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Internacional Argentina um vizinho barulhento - As lições que a tragédia macroeconômica pode ensinar

2005. Ano 2 . Edição 11 - 1/6/2005

Da moratória à renegociação da dívida.
Da crise à retomada do crescimento.
As lições que a tragédia argentina pode ensinar.
 

Por Andréa Wolffenbüttel, de São Paulo

Uma conhecida canção, escrita por um compositor argentino exilado em Barcelona, na Espanha, durante os anos da ditadura militar, perguntava de forma inegavelmente saudosa ¿Como estará Buenos Aires cuando llegue el invierno? Especificamente neste junho de 2005, o inverno encontra uma Argentina castigada, temerosa, porém com a reconfortante sensação de ter acertado o caminho da reconciliação com a dura realidade do mercado financeiro mundial. Depois da moratória decretada na última semana de 2001 por um presidente que permaneceu no cargo apenas sete dias, o governo conseguiu renegociar boa parte de sua dívida e limpar, pelo menos parcialmente, o nome da Argentina no sistema de proteção ao crédito do mundo. A taxa de adesão dos credores foi de 76% e o valor total da dívida caiu de 191 bilhões para 125 bilhões de dólares, sem mencionar outros detalhes importantes que facilitarão o pagamento. A operação foi classificada como uma estrondosa vitória pelo governo, apesar de ter varrido para debaixo do tapete os 24% que não aceitaram as condições propostas, o que representa um barulhento grupo que levou um calote de 20 bilhões de dólares (leia mais sobre o assunto na edição nº 10 de Desafios).

Com uma dívida menor pesando no bolso e registrando crescimento significativo, da ordem de 8%, do Produto Interno Bruto (PIB) desde 2003, o cenário argentino começou a despertar certo sentimento de inveja nos vizinhos de fala portuguesa. O Brasil tem se comportado bem nos últimos anos e entregou com capricho todas as lições de casa exigidas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), no entanto a economia não decola e às vezes até anda para trás. Uma fotografia do desenvolvimento batida hoje em ambos os países mostraria uma curva ascendente maior do lado argentino, mas, retrospectivamente, a queda do PIB per capita foi muito maior no país vizinho. No aspecto político, a situação também está mais tranqüila para os argentinos. O presidente Néstor Kirchner desfruta de apoio popular muito mais amplo do que seu correspondente brasileiro. Assim como o ex-presidente Sarney, em 1987, ele é saudado como um defensor da soberania nacional. Um dos nomes que não escondem a admiração pela dureza com que a Argentina tratou seus credores é o três vezes ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira. "Não somos nós que estamos nos comportando bem, são eles. Bem-comportado é o governo que obedece aos interesses de seu povo e não aos dos investidores internacionais. Nós temos um governo perdulário, que gasta o dinheiro público pagando juros absurdos ", dispara. Ele apressa-se a explicar que não defende nenhuma forma de moratória unilateral, apenas acha que a trajetória argentina deve servir para reflexão. "Aqui aceitamos todas as condições impostas pelo mercado internacional e, mesmo assim, freqüentemente somos ameaçados com o aumento do risco-país e a fuga de investimentos. Sempre há uma nova desculpa, como na fábula do lobo e do cordeiro no riacho. De nada adiantam os argumentos bem fundamentados do cordeiro porque ele acaba inevitavelmente devorado pelo lobo. Do mesmo modo o mercado é guloso e não respeita quem o teme . "

Sorte A renegociação dos títulos da dívida argentina foi mesmo efetuada em bases vantajosas: os credores aceitaram trocar os papéis por outros com um quarto do valor, ou seja, concordaram em receber 25 centavos para cada dólar a que tinham direito. Quem não atendeu o chamado teoricamente não verá a cor de dinheiro algum. Porém o mérito não é exclusivo da ousadia dos governantes vizinhos. Uma conjunção de fatores no primeiro trimestre de 2005 deu uma mãozinha determinante ao processo. As taxas de juro nos Estados Unidos caíram, houve aumento de liquidez na economia e boa vontade generalizada em relação aos mercados emergentes. Se a data para a renegociação fosse 60 dias antes ou depois, o humor dos credores poderia ter sido outro e o desfecho da história um pouco diferente. Mas contando com a sorte ou não, a renegociação estava fadada a dar certo por conta de mecanismos internos do mercado financeiro. Desde que ficou claro que a economia argentina caminhava para o colapso, os papéis da dívida passaram a ser negociados a preços cada vez mais baixos. Investidores profissionais, que possuíam três quartos dos títulos, se apressaram a repassá-los e eles foram vendidos sucessivas vezes, ficando cada vez mais baratos. Quando chegou o momento da renegociação, os detentores da dívida haviam comprado os papéis a preços muito próximos do valor que o governo argentino ofereceu para troca, alguns até por menos. "Ao contrário do que muitos dizem, a proposta da Argentina não foi descabelada. A avaliação do FMI é que essa é a capacidade de pagamento dela, portanto não surpreendeu nem ofendeu o mercado ", diz Paulo Vieira da Cunha, economista-chefe para América Latina do banco HSBC. Ele ainda avisa que, na primeira negociação dos títulos da dívida, o valor cairá. "Provavelmente a notícia se espalhará como um sintoma de desconfiança em relação ao compromisso argentino, mas não é. São apenas ajustes técnicos. " A conclusão definitiva da reestruturação da dívida foi retardada porque um dos credores entrou com um embargo na Justiça norte-americana e conseguiu parecer favorável. Com isso, os novos títulos, que deveriam ter sido distribuídos no dia 1º de abril, só começaram a ser entregues no final de maio, depois que o governo argentino conseguiu suspender o bloqueio.

Castigo Esse desfecho da renegociação frustrou algumas expectativas muito divulgadas na ocasião. Primeiro, o mercado financeiro não foi punido nem perdeu tanto, ou melhor, o prejuízo foi diluído entre muitos. E como conseqüência o inferno argentino em relação aos investidores não é tão quente nem vai durar como se esperava. Em segundo lugar, o FMI não foi tão desafiado assim, e na próxima rodada de negociações deverá ser mais flexível na hora de impor suas condições, sobretudo no que diz respeito às metas de rigor fiscal, ramo ao qual o governo argentino tem se mostrado historicamente muito refratário. Por tudo isso, o ex-presidente do Banco Central Carlos Lessa vaticina que dentro de dois anos a Argentina terá um risco-país inferior ao brasileiro e toda a catastrófica bancarrota de 2001 terá sido esquecida. O pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Fabio Giambiagi não é tão otimista em relação às perspectivas argentinas, mas admite que os dois países deverão estar em situação muito próxima dentro de cinco anos. Porém lembra que a trajetória recente de ambos não tem semelhança e não há razão para que o Brasil pense em adotar nenhum procedimento parecido ao do vizinho. "As circunstâncias argentinas e o processo resultante são muito distintos das condições brasileiras, e não faz sentido algum querer aplicar aqui o que foi feito lá. " Uma das diferenças determinantes, lembra Giambiagi, é a composição da dívida. Enquanto no Brasil a parte externa da dívida pública é de apenas 7% do PIB, na Argentina a proporção é dez vezes maior. Portanto, qualquer tipo de calote no Brasil prejudicaria, acima de tudo, os próprios brasileiros.

Na moratória argentina quem ficou com a parte mais amarga do prejuízo foram os chamados buyer hold long, que, ao pé da letra, quer dizer "compradores que abraçam por longo tempo ", isto é, quem compra títulos para permanecer com eles e não para arriscar diariamente na ciranda financeira. Normalmente não são investidores profissionais, senão pessoas físicas que aplicam suas economias em papéis com o objetivo de aumentar o "pé-de-meia ". Eles compraram caro os títulos da dívida argentina, foram surpreendidos com a moratória e se sentiram aviltados com a proposta de trocar seus papéis por outros valendo apenas um quarto do preço original. Esse grupo representa os 24% que ficaram fora da renegociação. O presidente Kirchner declarou que simplesmente vai ignorá-los, mas todos sabem que é impossível. Sobretudo porque são basicamente investidores italianos, suíços e norte-americanos . O problema é muito mais político do que econômico, já que os governos desses países sentem-se na obrigação de dar alguma satisfação a seus eleitores logrados. Entretanto a margem de manobra é pequena e o caminho é um só. Os argentinos terão, inevitavelmente, de deixar de ignorar o grupo e sentar-se à mesa de negociações com ele. Por outro lado, os credores terão de aceitar as mesmas condições oferecidas anteriormente, uma vez que qualquer vantagem extra geraria uma torrente de processos por parte daqueles que trocaram os títulos na primeira convocação. Em outras palavras, em breve os 20 bilhões de dólares que estão nas mãos dos buyer hold se transformarão em cinco bilhões. É só uma questão de tempo.

Escolhas Aliás, a administração do tempo foi fator o fator determinante para evitar que o Brasil terminasse dançando no mesmo ritmo argentino. Houve um momento em que ambos mantinham a paridade de suas moedas em relação ao dólar e garantiam o crescimento à custa de poupança externa. Em 1998, o sistema brasileiro começou a dar sinais de que se tornaria insustentável. Como as amarras aqui não eram tão fortes quanto as de lá, em janeiro de 1999 o Banco Central aceitou a flutuação cambial, depois de queimar quase 50 bilhões de dólares de suas reservas tentando manter a cotação. O real despencou, um monte de gente perdeu os anéis, mas os dedos salvaram-se. As exportações se expandiram e passaram a tomar novos mercados, incluindo os dos produtos dos vizinhos. A sustentabilidade da economia argentina dependia de um nível seguro de ingresso de dólares para bancar todos os compromissos assumidos com base na moeda estrangeira, e as torneiras começaram a secar. Os governantes argentinos sabiam que, mais cedo ou mais tarde, teriam de abandonar a conversibilidade, mas ninguém ousava fazê-lo porque a crise seria enorme.

"É fácil bancar o técnico de futebol na segunda-feira. Difícil é tomar as decisões quando a bola ainda está rolando ", diz Daniel Heiymann, macroeconomista do escritório da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), ligada à Organização das Nações Unidas. Mas tentando escapar da tempestade, a Argentina acabou tendo de enfrentar um naufrágio. Entre 1999 e 2001, o PIB argentino encolheu 8,4% e depois da inevitável moratória caiu ainda mais. Em 2002, a redução chegou na casa dos 10%. "Como estão vindo muito de baixo, os argentinos estão atravessando com tranqüilidade este momento, mas é bom lembrar que ainda convivemos com taxas de desemprego de 12% e, mesmo com sucessivos crescimentos do PIB, ainda não voltamos ao patamar de 1998 ", alerta Heynemann, da Cepal. Os próprios argentinos são os primeiros a desestimular qualquer um que pense em seguir seus passos. O ministro da Economia, Roberto Lavagna, declarou para quem quisesse ouvir que a Argentina não deve servir de exemplo para nenhum país em dificuldades econômicas. "Ninguém deve planejar uma reestruturação ao estilo argentino. O preço a pagar por tal plano é tão alto que decididamente não podemos ser precedentes para outros países, nem sequer para nós mesmos. " A questão, como se viu, é que o verbo "planejar " teve uma participação muito pequena no desenrolar dos acontecimentos.

Indústria Diante do debate sobre o exemplo argentino, há quem veja mais semelhanças do que diferenças entre os dois vizinhos, porém não no passado, senão no futuro. "Se o Brasil insistir no modelo atual, baseado em exportações e dependência de moeda estrangeira, e não se voltar para o mercado interno, corre o risco de entrar numa crise também ", diz Rafael Freire, diretor executivo da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Com o olhar voltado mais para o mundo produtivo do que para os aspectos macroeconômicos, o sindicalista toca em um tema delicado que precisa ser encarado pelo governo argentino: a sistemática falta de política industrial, que acabou por levar ao desmantelamento do parque produtivo. "Nós devemos nos resignar com o fato de que nos anos 90 fizemos uma Argentina absolutamente dependente, nós a esvaziamos, nós a quebramos ", admitiu o presidente Kirchner, insistindo que a tarefa "agora é recuperar o sentido de reindustrializar a Argentina ". E é justamente nesse campo que o Brasil ora joga como parceiro, ora como adversário. Freire, da CUT, acha que o papel do Brasil é ajudar a Argentina, abrindo as portas do mercado mundial por meio do Mercosul. "Negociações com os países árabes e asiáticos iniciadas recentemente pelo Brasil também podem servir para a Argentina ", diz ele. A sugestão conciliadora é muito adequada para quem quer formar um bloco, mas de difícil execução para quem vive envolto em eternos conflitos comerciais. O mesmo Kirchner que admite estar no comando de um país dependente acusa o empresariado paulista de querer concentrar em São Paulo o desenvolvimento e deixar "sem indústrias " o restante da América Latina. O problema é que nos últimos três anos a Argentina se desenvolveu ocupando capacidade ociosa, mas agora o espaço acabou, e para crescer mais é preciso gastar. Portanto, para reestruturar sua indústria, vai necessitar de investimentos estrangeiros diretos, e nesse campo bate de frente com o Brasil. Especialmente porque durante a pior fase da crise algumas empresas, sobretudo do setor de autopeças, fecharam as portas na Argentina e se mudaram para o lado de cá da fronteira.

Afinidades Pirraças à parte, a verdade é que Brasil e Argentina estão condenados à vizinhança geográfica, histórica e econômica. A discussão sobre seguir ou não os exemplos alheios só existe porque os dois patinam e derrapam na mesma realidade: a falta de recursos próprios para suprir suas necessidades. Ao ter de apelar repetidas vezes ao FMI, ambos deparam com as exigências de Washington e o dilema de se submeter ou se rebelar. Não existe receita sobre como se conduzir e a cada nova rodada de negociações todos os riscos precisam ser reavaliados. Os dois já ousaram decretar moratória, os dois pagaram caro por isso, os dois se recuperaram e viveram outras e outras crises mais. Apesar de tudo, a declaração do presidente argentino Roque Saenz Peña, que, em visita ao Brasil, em 1910, afirmou que "tudo nos une e nada nos separa ", ainda está longe de ser aceita no coração dos irmãos de continente, que insistem em se comportar como se estivessem sempre jogando uma final de Copa do Mundo. Em vez de estar em campos opostos, Argentina e Brasil são dois grandes aliados comerciais. É só consultar a balança comercial. Entre 2003 e 2004, quando o PIB argentino cresceu 9%, nossas exportações para lá aumentaram mais de 60%. Alguém ainda tem dúvida sobre quem mais se beneficia com o desenvolvimento argentino?

 
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