2006. Ano 3 . Edição 24 - 7/7/2006
Helder Ferreira
Nos últimos 30 anos, a segurança pública tem merecido cada vez mais atenção popular, devido ao crescente número de casos de violações e ameaças à vida, à integridade física, à liberdade e aos bens dos cidadãos. Em termos econômicos, o custo do crime e da violência, incluindo despesas com segurança, justiça, saúde e perdas patrimoniais e intangíveis, é estimado em 10, 5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. A situação fica mais clara quando se observa a vitimização gerada pela violência: 1) Em 2004, segundo dados preliminares do Ministério da Saúde, foram registrados 48. 473 homicídios, que levaram à taxa de 26, 7 homicídios por 100 mil habitantes. Numa comparação com outros 86 países, com base em dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a situação brasileira só seria menos grave do que a de Colômbia, El Salvador, Rússia e Sri Lanka; 2) Segundo pesquisa de vitimização do Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente (Ilanud), de 2002, 35% dos entrevistados foram vítimas de algum tipo de crime em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Vitória nos 12 meses anteriores à consulta.
Historicamente, para resguardar os direitos individuais e a ordem social, e para punir os infratores, foram constituídas as polícias, a justiça criminal e o sistema penal. No entanto, esse modelo está em crise no Brasil. Entre outros motivos porque a criminalidade violenta cresceu fortemente nos últimos trinta anos. Saltou de 11, 7 para 26, 7 homicídios por 100 mil habitantes entre 1980 e 2004. Também porque a impunidade é alta. Nos casos de assassinatos, vários estudos apontam que menos de 5% dos casos terminam com alguma punição. Por fim, apesar dos investimentos constantes em criação de vagas no sistema penal, segundo dados de dezembro de 2005, do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o déficit nas penitenciárias era de 90. 360 vagas, ou seja, para cada duas vagas havia três presos. A situação era ainda pior nos casos sob a custódia da polícia: para cada vaga havia sete presos. Além disso, a tendência do déficit é crescente, pois sua capacidade aumenta em ritmo menor do que o de ingresso de presos no sistema. O poder do Estado de financiar esse modelo está comprometido, entre outras coisas, porque faltam recursos para treinamento das polícias e manutenção dos espaços físicos e equipamentos; os salários dos policiais da base são considerados baixos pelos especialistas; e faltam aos presos, de maneira geral, desde atividades de reinserção social até condições básicas de sobrevivência.
Diante da grave situação, nos últimos quinze anos o governo federal tem se voltado para o problema, em grande parte, considerado responsabilidade do Estado. São importantes marcos, nesse sentido, a criação do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), em 1994;da primeira Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), em 1995; do Fundo Nacional de Segurança Pública, em 2001; e a elaboração de dois Planos Nacionais de Segurança Pública. No governo atual, começou-se inovando com a proposta de implantação de um Sistema Único de Segurança Pública, com custeio de planos de prevenção da violência dos municípios e com propostas de reformas no Judiciário. No entanto, projetos de reformas na segurança pública, como a desconstitucionalização das polícias, não foram encaminhados ao Legislativo. As razões para isso incluem os riscos inerentes a uma área em que faltam consensos básicos entre os atores políticos e na qual a urgência parece superar o tempo necessário para a colheita de resultados duradouros.
De qualquer forma, ainda não se pode notar mudança no foco tradicional de "produção de presos"nas ações do governo federal, em que pese inovações, dada a prioridade dos gastos nas polícias Federal e Rodoviária Federal. Com tantas instituições voltadas para a identificação, investigação, detenção, ao julgamento e à prisão de infratores, além do forte apoio popular e da mídia às propostas de aumento dos gastos em construção de novas penitenciárias de segurança máxima, o Estado brasileiro tem grandes dificuldades para atuar de forma coordenada, numa política integrada e ampla, de prevenção da violência para além da repressão, que atue sobre os fatores de proteção e de risco em relação à violência e que priorize as penas alternativas à prisão.
Helder Ferreira é pesquisador do Ipea
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