2007 . Ano 4 . Edição 31 - 5/2/2007
"No lugar de bordões como 'Em briga de marido e mulher, não se mete a colher', o combate à violência doméstica traz como lema a frase proferida pela deputada Jandira Feghali, relatora do projeto:'Dois pontos no rosto.Quatro pontos na mão.Três pontos na perna. Vários pontos na alma. Um ponto final'"
Luana Pinheiro
A violência doméstica contra as mulheres é, ainda hoje, uma realidade na sociedade brasileira, vitimando parcela expressiva da população feminina, que, em alguns estudos, atinge cerca de 40%. Cumprindo os preceitos constitucionais de garantia à vida, à segurança e à proteção da família e com o intuito de combater esse tipo de violência e estimular a denúncia dos agressores - predominantemente, atuais e ex-companheiros -, o governo federal sancionou, em 7 de agosto, a Lei nº 11. 340/06. Após anos de luta do movimento feminista e de mulheres, o Estado brasileiro cumpre os acordos internacionais ratificados, alterando sua legislação e tipificando a violência doméstica como crime e como violação dos direitos humanos.
A lei estabelece que qualquer agressão física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral passa a ser entendida como violência doméstica e todo registro efetuado nas delegacias deve, obrigatoriamente, gerar um inquérito policial. Se, até então, os atos de violência doméstica eram entendidos como de menor potencial ofensivo, com a nova lei a autoridade policial pode prender o agressor em flagrante, e sua prisão preventiva pode ser decretada. Ademais, ficam proibidas penalidades de caráter pecuniário, sendo estas substituídas por medidas como suspensão do porte de armas, afastamento do lar e encaminhamento do agressor a programas de recuperação e reeducação. A pena de detenção passa a ser de três meses a três anos.
Às mulheres em situação de violência, fica garantido o encaminhamento, se necessário, a programas e serviços de proteção sem perda dos direitos à guarda dos filhos; a suspensão de procurações conferidas ao agressor; e a restituição de bens por ele subtraídos, entre outras medidas. A lei determina, ainda, que durante todo o processo judicial a mulher esteja acompanhada de um advogado, sendo a ela assegurado o acesso à Assistência Judiciária Gratuita.
O julgamento dos crimes de violência doméstica torna-se de responsabilidade dos Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar, criados pela nova lei. O objetivo é dar maior celeridade aos processos e garantir às mulheres um atendimento adequado, com profissionais mais capacitados e sensíveis às questões simbólicas que envolvem esse fenômeno. O Distrito Federal deu o passo inicial e inaugurou o primeiro desses juizados, tendo sido seguido por várias outras unidades federativas.
Após a promulgação da lei, muitos são os relatos de aumento das denúncias, tendo algumas delegacias noticiado que as ocorrências dobraram nos trinta dias posteriores à vigência da lei. As expectativas são as melhores, mas muitas são as dificuldades a serem vencidas. A falta de recursos físicos e humanos nas delegacias e nas Varas dificulta a persecução penal. Há ainda um grande desconhecimento da lei por parte das vítimas, além de motivos de natureza cultural e psicológica - tais como vergonha e sentimento de ligação afetiva ao companheiro -, que contribuem para os baixos índices de notificação.
A superação da violência doméstica requer abalos na ordem social, cujas raízes patriarcais contribuem para (re)produzir um sistema de relações sociais baseado numa hierarquia na qual o homem ocupa o pólo dominante e a mulher o dominado. A promulgação de uma lei como essa - batizada de Lei Maria da Penha, em homenagem à cearense que, em 1983, sofreu duas tentativas de homicídio cometidas pelo marido e ficou paraplégica - contribui para romper esses paradigmas, desnaturalizando- os e retirando a violência doméstica da invisibilidade do âmbito privado. É, sem dúvida, uma vitória de toda a sociedade, que valoriza a paz, os direitos humanos e a igualdade entre todos.
No lugar do bordão "Em briga de marido e mulher, não se mete a colher", o combate à violência doméstica traz como lema uma frase da deputada Jandira Feghali, relatora do projeto:"Dois pontos no rosto. Quatro pontos na mão. Três pontos na perna. Vários pontos na alma. Um ponto final".
Luana Pinheiro é pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
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