2005. Ano 2 . Edição 16 - 1/11/2005
"A perspectiva de igualdade requer políticas públicas capazes de trazer para a economia real consumidores e trabalhadores que a esta não retornariam pela mão virtuosa do crescimento econômico"
Guilherme C. Delgado
Faz praticamente um quarto de século que no Brasil se debate a "retomada do desenvolvimento econômico", quase sempre bloqueada pelos "Ajustes" fiscais ou monetários de caráter contencioso. Por sua vez, o debate teórico e político do desenvolvimento fundado na igualdade é novo para nós, ainda que nos anos 50 e 60 a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), em outro contexto histórico, tenha posto a questão da distribuição dos frutos do progresso técnico e da renda social no centro da discussão do desenvolvimento.
Ao introduzir a tese da igualdade no debate do desenvolvimento, estamos fazendo o que a epistemologia chama de "mudança de paradigma teórico". Há uma "reproblematização" e reconceituação das idéias do desenvolvimento e da igualdade, contextualizadas no novo ambiente do século XXI.
No nível concreto da atualidade, o ponto de partida é uma situação de forte desigualdade social - de oportunidades, de capacidades ou de resultados -, acompanhada de desemprego estrutural de recursos produtivos, com mais da metade da população economicamente ativa (PEA) em condições de desemprego aberto ou precariamente incorporada à economia informal.
A situação que se busca atingir por meio do desenvolvimento fundado na igualdade altera simultaneamente as condições de desigualdade, de desemprego e de baixa produtividade no setor informal, e caracteriza-se pela geração de um Produto (renda) Potencial, com melhoria dos métodos produtivos, da ocupação de recursos ociosos e transferências de renda. A mudança requer forte intervenção de políticas públicas mediante a dotação de bens equalizadores providos pela esfera pública, eficazes na geração do incremento do Produto e da Produtividade.
A elevação do Produto Potencial não se confunde com a elevação do nível de produção - emprego e renda, impactados pelos vetores convencionais da demanda efetiva, como consumo, exportação, investimento, gastos públicos etc. - na mesma funcionalidade da teoria keynesiana de emprego. Isso porque a perspectiva de igualdade, no contexto situacional, requer outro "Approach" de dotações políticas da esfera pública, capazes de trazer para a economia real consumidores e trabalhadores que a esta não retornariam pela mão virtuosa do crescimento econômico dos mercados estruturados.
Nesse sentido, o Brasil se encontra no meio do caminho rumo ao desenvolvimento com eqüidade (dependendo da perspectiva, o observador pode enxergar também o inverso). A política social de Estado realiza importante avanço no âmbito das dotações equalizadoras que melhoram as condições de igualdade sob três aspectos: dos direitos sociais como habilitações, objetivamente capacitadoras à inclusão social; da política social como forma de redistribuição (limitada) da renda social; e do enfoque do gasto social público, ao redor de 21% do PIB, que tem papel indutor de demanda efetiva e sentido anticíclico na conjuntura de baixo crescimento. Essa política social afeta diretamente a renda social pela via das transferências diretas (previdência básica) e da renda imputada (saúde e educação).
Por outro lado, ao se falar no Produto Potencial - que eleva produção, emprego e renda da PEA não assalariada, alterando métodos produtivos e relações de trabalho -, não há como fazê-lo apenas por meio das políticas sociais ou pela via convencional dos mercados organizados. Tampouco é possível imaginar um sistema permanentemente transferidor de excedentes para viabilizar a subsistência de parte expressiva de sua força de trabalho que está na informalidade.
A tese do desenvolvimento com eixo na igualdade requer uma profunda reforma das políticas econômicas setoriais de fomento produtivo, comercial, tecnológico etc. Isso implica no incremento de seu produto e de sua produtividade. Ato contínuo, a política social fundada em direitos completaria seu ciclo de universalização de direitos básicos em mais uma ou duas décadas, sob o influxo da inserção produtiva da parte de sua força de trabalho, atualmente desocupada ou precariamente ocupada.
Guilherme C. Delgado é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
|