2006. Ano 3 . Edição 23 - 6/6/2006
Fernanda De Negri
Os eventuais impactos da apreciação da moeda brasileira na estrutura produtiva e no desempenho externo do país têm sido temas de intenso debate. O valor do dólar atingiu seu pico em outubro de 2002, às vésperas das eleições presidenciais, quando chegou a ser cotado a 3, 8 reais. A partir daí, se manteve próximo de 3 reais. Desde meados de 2004, o real vem apreciando consistentemente, chegando a patamares próximos àqueles observados durante o regime de câmbio fixo, nos anos 1990, em termos reais.
A questão é que, a despeito do movimento de apreciação cambial, registra-se aumento nas exportações. Há duas explicações usuais para o fenômeno. A primeira considera a pujança do comércio mundial. A segunda anota a elevação dos preços internacionais das commodities.
De fato, as exportações mundiais têm crescido a taxas substantivas nos últimos três anos, à média de 17% ao ano. Ocorre que as vendas externas brasileiras têm acelerado a um ritmo ainda maior. O market share do Brasil no mercado global saltou de 0, 93% em 2002 para 1, 14% em 2005. Portanto, não se pode atribuir todo o desempenho das exportações brasileiras ao crescimento do comércio internacional.
O segundo fator a manter as exportações brasileiras em ascensão seriam os preços das commodities. É verdade que o Brasil tem vendido mais desses produtos. O avanço chegou à taxa de 92% entre 2002 e 2005. Entretanto, se eles forem excluídos dos cálculos do total embarcado para o exterior, ainda assim se constatará que o engrandecimento das remessas brasileiras vem ocorrendo a passos mais largos do que a média do planeta. A participação dos produtos industriais nacionais no comércio mundial (excluídos aqueles mais parecidos com commodities, como aço e alguns alimentos) era de 0, 57% em 2002. Em 2005 passou a ser de 0, 7%.
Deve existir, então, outro fator que explique o desempenho comercial recente do país. Uma análise mais detalhada permite constatar que diferentes setores e empresas respondem de forma diferenciada aos mesmos estímulos macroeconômicos. Desagreguemos as exportações brasileiras segundo seu conteúdo tecnológico. De modo geral, houve desaceleração nas taxas de majoração entre 2004 e 2005. Entretanto, essa desaceleração foi mais significativa entre os bens de menor intensidade tecnológica - exceto as commodities, que, como já se viu, foram beneficiadas pela elevação dos preços no mercado global. Em 2005, as vendas de produtos de média e alta intensidade tecnológica para o exterior aumentaram, respectivamente, 31% e 28%, ao passo que o embarque de commodities marcou alta de 19%.
Por quê? Porque produtos com maior conteúdo tecnológico competem mais por inovação e diferenciação do que por preço. Nicholas Kaldor foi um dos primeiros economistas a perceber esse fato, ainda nos anos 1960 e 1970. Ele observou que havia uma ligação entre a participação dos países no mercado e seus custos de produção (e, conseqüentemente, seus preços). Quando a primeira aumentava, os segundos também se alargavam. A constatação era paradoxal, já que seria de se esperar que, ao cobrar mais por seus produtos, um país colhesse, como resultado, a redução de sua participação nas exportações mundiais. A explicação para a descoberta, denominada "paradoxo de Kaldor", estava, justamente, na tecnologia e em fatores de competição extrapreços. Por não serem homogêneos e por suas características inovadoras, os produtos eram - e seguem sendo - vendidos a preço superior, sem registrar perdas na concorrência global.
É evidente que a pauta de exportações do Brasil ainda é muito concentrada em commodities e em produtos de baixo conteúdo tecnológico. Porém, aqueles itens mais inovadores, que carregam técnicas mais complexas, estão menos suscetíveis a fatores de competição ligados a preço, e suas vendas são as que mais crescem. Daí a conclusão: na pauta da inserção internacional do Brasil, é necessário e oportuno o estabelecimento de uma política industrial que privilegie e estimule a inovação entre as empresas brasileiras.
Fernanda De Negri é pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
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