseis. A mudança de atitude se deu agora com a brusca alta dos preços do petróleo, que na opinião da maioria dos especialistas não voltarão a baixar significativamente porque a descoberta de novas reservas não acompanha mais o ritmo da extração. Caminhamos para o esgotamento das reservas de petróleo. Isso não ocorrerá amanhã, e sim no fim deste século ou até mais tarde. Porém, a demanda em excesso vai continuar pressionando os preços, sem falar nas vicissitudes da potencialmente explosiva geopolítica do petróleo.
James Howard Kunstler, autor do best-seller A Longa Emergência, alerta que um século de energia fóssil superabundante, barata e versátil fez com que a humanidade passasse a viver acima do nível compatível com a capacidade de carga do planeta. Para ele, estamos enfrentando o futuro como sonâmbulos. O despertar será extremamente duro porque não existe nenhuma alternativa para substituir integralmente o petróleo. Yves Cochet, deputado do Partido Verde e antigo ministro de Meio Ambiente francês, também adverte que a transição será difícil e marcada por forte decréscimo do consumo de materiais e de energia. Para ele, os preços altos do petróleo trazem o fim do mundo, tal como o conhecíamos.
Significativamente, ambos os autores, que me parecem excessivamente pessimistas nas suas análises, subestimam o potencial dos biocombustíveis. Kunstler o descarta quase totalmente, baseando-se em dados equivocados sobre a eficiência energética de sua produção. Vista do Brasil, a atual crise de energia, longe de constituir uma catástrofe potencial, afigura-se como uma oportunidade extraordinária para liderar em escala mundial a transição da civilização do petróleo para uma civilização moderna baseada no uso de biomassa. Tanto mais que a quase auto-suficiência em petróleo protege o país contra o choque de seus preços no curto prazo e, no dia em que o país tiver sobras de petróleo, gera possibilidades de exportação.
Convém, no entanto, fazer três ressalvas: a produção de etanol e de biodiesel não esgota evidentemente o tema da política energética, na qual o aumento da eficiência deve ocupar, no Brasil, como no mundo inteiro, um lugar de destaque; a produção de agroenergia é apenas uma das vertentes do aproveitamento das biomassas, ao lado da produção de alimentos, ração animal, adubos verdes, materiais de construção, matérias-primas industriais, fármacos e cosméticos; por razões sociais, é imperativo que a expansão da agroenergia se faça por meio da consolidação e da ampliação da agricultura familiar, de maneira a maximizar as oportunidades de trabalho decente no meio rural.
Dito isso, o Brasil tem tudo para assumir uma posição de liderança na produção e na exportação de biocombustíveis, bem como de know-how e equipamentos necessários à sua produção: a maior biodiversidade do mundo, amplas reservas de solos cultiváveis, recursos hídricos invejáveis (exceto no polígono das secas), climas diversos e propícios à produtividade primária, pesquisa agronômica e biológica de classe internacional, 30 anos de experiências positivas e negativas com o Pró-Álcool, montadoras de automóveis que lançaram o motor biflexível e uma indústria de bens e equipamentos capaz de construir usinas e refinarias.
O país, no entanto, precisa acordar para essa oportunidade e agir rapidamente para não ser superado por outros competidores que dispõem de condições menos favoráveis, porém com maior poder de mobilização. Durante a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos lançaram o projeto Manhattan para construir a bomba atômica. É o caso de lançar um projeto Manhattan caboclo de agroenergia.
Ignacy Sachs é diretor do Centro de Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo na École de Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris, na França
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