2006. Ano 3 . Edição 25 - 3/8/2006
Guilherme Canela
Conceito complexo e intrigante é o desenvolvimento. Assim como ocorre com alguns outros,do mundo social,político e econômico, não é possível visualizar uma definição única quando ele está em foco.Somos compelidos a utilizar qualificadores: falamos em desenvolvimento econômico,desenvolvimento social, desenvolvimento humano, desenvolvimento local.Cada um desses pares representa uma idéia específica; além de contextos histórico, político, econômico e cultural próprios. Define também distintos objetivos a alcançar,diferentes formas de mensuração, atividades-meio igualmente diversificadas - isso além de justificativas teóricas que podem se mostrar até mesmo antagônicas.
Ocorre algo semelhante no universo das tecnologias. Elementos centrais na condução dos mais variados modos de produção e de organização da vida social,as tecnologias não podem ser pensadas sem qualificadores.Desse modo,as tecnologias sociais são distintas das convencionais.
Não é mera coincidência a semelhança entre a construção dos conceitos de tecnologia e de desenvolvimento. A passagem humana por esse planeta esteve quase sempre atrelada a um poderoso câmbio tecnológico: Idade da Pedra,Idade dos Metais, invenção da escrita,grandes navegações,máquina a vapor,bomba nuclear,microchip são alguns dos casos mais sintomáticos.
A decisão de que qualificador atribuir a uma tecnologia (limpa ou não,por exemplo) pode ser o fiel da balança para alcançarmos uma definição de desenvolvimento (sustentável ou de outro tipo). Portanto,é central ficar claro que o contexto político de adoção de uma ou outra estratégia tecnológica importa - e muito - para o modelo de desenvolvimento que se pretende perseguir. O conceito de tecnologias sociais ganha corpo nesse cenário; e tendo em mente,por um lado, as profundas desigualdades sociais e,por outro,a pujante criatividade da população - que demarcam nações como a brasileira.
Segundo a recém-criada Rede de Tecnologia Social, esse tipo de processo "compreende produtos, técnicas e/ou metodologias reaplicáveis,desenvolvidas na interação com a comunidade e que devem representar efetivas soluções de transformação social". Os parâmetros orientadores da construção de uma tecnologia social são ainda mais contundentes. Sustentabilidade,participação e atribuição de poder às comunidades envolvidas,baixo custo, consideração da cultura local, escala - elementos que sinalizam que o caminho trilhado pelo(s) modelo(s) de desenvolvimento adotado(s) pelo Brasil nos últimos anos teriam sido outros se fossem as tecnologias sociais realmente o centro da política de C&T instituída.
"A adoção de uma estratégia tecnológica importa para o modelo de desenvolvimento que se pretende perseguir. O conceito de tecnologias sociais ganha corpo nesse cenário, tendo em mente as profundas desigualdades e, por outro lado, a pujante criatividade dos brasileiros"
Portanto, alavancar o debate ao redor das tecnologias sociais é,em grande medida, alimentar ampla discussão sobre o modelo de desenvolvimento que queremos.A difusão massiva e democrática do conhecimento sobre estratégias-modelo - algumas hoje bastante divulgadas,como o soro caseiro, as cisternas do semi-árido,os sistemas de microcrédito e os procedimentos de economia solidária - representa a pavimentação de um caminho salutar para o desenvolvimento local.
A Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), a Fundação Banco do Brasil e a Petrobras entendem que a imprensa pode desempenhar papel protagônico nesse contexto:agendar a questão de forma crítica e plural,cobrando,dos mais diversos atores,políticas com amplitude e profundidade.
Pesquisa realizada por essas três instituições, com cerca de 60 jornais de todo o país, apontou que o debate a respeito do tema ainda é tímido,para não dizer rarefeito.As associações com o desenvolvimento são escassas e/ou irregulares e não se avança muito para além da cobertura de projetos e eventos.
Em breve, essa parceria culminará no lançamento de um livro que trará uma reflexão sobre as tecnologias sociais, com base nas mais variadas matizes,tendo como fio condutor as redações e as fontes de informação. Fica, então, o convite à reflexão: que desenvolvimento queremos, quais as ferramentas para alcançá-lo e qual o papel da imprensa nesse debate?
Guilherme Canela é coordenador de relações acadêmicas da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi)
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