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Sociedade - Gordos e magros malnutridos

2005. Ano 2 . Edição 7 - 1/2/2005

Pesquisa que revela o aumento da obesidade entre brasileiros mostra que as pessoas se alimentam mal e que a pobreza continua a ser um drama nacional.
 


Por Clarissa Furtado e Ottoni Fernandes Jr., de Brasília

gordoNão é difícil flagrar pessoas obesas nas ruas de grandes cidades, como São Paulo.

Um pouco antes do Natal, uma pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) provocou ondas de choque na sociedade brasileira e repercutiu em importantes jornais do exterior, como o The New York Times. Deixou transparecer que o Brasil enfrenta problemas de países ricos, pois teria uma imensa população obesa e poucos magros.

Com a informação, muita gente passou a questionar se vale a pena o país gastar dinheiro em programas de transferência de renda, especialmente no combate à fome, uma vez que apenas 4% das pessoas com mais de 20 anos de idade apresentam déficit de peso. No entanto, uma análise mais atenta da pesquisa mostra um retrato dramático, pois a quantidade de calorias fornecida pelos alimentos consumidos nos lares brasileiros é inferior ao mínimo recomendado e pode haver muita gente desnutrida, mesmo que apresente excesso de peso.

A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do IBGE, foi realizada entre julho de 2002 e julho de 2003, em 48.470 domicílios que compõem uma amostra da realidade brasileira. Avaliou os padrões de consumo familiar e a disponibilidade de alimentos nas residências e revelou que os gastos com alimentação representam 20% das despesas na região urbana e 34% na zona rural. O peso e a altura de cada um dos membros das famílias foram medidos para determinar o IMC, Índice de Massa Corpórea (peso dividido pelo quadrado da altura, medido em quilogramas por metro quadrado).

Segundo a POF, apenas 3,8 milhões de pessoas com idade superior a 20 anos apresentam déficit de peso, pois têm um IMC menor ou igual a 18,5 kg por m2, sendo 2,8% entre os homens e 5,2% entre as mulheres. Na análise estatística, o IBGE considera que os resultados não indicam "a exposição da população adulta à desnutrição". Na média, 4% dos adultos brasileiros sofrem de déficit de peso, o que está dentro "da proporção esperada de indivíduos constitucionalmente magros", segundo o relatório da POF 2002-03.

A conclusão ensejou idéias confusas, como a de que a fome é um problema superado há muito tempo no país. Afinal, pelos padrões internacionais não há desnutrição em países em que menos do que 5% da população tem IMC inferior a 18,5 kg por m2. Na Índia 49% da população tem IMC menor do que 18,5 kg por m2. Na Etiópia são 38%. A POF 2002-03 também revela outro problema de saúde, pois 10,5 milhões de pessoas acima dos 20 anos são consideradas obesas por apresentarem IMC igual ou superior a 30 kg por m2. Destas, 8,9% são homens e 13,1% mulheres.

É um retrato que pode ser considerado típico de países ricos. Como o Brasil não é um país rico e há uma enorme população passando fome, a ilusão estatística se explica devido à desigualdade social existente. Para Nathalie Beghin, pesquisadora da Diretoria de Estudos Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), convivem no Brasil situações típicas de países do Primeiro Mundo, como a obesidade ou a alta incidência de mortes por câncer ou doenças cardiovasculares, ao mesmo tempo que a mortalidade infantil está na faixa de 28 por 1.000 nascidos vivos, característica do Terceiro Mundo. Portanto há dois países bem distintos dentro do território brasileiro, fato que vem dos tempos coloniais e sofreu poucas alterações ao longo dos séculos.

Uma leitura mais profunda do relatório "Análise da disponibilidade domiciliar de alimentos e do estado nutricional do Brasil" da POF 2002-03, feito a partir da avaliação detalhada da aquisição de alimentos pelas famílias brasileiras, comprova a existência de um trágico quadro alimentar. Entre os entrevistados, 47%, ou seja, quase a metade, disseram que a quantidade de alimentos que ingerem não é suficiente para atender às suas necessidades.

Na opinião de José Graziano da Silva, assessor especial da Presidência da República e um dos idealizadores do programa Fome Zero, os resultados da POF 2002-03 mostram uma realidade assustadora. "Praticamente metade da população sofre com insegurança alimentar, que é um conceito mais amplo e consagrado internacionalmente, pois tem um caráter social e avalia se a pessoa está satisfeita com a quantidade e a qualidade dos alimentos que ingere." 

A quantidade de calorias fornecida pelos alimentos consumidos nos domicílios brasileiros caiu ao longo do tempo. Em 1974-75, quando foi realizado o Estudo Nacional de Despesa Familiar (Endef), do IBGE, o total de calorias suprido pelos alimentos adquiridos nas residências era de 1.700 kcal/dia por pessoa. Entre 2002 e 2003 caiu para 1.502 kcal/dia, segundo a POF. O valor atual é muito inferior ao mínimo recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de 1.900 kcal/dia para pessoas que exercem uma atividade física moderada, ou 2.300 kcal/dia para quem tem uma atividade normal.

Entretanto, a redução do suprimento calórico pelos alimentos consumidos em casa pode ser uma decorrência de mudanças de hábitos, pois a alimentação fora do domicílio representou 26% das despesas com alimentação nas áreas urbanas e 13% na região rural, de acordo com a POF 2002-03. Nas famílias com rendimentos mensais inferiores a 400 reais, os gastos com alimentação fora de casa representam somente 12% do total das despesas com alimentação, indicando que estão mais expostas a um déficit nas calorias fornecidas nas refeições.

A tabela da POF 2002-03 que mostra o suprimento calórico dos alimentos adquiridos nas residências também fornece pistas sobre a desigualdade no acesso à alimentação, determinado pela renda mensal familiar. Entre as famílias em que a renda mensal per capita é inferior a 25% do salário mínimo, os alimentos adquiridos em casa fornecem apenas 1.485 kcal/dia, enquanto naquelas com renda superior a cinco salários mínimos per capita o suprimento calórico sobe para 2.075 kcal/dia.

O impacto da renda sobre o peso das pessoas também é evidente, pois nas famílias de renda per capita inferior a 25% do salário mínimo, 4,5% dos homens e 8,5% das mulheres têm déficit de peso. Naquelas com renda per capita superior a cinco salários mínimos, apenas 1,3% dos homens e 3,3% das mulheres sofrem com déficit de peso, mas a proporção de obesos cresce para 13,5% entre os homens e 11,7% entre as mulheres.

Hábitos Para Anna Peliano, diretora de Estudos Sociais do Ipea, a Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE mostra um quadro socialmente terrível ao apontar que 47% dos brasileiros acima de 20 anos têm dificuldade de acesso a alimentos. Segundo ela, a pesquisa comprova que existe um déficit alimentar e nutricional no Brasil, pois 49 milhões de pessoas vivem com renda mensal equivalente a meio salário mínimo (130 reais), inferior ao custo da cesta básica calculada pelo Dieese, que era de 146 reais em novembro de 2004 (leia o artigo Fome e desnutrição em debate).

Pior: as mudanças nos hábitos alimentares, com o aumento das refeições fora do domicílio e o alto consumo de alimentos muito calóricos e de pouco valor nutricional, como refrigerantes e lanches rápidos, mesmo pela população de baixa renda, estão criando novos problemas de saúde e tornam necessários programas de educação alimentar a ser conduzidos pelo governo e pela sociedade civil. O relatório da POF indica que há consumo excessivo de açúcar e insuficiente de frutas e hortaliças em todas as regiões e faixas de renda.

O médico Flávio Schiek Valente, que participou do núcleo diretor do Comitê Permanente de Nutrição da Organização das Nações Unidas (2001-04), insiste que medidas antropométricas como as usadas na montagem da POF não conseguem captar as deficiências de micronutrientes que podem ter uma repercussão muito séria no estado nutricional dos adultos, especialmente das mulheres com filhos por nascer. Para ele, pessoas podem estar passando fome, comendo restos de alimentos ou refeições nutricionalmente desbalanceadas, e não apresentar deficiência mensurável no Índice de Massa Corpórea.

Na avaliação de Marcelo Medeiros, do Centro Internacional de Pobreza, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), que funciona em Brasília, "não é possível fechar os olhos para os bolsões de pobreza existentes no Brasil, onde existe fome e desnutrição". A própria definição de pobreza tem de ser circunstanciada, pois não está ligada apenas à insuficiência de renda, mas também à saúde e à educação, afirma. Um mapa com a localização desses bolsões foi mostrado em meados de janeiro, quando foi apresentado em Brasília o relatório da ONU que avalia o que precisa ser feito para que sejam cumpridos até 2015 os Objetivos do

Milênio, para reduzir a pobreza e melhorar a qualidade de vida no mundo. Apesar de o Brasil ter avançado no cumprimento de diversas das metas, José Carlos Libânio, coordenador de avaliação de políticas do Pnud, advertiu que os índices médios devem ser evitados, pois existem no país bolsões de pobreza com padrões africanos. Foram apontadas 13 regiões brasileiras, envolvendo 600 cidades, com 26 milhões de habitantes, mesmo nos estados mais ricos, em que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,475, igual ao de Uganda, na África, que ocupa a 147ª posição entre os países, de acordo com o IDH, enquanto a média brasileira coloca o país no 65° posto na classificação. Para mudar a realidade nessas regiões, sugere Libânio, é necessário focalizar as ações e agir rapidamente. 

A Bolsa Família do governo federal é um dos programas que o Pnud considera adequado para combater a miséria e a desigualdade. Implementado a partir do ano passado, com a unificação de diversos programas de transferência de renda existentes desde o governo Fernando Henrique Cardoso e a incorporação do Fome Zero, ele abrigava 6,6 milhões de famílias, em 5.533 municípios no final do ano passado e pretende atingir 8,5 milhões de famílias até o final deste ano. O Bolsa Família transfere de 15 a 95 reais para cada família, dependendo do número de filhos com até 14 anos, e exige comprovação de que as crianças foram vacinadas e freqüentam a escola.

Para Ricardo Paes de Barros, pesquisador do Ipea, programas como o Bolsa Família são importantes, mas devem ser aprimorados. Um de seus méritos é a exigência de condicionalidades, o que contribui para melhorar o padrão educacional e de saúde das famílias, além de combater a fome. "Muita gente no Brasil não passa fome porque come restos de comida ou tem acesso a refeitórios comunitários", lembra. Mas, segundo ele, os programas sociais têm de ser mais abrangentes e não apenas garantir o acesso à comida em condições dignas.

Barros considera prioritário que o cadastro das famílias atendidas pelo Bolsa Família seja mais bem qualificado para definir com precisão qual parcela da população tem maiores necessidades e focalizar esforços. Um dos modelos que considera bem-sucedido é o chileno. No Chile as famílias beneficiadas são visitadas periodicamente por assistentes sociais que avaliam a situação da saúde, da educação, da formação profissional e do emprego de cada beneficiado.

Algo semelhante deveria ser feito no Brasil, especialmente com o grupo de 5% das famílias mais pobres, propõe. Agentes comunitários apontariam os programas sociais governamentais ou do Terceiro Setor que poderiam beneficiá-las, desde a aposentadoria paras os idosos até a capacitação profissional para os jovens, passando por noções de medicina preventiva e pelo combate ao trabalho infantil. Esses programas mais focalizados deveriam ter validade limitada, de dois anos, por exemplo, como ocorre no Chile, propõe Barros.

Integração A proposta é dar um atendimento integral à família e não apenas combater a fome. Se houve um avanço com a unificação de várias iniciativas através do Bolsa Família, ainda há espaço para avançar e evitar a fragmentação das ações governamentais. Peliano, do Ipea, lembra que os milhares de agentes de saúde comunitários podem ser envolvidos nas ações do Bolsa Família, pois já atuam diretamente no atendimento domiciliar, em ações de saúde preventiva. Segundos dados do Ministério da Saúde, existem 192.735 agentes comunitários atuando através das prefeituras.

Graziano recorda que no início do Fome Zero os agentes comunitários tinham um papel mais ativo e que o próprio cadastro do Sistema Único de Saúde no Nordeste foi utilizado para identificar quem deveria ser contemplado. Para ele, "havia um conceito integrado, que se perdeu com a ampliação do programa, através do Bolsa Família, mas que deve ser resgatado". Ele menciona o caso da cidade de Guaribas, no Piauí, a primeira a ser atendida pelo Fome Zero, como um bom exemplo do sucesso de ações integradas, do combate à insegurança alimentar ao fornecimento de água e melhorias da infra-estrutura, pois o IDH do município melhorou muito.

Quem já era contra os programas de transferência de renda aproveitou a divulgação da POF 2003-03 para recalibrar suas baterias e tentar enfraquecer as ações governamentais de combate à fome. A realidade, porém, é que o Brasil convive com dramáticas desigualdades e a fome e a miséria ainda são problemas muito graves que precisam ser combatidos através de políticas públicas e da mobilização da sociedade.

Os investimentos na montagem de uma rede de proteção social, que abrange programas de assistência social e de transferência de renda, têm crescido. Passaram de 1,75% do Produto Interno Bruto em 1995 para 2,46% em 2003, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Agora, o desafio é estimular a integração dos diversos níveis de governo e da sociedade civil e aumentar a eficiência na transferência dos recursos. Com um trabalho bem-feito, o Brasil poderá ter obesos, ainda, mas gordos e magros serão mais bem nutridos e saudáveis.

 
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