2006. Ano 3 . Edição 18 - 1/01/2006
"A solução do problema da pirataria é complexa. Sem dúvida, ela envolve a participação efetiva do Estado, mas isso não é tudo. Tem de haver uma solução de mercado que envolva a adequação da oferta à realidade e às novas tecnologias"
Bruno Araújo
O recente episódio envolvendo o presidente Lula e o filme 2 Filhos de Francisco reacendeu o debate acerca da pirataria. Independentemente do referido caso e da ameaça dos Estados Unidos de retirada do Brasil do Sistema Geral de Preferências (SGP) caso não fosse mais efetivo no combate à pirataria, o tema é da maior relevância por se enquadrar num contexto maior de reformas microeconômicas, com vistas a garantir a proteção de direitos de propriedade e estabilidade de regras, fundamentais para o crescimento de longo prazo de uma economia capitalista.
A pirataria é um tipo de atividade informal que consiste em copiar, reproduzir ou utilizar uma obra intelectual ou uma marca legalmente protegida sem a devida autorização de seus respectivos titulares. Especificamente no caso das obras intelectuais, a pirataria é um desincentivo à produção, porque seus autores e outros agentes têm sua remuneração prejudicada.
O Brasil ocupa a 9ª posição no ranking mundial do mercado pirata de CDs e DVDs, em termos relativos. Em termos absolutos, só na China são vendidos mais CDs e DVDs piratas do que no Brasil. Segundo estimativas da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2002-2003), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de cada 100 vezes que o brasileiro compra CDs ou DVDs, 48 vezes o faz na mão de ambulantes e particulares. Esses números não são nada honrosos para um país que é mundialmente reconhecido, entre outras coisas, pela música.
Do lado da demanda, os dados da POF mostram também que, em termos relativos, os eventos de compra de CDs e DVDs piratas estão negativamente correlacionados com a renda, ou seja, quanto menor a renda, maior a tendência para comprar produtos piratas. Existem três explicações possíveis: (i) as famílias mais abastadas apresentam maior nível educacional e isso pode influenciar sua consciência sobre propriedade intelectual; (ii) CDs e DVDs originais e piratas não são substitutos perfeitos, mas apenas os consumidores de maior poder aquisitivo podem pagar pelo produto original; (iii) disponibilidade de títulos. O terceiro argumento é o menos sustentável, uma vez que a pirataria vem se sofisticando cada vez mais, com o intuito de atingir não apenas (ainda que majoritariamente) o gosto popular.
Do lado da oferta, existem dois desafios: (i) adequar o modelo de negócio do meio físico aos novos desafios impostos pela pirataria; e (ii) comercializar o verdadeiro produto (obra artística) por meio das novas mídias. Em relação ao primeiro desafio, ainda que exista um interessante debate sobre o que consiste uma obra artística no mercado fonográfico (seria o álbum, apenas um conjunto de faixas, incluiria o material gráfico?), o fato é que o mercado brasileiro não dá opção ao consumidor a não ser de comprar o "disco cheio", quando na maioria das vezes ele só está interessado em uma ou duas faixas. Dado que fazer um CD com cinco faixas é mais barato que fazer um com 15, a popularização dos singles ou maxisingles reduziria o diferencial de preço entre o produto pirata e o original. Em relação ao segundo desafio, ele ficou evidente durante a polêmica envolvendo o Napster - precursor dos websites a disponibilizar músicas e vídeos. Apesar de seus vários sucessores gratuitos, hoje é consenso que mesmo os heavy users, isto é, usuários intensivos, estão dispostos a pagar uma módica quantia pelos downloads, desde que se ofereça segurança contra vírus, trojans. O sucesso do iPod, da Apple, é prova disso. Em outra frente, o mercado de toques para celulares (ringtones) no Brasil movimentou 250 milhões de reais em 2004. O fato é que as grandes gravadoras, apesar de iniciativas isoladas, ainda não entraram de fato no mercado digital de entretenimento.
É consenso que a solução desse problema é complexa. Sem dúvida, ela envolve a participação efetiva do Estado, tanto na forma de políticas de repressão à distribuição de produtos/arquivos piratas e ao contrabando das mídias quanto na forma de campanhas educativas. Mas isso não é tudo. Tem de haver uma solução de mercado, que envolva a adequação da oferta à realidade brasileira e às novas tecnologias.
Bruno Araújo é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
|