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Finanças Públicas - Bombas de efeito retardado

2004. Ano 1 . Edição 3 - 1/10/2004

Como os erros cometidos por governos passados transformam-se em dívidas imensas que engessam o orçamento público.
 

Por Marcello Antunes, de Brasília

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O governo e a população brasileira estão pagando um preço altíssimo pela má gestão dos recursos públicos praticada no passado por administradores de todas as esferas do poder. A dívida líquida do setor público aumentou de 208,5 bilhões de reais em dezembro de 1995 para 948,2 bilhões de reais em junho último, ou seja, saltou de 30,8% para 56% do Produto Interno Bruto (PIB). Cresceu espantosos 740 bilhões de reais e 70,5% desta expansão devem-se ao reconhecimento dos chamados esqueletos, isto é, dos erros do passado que andavam esquecidos, mas que o governo teve ou terá de pagar.

A conta dos esqueletos fez a dívida pública crescer 522 bilhões reais no período, sendo que 152 bilhões de reais referem-se ao ajuste patrimonial (saldo total das dívidas reconhecidas) e o restante (370 bilhões de reais) aos juros nominais pagos sobre essas dívidas. O quadro foi desvendado por Bolívar Pêgo Filho e Maurício Mota Saboya Pinheiro, pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no texto para discussão "Os passivos contingentes e a dívida pública no Brasil: evolução recente (1996-2003) e perspectivas (2004-06)".

Um exemplo de uma carcaça que veio à tona recentemente é o das perdas dos benefícios de aposentados entre fevereiro de 1994 e fevereiro de 1997. Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) determinando o pagamento revelou o tamanho dessa pendência. A tentativa feita no passado de burlar os direitos de aposentados deixou um esqueleto de 12 bilhões de reais, que começou a ser pago parceladamente em setembro último. Cada vez que a Justiça toma uma decisão desse tipo, o Orçamento da União sofre um desequilíbrio, já que é impossível fazer provisões para o pagamento de faturas que - considerando a lentidão e a imprevisibilidade do Judiciário - têm valor incalculável.

Existem ossadas de todos os tipos. Há por exemplo o Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS), criado em 1967, durante a ditadura militar. Naquela época o governo tentava seduzir a classe média oferecendo-lhe generosos financiamentos para a compra de imóveis. Como os valores das prestações e da dívida não eram corrigidos pelos mesmos indicadores, quando o contrato terminava ainda havia um vultoso saldo devedor. O resultado é que hoje o governo federal ainda tem 20 bilhões de reais a pagar nessa conta. Outros 31,7 bilhões de reais já foram pagos (valores atualizados pelo IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas para junho de 2004).

Em geral os esqueletos só dão as caras depois de muita discussão na Justiça. Foi assim que a companhia de transportes aéreos Transbrasil conseguiu receber 2,2 bilhões de reais do governo federal em 1997, por conta de perdas financeiras durante o período em que as tarifas aéreas foram congeladas. O pagamento não impediu que a empresa viesse a quebrar posteriormente, deixando polpudas dívidas junto à Receita Federal e ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Agora está em julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ) um pleito semelhante da Varig, que poderá resultar num papagaio da ordem de 4 bilhões de reais a ser pago pelo Tesouro.

Outras pendências já foram totalmente contabilizadas, mas ainda pressionam a dívida pública. É o caso do Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estatal na Atividade Bancária (Proes), desencadeado em 1998 para impedir que os governos estaduais continuassem usando os seus bancos para gerar créditos que acabavam colocando em risco as finanças públicas. Esse foi também o primeiro passo para a privatização dos bancos estaduais, que drenou 21,4 bilhões de reais do cofre do governo federal, encarregado de sanear as instituições.

Além de esconder a sujeira fiscal nos bancos estaduais, muitos governos de estado acumularam no passado grandes déficits orçamentários que viraram portentosas dívidas, muitas delas impagáveis. No processo de saneamento fiscal do Estado brasileiro, foi melhor renegociar tais passivos e passar a cobrar contas ajustadas daí para a frente. Assim, o governo federal assumiu boa parte dos passivos estaduais e fez o refinanciamento, cobrando o pagamento parceladamente. O Tesouro Nacional assumiu dívidas de 32,1 bilhões de reais apenas com o estado de São Paulo e a renegociação foi fechada na última semana de dezembro de 1997, às vésperas do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. Nesse ajuste, o governador Mário Covas criou a Companhia Paulista de Ativos (CPA) que ficou responsável pelos rombos estaduais. A CPA emitiu títulos no mercado e, no processo de privatização de empresas paulistas, os credores podiam vender seus títulos com desconto para os interessados em comprá-los. Assim, recebiam o que o estado devia, enquanto os compradores das empresas podiam utilizar os títulos emitidos pela CPA como forma de pagamento. Foi um processo bem-sucedido de engenharia financeira desenhado com a ajuda do ex-secretário de Fazenda de São Paulo, Yoshiaki Nakano.

Contas públicas Para imunizar instituições financeiras federais contra os vírus adquiridos no passado, o Tesouro arcou com outros 20,6 bilhões de reais, mas colocou o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia dentro das regras do Acordo de Basiléia, que estabelece parâmetros de saúde financeira para o sistema bancário. A vantagem, no caso, foi que os bancos públicos federais encontraram o caminho da lucratividade uma vez livres do peso dos erros do passado.

Assumir os esqueletos foi uma condição essencial para o processo de equilíbrio das contas públicas e de modernização de sua gestão. Tal movimento aconteceu em sincronia com a redemocratização no Brasil. Durante os períodos autoritários, a sociedade não tem mecanismos de cobrança dos desmandos do Executivo que, por sua vez, caracteriza-se pela falta de transparência. Os esqueletos também resultam de períodos de excessiva intervenção do Estado na economia brasileira, "como planejador, executor, fiscalizador, ou como controlador de preços e tarifas públicas, principalmente em setores considerados estratégicos", segundo o trabalho dos pesquisadores do Ipea.

O marco inicial da nova fase no Brasil foi a criação da Secretaria do Tesouro Nacional, que passou a centralizar a administração financeira e a contabilidade do governo federal. Outro marco foi a Constituição de 1988, que criou os planos plurianuais e determinou a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, a ser aprovada pelo Congresso Nacional até junho de cada ano, fixando os marcos gerais do Orçamento da União para o período seguinte. Finalmente, a Lei de Responsabilidade Fiscal (de 2000) limitou a capacidade de endividamento dos entes federativos e abriu campo para a punição de gestores públicos que deixam bombas de efeito retardado para seus sucessores.

Heranças Com o novo aparato de gestão fiscal os diversos órgãos executivos da federação tornaram-se mais transparentes. Também aumentou a cobrança da sociedade. Assim, o reconhecimento dos passivos herdados foi positivo, ainda que colocasse em cena um dramático quadro de endividamento.

O trabalho dos economistas do Ipea mostra quais são os principais tipos de dívidas herdadas do passado pelo setor público. Elas são chamadas de passivos contingentes, porque dependem de decisões, quase sempre judiciais, para serem reconhecidas e pagas. Os principais passivos contingentes são os seguintes:

- Débitos de natureza previdenciária ou tributária decorrentes da perda de ações judiciais pelo governo.
- Obrigações decorrentes de avais e garantias do setor público a empréstimos concedidos por instituições financeiras.
- Dívidas diversas, geradas no passado, mas só posteriormente assumidas pelo setor público.

Em contrapartida, o governo tem muitos créditos (ativos) para receber. É o caso, por exemplo, de instituições financeiras que foram liquidadas durante o processo de saneamento dos bancos privados, que envolve restos (ativos e haveres) de bancos como o Econômico ou o Nacional. Sem contar dívidas de empresas e instituições junto à Receita Federal e à Previdência. Como ainda dependem de cobrança ou processos judiciais, esses ativos também são tidos como contingentes. Entre os créditos a receber destacam-se, segundo os pesquisadores do Ipea:
- Créditos previdenciários ou tributários do governo, em tramitação na Justiça.
- Assunção, pelo governo, de ativos de instituições financeiras em processo de saneamento patrimonial.
- Quitação de dívida externa não-escriturada, vencida ou renegociada, em que o governo seja credor.
- Reclassificação de dívidas em processos de privatização.

Só a dívida ativa da Previdência Social chega a 116 bilhões de reais , sendo que desse valor 70 bilhões de reais estão aguardando execução judicial. A dívida ainda não julgada soma 46 bilhões de reais. Outros 90,4 bilhões de reais estão sendo cobrados administrativamente e os devedores conseguiram parcelar o pagamento de 61 bilhões reais. Está sendo avaliado atualmente na Casa Civil da Presidência da República um anteprojeto de Lei que permitirá parcelar a dívida ativa com a União em até 180 meses, desde que o devedor desista da discussão judicial

Já a dívida ativa para com a Fazenda Nacional soma 240 bilhões de reais. O procurador-geral da Fazenda Nacional, Manoel Felipe Rêgo Brandão, estima que apenas 40% desse valor poderá ser efetivamente revertido para os cofres da União, porque a dívida é reajustada todos os meses e muitos devedores são empresas que faliram há mais de 30 anos. A maior parte desse valor refere-se a impostos não pagos por pessoas físicas e empresas. Brandão conta que a procuradoria está fazendo a qualificação dos créditos, como ocorre no sistema financeiro.

Transparência No balanço entre passivos e ativos surgiu o ajuste patrimonial de 152 bilhões de reais que, somado aos juros, elevou substancialmente a dívida pública entre janeiro de 1996 e junho de 2004. Esses passivos contingentes impactam a dívida pública de diversas formas, como reconhecem no texto para discussão, pois: "atuam como moeda em pagamento de ativos que são objeto de vendas; provocam a emissão de dívida mobiliária: sensibilizam diversos outros itens da dívida líquida do setor público". Mas segundo Pinheiro e Pêgo Filho a situação econômica brasileira seria muito pior caso esses restos não tivessem sido reconhecidos.

O reconhecimento das dívidas passadas foi um avanço no processo de tornar transparentes as contas públicas. O problema é que elas continuam surgindo e é difícil prever quando uma bomba de efeito retardado estourará. O procurador-geral do INSS, Jefferson Carús Guedes, da Procuradoria Federal Especializada do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), entende que se os administradores públicos praticassem a orientação das consultorias jurídicas, muitas dívidas e carcaças não existiriam. Hoje, o esqueleto mais antigo da Procuradoria do INSS é o que trata dos reajustes dos salários de contribuição entre 1977 e 1988. O valor estimado é de 1,5 bilhão de reais e há outro de 2 bilhões de reais referente ao valor das pensões.

Além dos passivos já contabilizados e que pesam sobre as contas públicas, muitos outros emergirão, pois aguardam decisões da Justiça. Em outubro, o STF deverá julgar se o Governo Federal deve ou não deve devolver créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), cuja sangria aos cofres públicos poderá chegar a 209 bilhões de reais em dez anos. Ações tributárias contra o governo, como a do crédito do IPI, resultam da insegurança jurídica existente do Brasil, afirma o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel. Para ele, as empresas não têm direito ao ressarcimento relativo ao crédito do IPI ou mesmo do crédito prêmio das exportações, outra fonte de demanda. "Isso é uma aberração, fruto da avassaladora criação de escritórios de advocacia que vendem sonhos a seus clientes na expectativa de receber algum ressarcimento do governo", afirma.

Perspectivas O pior cenário projetado pelos pesquisadores prevê o reconhecimento de 118 bilhões de reais de passivos contingentes em 2005 e 2006. Isso fará com que a dívida líquida do setor público atinja 60,6% do PIB neste último ano, o que imporá a manutenção de "superávits primários relativamente elevados nos próximos anos". O texto para discussão propõe algumas medidas:
- Que uma única instituição seja responsável pela coordenação dos passivos e ativos contingentes.
- A elaboração de um sistema de informações centralizado e gerenciável acerca dos passivos contingentes brasileiros, com uniformidade conceitual e metodológica.
- A manutenção de um arcabouço legal amplo sobre os passivos contingentes, enfocando sua natureza, características e definição de critérios de reconhecimento.

Na opinião do economista Raul Velloso, especialista em finanças públicas, para evitar problemas futuros é essencial maior transparência por parte do governo. Uma boa oportunidade para fazer a lição de casa, no caso da transparência fiscal, surgirá no âmbito das Parcerias Público-Privadas (PPP). A PPP tem de ser bem desenhada e amarrada, alertam os pesquisadores, caso contrário poderá aumentar a dívida líquida do setor público. "Se o governo não amarrar direito qual será o seu papel na parceria, a iniciativa poderá criar novos esqueletos Se o contrato não for claro, o BNDES poderá ser chamado para socorrer", diz Pêgo Filho. Estão prescritos muito juízo e canja de galinha. Sem osso.

 
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