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Debate - O papel do salário mínimo

2004. Ano 1 . Edição 4 - 1/11/2004

Os dados do IBGE mostram que 94% da população brasileira com mais de 14 anos de idade recebe mais que o salário mínimo.

 
Por Ottoni Fernandes Jr., do Rio de Janeiro

noticias-25-ImagemNoticiaDa esquerda para a direita: Fábio Giambiagi, José Márcio de Camargo, Guilherme Delgado, Márcio Ponchmann e Ricardo Paes de Barros.

Em seus 60 anos de existência, o salário mínimo sempre provocou acaloradas discussões no Brasil, especialmente quando se aproxima a data em que o Congresso tem que definir o seu valor para os doze meses seguintes. Mas qual deve ser o papel do salário mínimo: combater a pobreza, regular o mercado de trabalho? Qual será o impacto de aumentos reais em seu valor sobre as contas pública, especialmente sobre o sistema previdenciário? Para debater essas questões, Desafios do Desenvolvimento organizou um debate, no dia 15 de outubro, com a participação de Márcio Pochamnn, Secretário do Trabalho da Prefeitura Municipal de São Paulo, José Márcio Camargo, professor do Departamento de Economia na Pontifica Universidade Católica de São Paulo e com os pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Fábio Giambiagi, Guilherme Delgado e Ricardo Paes de Barros. Ottoni Fernandes Jr, Diretor de Redação de Desafios do Desenvolvimento, atuou como moderador.

Na discussão vieram à tona alguns dados. O salário mínimo já não tem tanta importância no mercado de trabalho. Dos 76,3 milhões de brasileiros com idade superior a 14 anos que constituíam a população ocupada em 2002, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), 6%, cerca de 4,6 milhões de pessoas, recebiam o salário mínimo. No entanto, ele afeta diretamente a vida de 14,1 milhões de aposentados e pensionistas, pois o artigo 201 da Constituição estabelece no inciso 4 que: "Nenhum benefício previdenciário será inferior ao salário mínimo".

Devido a essa vinculação constitucional, aumentos reais têm impacto sobre o equilíbrio orçamentário do sistema de Previdência. No período de 1995 a 2004, o salário mínimo teve um aumento real de 52% (deflacionado pelo Índice de Preços ao Consumidor Ampliado) e contribuiu decisivamente para o aumento das despesas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS): eram de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1988 e devem atingir 7,3% do PIB neste ano.

Paes de Barros - Quem vive em famílias com renda mensal per capita inferior a 146 reais no Brasil pode ser considerado pobre, e quem vive em famílias com renda mensal per capita inferior a 73 reais mensais é extremamente pobre (veja quadro na pág. 20). Apesar desses números parecerem baixos, 14% da população brasileira vive em família com renda per capita abaixo de 73 reais e 34% vivem com renda per capita abaixo de 146 reais. Isso quer dizer que 25 milhões de brasileiros são extremamente pobres e 58 milhões de brasileiros são pobres. Assim, o papel primordial da política social brasileira tem que ser a redução da pobreza. Mesmo as famílias contempladas com Bolsa Família não conseguem sair da extrema pobreza. Uma mulher com dois filhos recebe 80 reais mensais da Bolsa Família, ou seja, 27 reais per capita, muito abaixo dos 73 reais que definem a linha de extrema pobreza. Diante dessa realidade, considero que a política de salário mínimo é anacrônica e totalmente ineficaz no combate à pobreza. Assim, salário mínimo não pode ser pensado como uma política de combate à pobreza, mas apenas como uma forma auxiliar de regulamentação do mercado de trabalho.Vale, entretanto, ressaltar que o salário mínimo pode ter importância informacional. Neste caso, não necessitaria ser compulsório, mas funcionaria como valor de referência.

Pochmann - O salário mínimo foi introduzido em 1940 e teve duas políticas até os dias de hoje. A primeira durou até 1964. Até o golpe militar, o salário mínimo era o elemento central na constituição da sociedade salarial no Brasil e um parâmetro de homogeneização salarial. Seu valor era definido por comissões tripartites (empresários, trabalhadores e governo), de uma maneira participativa. Depois de 1964, ele deixou de ser o elemento central da construção de uma sociedade salarial, perdeu sua relação com o custo de vida, com a sobrevivência, e deixou de haver vínculo entre o seu reajuste e a inflação passada. Virou um instrumento para enfrentar a inflação e para o ajuste das finanças públicas. Construir uma política de salário mínimo implica em olhar para a frente e ter uma política de médio e longo prazo. Nessa ótica, o salário mínimo não deve servir apenas para enfrentar a velha pobreza, em famílias de baixíssima escolaridade ou muito numerosas. Em praticamente todos os países em que foi constituído, seu papel tem sido o de evitar que trabalhadores em setores de baixa produtividade tenham uma remuneração muito menor do que os trabalhadores empregados em setores de maior produtividade. Assim, o salário mínimo deve ser voltado para a nova pobreza: trabalhadores de maior escolaridade, famílias monoparentais, trabalhadores nascidos nas metrópoles que têm uma enorme dificuldade de inserção profissional. Entre as pessoas pobres das regiões metropolitanas, 31,5% são empregados com carteira assinada, enquanto para o total do Brasil 17,5% são considerados pobres tendo carteira assinada. Outra mudança que deve ser feita é estabelecer o mínimo como o valor necessário para um individuo satisfazer suas necessidades básicas - não para uma família, como foi definido na Constituição de 1988. Nesse sentido, o salário mínimo deve ser o elemento central na construção de uma sociedade menos desigual e de um mercado de trabalho mais homogêneo.

Delgado - O salário mínimo surgiu dentro do conjunto de regras de política social que constitui a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), no período Vargas. Tinha como realizar a justiça distributiva pela via do mercado de trabalho. Mas o aumento da informalidade fez mudar o seu caráter. A população economicamente ativa do setor formal, assalariada ou de contrato público, correspondia a 53,7% do total em 1982 e em 2000 caiu para 40,7%. Assim, o salário mínimo é o parâmetro de vinculação dos assalariados aos direitos sociais da CLT, ao mercado de trabalho e no mercado informal assalariado, serve como um sinalizador salarial. Continua, portanto, a ter importância do ponto de vista distributivo.

Fernandes - Quer dizer que o mínimo ainda serve de referência para o setor informal?

Delgado - Sim, ainda serve de referência para os assalariados do setor informal. No entanto, é bom lembrar que conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) de 2003, um quarto da força de trabalho se define como auto-ocupada e para essa gente o salário mínimo não tem efeito distributivo e nem serve de sinalizador. Mas a realidade é que existe um excedente de mão-de-obra, especialmente nas áreas de baixa remuneração, e assim o salário mínimo tem o papel de resguardar a distribuição de renda a um nível básico, evitar distorções ainda maiores.

Camargo - Em sua origem, nos anos 40, num país que não tinha meios de comunicação desenvolvidos, a regionalização do valor do salário mínimo era uma forma de se dizer ao trabalhador do Nordeste que o salário de São Paulo era em média 50% maior de que o seu. Assim, para aumentar o padrão de vida, o nordestino deveria ir para São Paulo, onde faltava mão-de-obra. Isso deu origem a um fluxo migratório muito forte em direção exatamente aos lugares onde estava-se criando o mercado de trabalho, nas grandes cidades que estavam em processo de industrialização. Mas no mundo de hoje, o salário mínimo tornou-se totalmente anacrônico. Serve muito mais para uma política de previdência social do que para uma política de mercado de trabalho, até porque não tem sentido um mesmo salário mínimo em todo o país. Mesmo os países pequenos da Europa têm vários salários mínimos. Os Estados Unidos têm um salário mínimo nacional e salários mínimos regionais. Assim, a única relação entre o salário mínimo e a pobreza refere-se ao fato de ele ser o piso para o pagamento dos benefícios da Previdência, especialmente as aposentadorias. Será esta a forma mais eficaz e eficiente de resolver o problema da pobreza no país? Do meu ponto de vista, é a forma menos eficaz e eficiente de resolver o problema. Na verdade, foi criada uma situação no Brasil em que as pessoas são pobres quando são crianças, são pobres quando são adolescentes, são pobres quando são adultas, e deixam de ser pobres ao se aposentar aos 65 anos de idade, quando passam a receber um salário mínimo. Isto é obviamente um despropósito do ponto de vista de política social. De fato, o salário mínimo tem um conteúdo informacional para o mercado de trabalho. Esse efeito seria amplificado se seu valor fosse regionalizado.

Giambiagi - Atualmente, o aumento do valor real do salário mínimo parece ser, para a opinião pública, sinônimo de política pública de combate à pobreza. Mas ao menos do ponto de vista da redução da desigualdade parece não ter funcionado, pois de 1995 para cá o salário mínimo teve um aumento real acumulado de 58% e o coeficiente de Gini não se alterou. O objetivo de uma política pública de combate à pobreza deve ter algumas prioridades: reduzir a desigualdade social e a miséria, garantir um crescimento sustentável de 4% a 5% anuais e combater a insegurança urbana. Uma política de aumento real do salário mínimo é totalmente ineficaz para atingir esses objetivos

Paes de Barros - Meu ponto básico aqui é tentar demonstrar que a utilização da política de salário mínimo para reduzir a pobreza é anacrônica, por já podermos contar com várias alternativas que são muito mais eficazes. Um aumento de 10% nos rendimentos de trabalhadores com carteira assinada e funcionários públicos que ganham próximo do salário mínimo provocaria um incremento na renda de todas as famílias brasileiras da ordem de 700 milhões de reais ao ano, mas apenas 300 milhões serviriam para aumentar a renda das famílias pobres (veja quadro na pág. 20). Caso esses 700 milhões de reais, ao invés de serem utilizados para aumentar o salário mínimo, fossem utilizados para aumentar o benefício básico da Bolsa Família, praticamente 100% dos recursos chegariam aos verdadeiramente pobres. Na realidade, quando damos aumentos reais do salário mínimo estamos cobrando um imposto indireto dos empresários e transferindo parcialmente o valor para os trabalhadores pobres, pois só 41% desse imposto indireto chegará aos verdadeiramente pobres. Com os cadastros de pobres existentes é possível transferir recursos diretamente para quem precisa e o Bolsa Família é só uma das alternativas. O microcrédito para as famílias pobres é outro instrumento, bem como a reforma agrária.

Pochmann - A política do salário mínimo é um instrumento de política pública de combate à pobreza. Mas o salário mínimo não tem o dom de acabar com as mazelas da pobreza, num ambiente de desestruturação do mercado de trabalho em que a cada ano é menor a participação dos assalariados no total da população ocupada. Ainda assim, um aumento real de 10% reduziria em 1,7% o contingente de trabalhadores com carteira assinada que vivem na pobreza. Isso pode ser importante, porque após quase 10 anos de queda no emprego formal, desde 1999, com a mudança do regime cambial, voltou a crescer de forma importante o emprego com carteira assinada. De 1999 a 2002, por exemplo, o emprego formal no Brasil cresceu 17,1%. No entanto, a massa de rendimento cresceu apenas 1,6%. Ou seja, os postos de trabalho que estão em expansão no Brasil pagam salários muito reduzidos e nós estamos falando aqui de trabalho com carteira assinada.

Delgado - Para mim, o salário mínimo é um instrumento de enfrentamento da pobreza, mas ele influi em várias instituições no próprio mercado de trabalho e na esfera pública e da política social. No entanto, precisamos definir conceitos com precisão, pois existe uma política social de Estado e uma política social de governo. A política social de Estado é aquela que está fundada em direitos sociais permanentes financiados pelo orçamento público. Dela fazem parte o INSS, o Sistema Único de Saúde, o Seguro Desemprego, os benefícios da Lei Orgânica da Assistência Social, que têm enorme importância no combate à pobreza. Dentro dela o salário mínimo é fundamental, especialmente na Previdência Social. A outra coisa são as políticas de governo. Bolsa Família é tipicamente um instrumento de governo e pode mudar de mandato para mandato. O governo Lula tem a sua Bolsa Família, o governo Fernando Henrique tinha a sua linha de pobreza e a sua forma de atendimento. O governo Itamar tinha outra. Cada governo muda o atendimento e o foco. Como a pobreza é um problema estrutural, pode ser uma calamidade depender apenas de políticas de governo.

Fernandes - Mas, a Bolsa Família não é importante no combate à pobreza?

Delgado - O Bolsa Família representa apenas 3% do orçamento da Seguridade Social, o que é insignificante do ponto de vista do gasto social, mas ganha grande evidência na mídia. São os programas de Estado que concentram os gastos sociais e, além disso, têm permanência e segurança jurídica. O salário mínimo dá a segurança de que os pobres vão receber aquele benefício e não o benefício que o tecnocrata de plantão estabelecer. Não podemos separar a questão da luta contra a pobreza da questão dos direitos sociais. Direitos sociais têm que ter garantia contra ajustes da política. O salário mínimo é uma condição essencial para a execução de uma política social de seguridade, para que o aposentado, o pensionista, o titular do benefício assistencial de prestação continuada tenham a sua remuneração independente de um indexador burocrático.

Camargo - Concordo que uma política social de Estado é algo fundamental. Só não entendo por que os idosos têm mais direitos a benefícios do que as crianças brasileiras. Do total da população com até 15 anos de idade, 60% são pobres, enquanto menos de 10% dos idosos são pobres. Gastamos 3% do orçamento federal com programas de transferência de renda e se gasta 12% do Produto Interno Bruto todos os anos com a Previdência Social, num país em que apenas 6,75% de população são idosos. E metade desse gasto é em subsídios para os aposentados, isto é, déficit público. Por que as políticas de Estado favorecem os idosos e não as crianças? O que está acontecendo atualmente é simples: os jovens, os trabalhadores, são taxados para sustentar os idosos. O Sistema Previdenciário custa 12% do PIB, o que corresponde a um terço da carga tributária do país, para sustentar 6,75% da população - os idosos. Se essa é uma escolha do país, precisamos ter clareza do que foi escolhido. O salário mínimo pode ser eficaz para outras coisas, mas não para combater a pobreza. Para isso, é política errada. Além disso, aumentos reais do mínimo fazem crescer a informalidade e aumentar o desemprego. Eu preferiria ter uma política de Estado que gastasse 12% do PIB com programas tipo Bolsa Família, que induzisse as crianças a ficarem na escola, e 3% do PIB com sistema de aposentadoria. Aliás, como faz a Coréia há 40 anos. Por uma razão bem simples, 50% das crianças são de famílias pobres e 80% delas não completam o ensino fundamental. Assim, daqui a 30 anos cerca de 40% da população não terá completado o ensino fundamental. Como será possível oferecer emprego de boa qualidade para trabalhadores que não têm nem seis anos de estudo? A política de Estado que foi escolhida pela Constituição de 1988 está encalacrando o Brasil, estamos produzindo sistematicamente mais pobreza.

Giambiagi - Concordo que no passado, o salário mínimo estava muito baixo e que sua elevação foi importante. Mas daqui em diante, quais são as políticas mais eficazes para combater a pobreza? Quando analisamos a relação entre os gastos públicos da Previdência com a porcentagem da população com idade superior a 60 anos, vemos que o Brasil tem um perfil característico. É um dos únicos países que têm proporcionalmente menos idosos e que gastam mais de 10% do PIB com aposentadorias. Aumentar o valor real do salário mínimo para quem está na ativa pode ser uma política eficaz para combater a extrema pobreza, mas só funcionará se não for estendido aos aposentados. Já no caso daqueles que estão na ativa, aumentos reais do salário mínimo provocarão aumento na informalidade, se forem muito grandes. Hoje, uma família pode aceitar um aumento de 10 ou 20 reais no salário mínimo pago a uma empregada doméstica, mas não acompanharia o reajuste se ele dobrasse.

Pochmann - Quanto à questão da Previdência, verificamos que há uma correlação muito direta entre o aumento do salário mínimo e o aumento da receita previdenciária. Nos anos de 2000 e de 2004, quando houve crescimento econômico, as receitas e despesas da Previdência tiveram idêntica variação, mas nos períodos de baixo crescimento econômico e aumento real do mínimo. Quando esses dois fatores coincidiram, houve uma desconexão entre os aumentos do mínimo e as receitas e despesas previdenciárias. Entre 1992 e 2002, o mínimo aumentou 99% e a informalidade cresceu 35,1% para quem ganha salários mais baixos, mas para trabalhadores com rendimentos na faixa de renda de 10 a 15 salários mínimos, a informalidade aumentou 178%. Então, o que parece é que a informalidade está vinculada a rendimentos maiores.

Paes de Barros - É evidente que não podemos esperar tudo da política de salário mínimo, da mesma forma, não podemos esperar tudo de uma política de microcrédito. A questão é se a política de salário mínimo tem alguma função no combate à pobreza no país. Existem diversas formas de combater a pobreza. O Brasil está numa encruzilhada. Aumentar o Bolsa Família é pelo menos três vezes mais eficiente do que um aumento do salário mínimo e o aumento do salário família é até duas vezes mais eficiente (veja quadro abaixo) do que gastos com a Previdência. Além disso, o aumento real do salário mínimo nada mais é do que uma taxação de lucros e rendimentos do capital e uma transferência de renda para os trabalhadores. O governo tem nas mãos, portanto, a possibilidade de, no mesmo ano, aumentar os impostos sobre capital e fazer uma transferência para os trabalhadores. Como existe o vínculo entre o salário mínimo e o piso dos benefícios da Previdência, a única maneira do governo impor esse imposto é ele também pagar uma parte da conta.

Delgado - Em 15 anos, o número de beneficiados pelo Regime Geral da Previdência quase dobrou, pois passaram de 12 milhões para 22 milhões. A taxa de atendimento aumentou expressivamente em função da maturação dos direito adquiridos na antiga CLT. Nos anos 60 e 70 houve um assalariamento crescente, então 30, 35 anos depois, houve uma maturação desses direitos. A Previdência Rural também teve um impacto enorme na redução da pobreza. Mas para a força de trabalho que está desempregada ou no mercado informal, a Bolsa Família não funcionará. É preciso ter programas para a reestruturação desses mercados, dessas relações de trabalho, com elevação da produtividade econômica da base da pirâmide. Uma parte muito grande da População Economicamente Ativa continuará excluída do mundo do assalariamento formal, talvez para sempre. Mas ela não precisa estar excluída da economia, nem precisa estar excluída da política pública.

Paes de Barros - Você acha que o salário mínimo real deve continuar aumentando na economia brasileira de hoje?

Delgado - Dentro de certos parâmetros sim. É preciso estabelecer a trajetória em que o crescimento do salário mínimo seja compatível com a estabilidade fiscal. E até agora tem sido assim, ou seja, o orçamento da seguridade social comportou os aumentos do salário mínimo que foram introduzidos no governo anterior.

Fernandes - Giambiagi, por favor, fale sobre a sustentabilidade de aumentos reais para os aposentados e o impacto sobre o déficit da Previdência.

Giambiagi - Nos próximos vinte anos gostaríamos que o PIB crescesse em torno de 4% ao ano. Dois em cada três beneficiários da Previdência recebem um salário mínimo. Se a economia crescer 4% a cada ano e dois terços dos beneficiários tiverem aumento real, a proporção do PIB gasta com benefícios previdenciários e assistenciais vai crescer mais do que 4%. E então teremos um sério desequilíbrio. Em 1988, ano em que Constituição foi aprovada, os gastos com benefícios da Previdência representavam 2,5% do PIB. Hoje esse gasto é de mais de 7% do PIB. Aumentos reais do salário mínimo ferem a sustentabilidade fiscal, o que gera desequilíbrios, a não ser que a carga tributária continue aumentando para cobrir esses gastos. E a carga tributária passou de 25% do PIB em 1994 para 37%do PIB atualmente. De 1997 a 2003, em função do ajuste macroeconômico, o rendimento médio real dos trabalhadores caiu 23%. Nesse quadro, faz sentido os aposentados terem recebido aumentos reais, devido ao aumento do salário mínimo? De outro lado, temos que estabelecer no País a cultura de que o aposentado recebe uma aposentadoria em função de sua contribuição enquanto estava na ativa. Atualmente, esta regra está sendo ferida, porque a pessoa contribui com 100, se aposenta com 100 e depois passa a receber 110, 120 ao longo do tempo. Isso é uma impropriedade do ponto de vista atuarial e dos princípios do regime que deveriam reger um sistema de aposentadoria.

Fernandes - Outros países funcionam desta maneira?

Giambiagi - No Brasil as pessoas recebem um benefício assistencial ao se aposentarem por idade, mesmo sem ter contribuído para a Previdência, o que não existe em outros países. Tal fato cria um incentivo errado, num momento em que estamos discutindo formas de aumentar o grau de formalidade da economia. Por que uma pessoa com rendimentos próximos de um salário mínimo vai se formalizar e passar a contribuir para a Previdência se o Estado lhe garante uma aposentadoria de um salário mínimo aos 65 anos, independente de contribuição prévia? Acho que o governo deveria sinalizar claramente para população o seguinte: não existe benefício gratuito. Benefício previdenciário será dado para quem contribuir e benefício assistencial será dado com algum tipo de pedágio, por exemplo, quem não contribui para a Previdência receberá a aposentadoria de um salário mínimo aos 70 anos e não mais aos 65. Nos últimos dez anos o salário mínimo e o piso previdenciário tiveram um aumento real acumulado da ordem de 50%, algo sem paralelo no mundo, porque na imensa maioria dos países o aposentado mantém a renda que tinha na aposentadoria ou em muitos casos até tem uma pequena perda, coisa que não defendo, pois acho que deveria haver uma proteção em relação à inflação. Mas aumentos reais para as aposentadorias assistenciais não existem em nenhum outro país.

Camargo - Poucos trabalhadores contribuem para a Previdência Social e a razão é simples: por que contribuir todos os meses com 10% do salário para receber uma aposentadoria, digamos, de três salários mínimos aos 65 anos, se ao não contribuir receberá uma aposentadoria de um salário mínimo? Essa é uma das razões pelas quais há tanta informalidade hoje no Brasil. A Coréia tem quase a mesma porcentagem de idosos na população e gasta 3% do PIB com Previdência Social. Com 6,75% de idosos, o Brasil gasta 12% do PIB com aposentadorias. Está claro que existe um erro monumental de alocação recursos no Brasil e não existe sustentabilidade fiscal nesse jogo. Hoje o problema fiscal do País se chama Previdência Social. Se o sistema da Previdência fosse equilibrado, teríamos um superávit fiscal de 3% do PIB nominal. Para piorar a nossa política previdenciária tem um viés pró-idoso e anticriança, pois 30% da população brasileira tem menos de que 15 anos e gastamos com educação apenas 3,6% do PIB. Existem quase cinco vezes mais crianças do que idosos como proporção da população e gastamos com elas 25% do que gastamos com idosos.

Fernandes - Aumentos reais do mínimo teriam impacto sobre a informalidade?

Camargo - Certamente. O sistema de previdência social brasileiro é excessivamente caro. Paga-se 30% da folha de salários para sustentar o sistema e ele ainda dá prejuízo. A maior parte dos estudos que eu conheço mostra que quase todo o imposto sobre a folha de pagamento é, no final das contas, pago pelos trabalhadores, ou seja, quando se põe 30% de imposto sobre o salário, quem recolhe esse imposto é o empresário, mas quem paga é o trabalhador, sob forma de redução de salário. O trabalhador brasileiro, enquanto está na ativa, é forçado a poupar 30% da sua folha todo mês, através de um imposto para a Previdência. O governo arrecada esses 30% e financia o consumo dos idosos. É claro que um trabalhador que já poupa 30% de sua renda todo o mês não vai poupar mais. Por isso a taxa de poupança voluntária no Brasil é tão baixa. A taxa de poupança voluntária na Coréia é 25% do PIB, mas lá não se paga quase nada de Previdência Social.

Fernandes - Está na hora de voltar a adotar salários mínimos regionais?

Pochmann - O Brasil tem salário mínimo nacional desde 1983, como vários países. Na maior parte dos países que adotam um salário mínimo, ele tem caráter nacional. Aqui, a contrapartida da unificação do salário mínimo foi a redução do seu valor real. Em 1957, o salário mínimo equivalia a 2,7 vezes a renda per capita do Brasil e em 2000 equivalia a apenas 30% da renda per capita. Houve no Brasil uma drástica redução da renda do trabalho em comparação à renda nacional. Até o regime militar, a renda do trabalho representava em torno de 55% da renda nacional e passou para 36% em 2002. Nos Estados Unidos, a renda do trabalho representa em torno de 70% do PIB. Na medida em que o salário mínimo perde poder aquisitivo, o trabalhador perde participação na renda nacional, ou seja, o salário mínimo não é um instrumento suficiente para recompor a necessária reestruturação do mercado de trabalho. A informalização crescente da economia não é causada pelos aumentos reais do mínimo, até porque acontece principalmente nas maiores remunerações. Acredito que a questão do custo do trabalho é fundamental na decisão de formalizar ou não um trabalhador. A formalização vai depender de haver mercado para a produção dos bens e serviços das empresas, vai depender do custo fiscal. Por exemplo, no setor automobilístico cerca de 33% do preço do automóvel é composto por impostos, enquanto a massa de rendimentos representa em torno de 3%. Acho difícil que uma medida voltada exclusivamente para a questão do salário seja suficiente para fortalecer a formalidade, especialmente pelo fato de que os postos de trabalho que mais vêm crescendo no Brasil não são assalariados. Nos últimos 10 anos, de dez ocupações abertas no país, sete estão associadas a quatro ocupações: trabalho doméstico, trabalho ambulante, limpeza e conservação, e segurança. São esses os postos de trabalho que o Brasil vem gerando.

Paes de Barros - Estou convencido de que a política de salário mínimo não é suficiente e discuto se é necessária. Saber qual o valor mínimo que as pessoas precisam para viver é fundamental para o Estado. Então deveria ser uma política de Estado que todo o brasileiro recebesse esse mínimo. E isso não tem nada a ver com a política de salário mínimo porque não tem a ver com a capacidade produtiva das pessoas. É função do Estado garantir a renda mínima para as pessoas viverem, mas não é função do Estado obrigar o empresário a aumentar o salário mínimo. Usar o salário mínimo como uma política de distribuição de renda e de combate à pobreza é um equívoco. A estatística mostra que somente uma pequena parcela dos trabalhadores que ganham o salário mínimo é pobre. Aumentar o salário deles, na verdade, não reduz a pobreza. É preciso aumentar os rendimentos dos outros, os verdadeiramente pobres.

Delgado - A despesa previdenciária é completamente previsível, mas a receita não é uma variável perfeitamente previsível dentro do quadro fiscal que temos hoje. Primeiro porque a dívida ativa com a Previdência é monumental e não pára de crescer. No atual ambiente de recuperação econômica será possível aumentar a receita previdenciária, com a contribuição dos formais e informais. E existe um contingente de 27 milhões de com idade ativa que deveria estar contribuindo com a Previdência e não está.

Fernandes - Mas se a valor dos benefícios previdenciários superar as receitas, quem vai pagar a conta no futuro?

Delgado - Em 2003 a despesa de Regime Geral da Previdência foi de 113 bilhões de reais e a receita, a partir da contribuição de empregados e empregadores, foi de 85 bilhões de reais. Então a necessidade de financiamento da Previdência foi de 1,5% do PIB, num ano péssimo como foi 2003. O que está em discussão nesse momento é a extensão do regime de inclusão previdenciária para os trabalhadores informais urbanos, para incluir os 27 milhões de pessoas que estão fora da Previdência e sem proteção. Isso custaria algo em torno de nove bilhões de reais por ano. A política social concreta, aquela que aprovada no Congresso vira lei e se transforma em gastos. Não se faz políticas sociais assim, em cima de jogos puramente numéricos. Resultam de acordos políticos, de negociações, de regulamentações.

Camargo - Quero falar da informalidade, que é muito alta no Brasil. O que uma pessoa ganha sendo formal? Ela paga 30% do salário todos os meses para ser formal. Ganha seguro acidente, seguro maternidade e seguro desemprego, que eventualmente poderá usufruir. E o empresário, o que ele ganha quando é formal? Fundamentalmente, mais acesso a crédito. Mas com as taxas de juros da ordem de 200% ao ano, qual a vantagem de ter acesso a crédito? Melhor é não pagar imposto. O custo da formalização no Brasil é alto e o benefício é muito baixo. A segunda coisa importante é que o salário mínimo é extremamente ineficiente como política de combate à pobreza, mas é uma política de mercado de trabalho que pode ser muito eficiente. Finalmente, a razão pela qual a política social brasileira tem um viés pró-idoso e anticriança, é simples: criança não vota e os idosos votam. Conseqüentemente, do ponto de vista político, é muito bom dar dinheiro aos idosos. Tirar as crianças da pobreza não produz muito ganho político no curto prazo.

Fernandes - Volto à questão, dá para garantir aumentos reais para os aposentados?

Giambiagi - A despesa do Instituto Nacional de Seguridade Social passou de 2,5% do PIB em 1988 para quase 7,5% do PIB, e de 1994 até hoje, isso coincidiu com o aumento da carga tributária e com o aumento da dívida pública em relação ao PIB. O aumento da dívida pública já se tornou muito perigoso. Eu posso concordar que há margem para um aumento da arrecadação do INSS com a redução de informalização. Mas se o salário mínimo continuar tendo aumentos reais ao longo do tempo e isso for repassado para o piso previdenciário, a despesa do INSS em relação ao PIB crescerá indefinidamente. Isso não pode acontecer, é inviável.

Delgado - Na minha opinião é perfeitamente possível dar aumentos reais para o salário mínimo sem que isso comprometa o equilíbrio fiscal da Previdência, na condição de um crescimento da economia de 4% ao ano. Também será necessário evitar a evasão das contribuições de empresas, cobrar os devedores e implementar um forte programa de inclusão de novos contribuintes que hoje estão na informalidade.

 
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