2005. Ano 2 . Edição 12 - 1/7/2005
Apenas 23% dos 127 mil cientistas e engenheiros existentes no país trabalham em empresas privadas, mas novos incentivos procuram mudar esta realidade
Por Lia Vasconcelos, de Brasília
Cresce no Brasil a consciência de que é necessário investir em pesquisa para garantir aumento de produtividade na atividade econômica e produzir um salto tecnológico. O exemplo do agronegócio brasileiro, que conquistou padrão de excelência em escala mundial, sustentado pelo desenvolvimento tecnológico, comprova que vale a pena trilhar esse caminho. Mas ainda há um longo percurso pela frente, especialmente no setor industrial, pois as empresas instaladas no país investem pouco em pesquisa e desenvolvimento (P&D) voltados para a inovação tecnológica. E o risco de perder espaço para outros países é grande, como já lembrava na década de 30 o físico neozelandês Ernest Rutherford, um dos pioneiros da física nuclear: "A ciência está destinada a desempenhar um papel cada vez mais preponderante na produção industrial. E as nações que deixarem de entender essa lição serão inevitavelmente relegadas à posição de nações escravas: cortadoras de lenha e carregadoras de água para os povos mais esclarecidos ".
De maneira ainda tímida, o Brasil começa a perceber esse risco. Depois de aprovar a Lei de Inovação, no final do ano passado, o governo editou em junho uma medida provisória com incentivos fiscais para que as empresas contratem engenheiros e cientistas voltados para a inovação tecnológica e a pesquisa aplicada. Até então, o tema P&D ficava praticamente restrito ao ambiente acadêmico. Dos 123 mil cientistas e engenheiros brasileiros, 72% estavam nas universidades e 23% nas empresas privadas, em 2001, como revelou Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em seu artigo "A universidade, a empresa e a pesquisa que o país precisa ". Nos Estados Unidos, a relação é inversa: 79% de quase 1 milhão de cientistas e pesquisadores estão na iniciativa privada e 13% estão no ambiente acadêmico. A Coréia do Sul, que investiu pesadamente em pesquisa aplicada nos últimos 25 anos, tem 100 mil cientistas e engenheiros trabalhando nas empresas.
"Essa deficiência causa profundos danos à capacidade de competir da empresa brasileira, uma vez que a inovação tecnológica é criada muito mais na empresa do que na universidade, cuja missão específica é educar profissionais e gerar conhecimentos fundamentais ", sustenta Brito. O estudo "Inovações, padrões tecnológicos e desempenho das firmas industriais brasileiras ", do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), comprova as conseqüências da concentração dos esforços de pesquisa no ambiente acadêmico: de um universo de 72 mil empresas com mais de dez funcionários, apenas 1,7% do total promove inovações tecnológicas e diferencia seus produtos. A boa notícia é que, segundo o estudo, as empresas de capital nacional têm realizado maior esforço de P&D interno do que as estrangeiras (leia mais na seção Indicadores).
Um bom exemplo vem da Lupatech, empresa de metalurgia e mecânica fina, de Caxias do Sul, que já trazia o gene da inovação desde quando foi fundada, em 1980. Lá, a presença de cientistas e engenheiros envolvidos com pesquisa e desenvolvimento foi crucial para a obtenção da patente mundial de um sistema usado no processo de moldagem por injeção de pós metálicos e cerâmicos. Waldyr Ristow Júnior, gerente de tecnologia da empresa, conta que começou a trabalhar na companhia em 1993 com a missão de coordenar a transferência de tecnologia que a Lupatech acabara de adquirir da Parmatech, da Califórnia. Era uma das técnicas mais avançadas na área de metalurgia para a fabricação de ferramentas de precisão usadas na montagem de circuitos integrados na indústria de informática. "Eu já tinha terminado o mestrado e o doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde estava há 15 anos, e queria ter uma experiência na indústria. Queria transformar conhecimento em riqueza ", diz. Com essa convicção, Ristow desistiu de ir para uma universidade na Inglaterra, continuar sua pesquisa em engenharia de materiais, e optou pela Lupatech.
"Dentro da universidade, as pessoas ficam limitadas e não conhecem os projetos de inovação da indústria nacional. É fundamental que as empresas aproveitem os talentos da academia. Esse movimento ainda é embrionário no Brasil, mas está começando ", acredita. Por outro lado, também é importante que os cientistas e engenheiros que trabalham no setor privado acompanhem a produção científica acadêmica. A participação em congressos e seminários, é um meio de atualização constante e permanente. Foi o que fez Ristow, e com bons resultados. "Continuo em contato com os colegas da UFSC e aproveitei muito em benefício da empresa. A patente registrada pela Lupatech no exterior deve muito a essa troca ", afirma.
Diferencial "A vantagem de ter pesquisadores na empresa é inovar em processos e produtos permanentemente para criar um diferencial, o que é obrigatório para quem deseja competir no mercado internacional. O momento é bom. As indústrias nacionais estão despertando para isso ", confirma Nestor Perini, presidente da Lupatech, que acabou de receber a primeira parcela, de 40%, dos 8 milhões de reais aprovados pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) para a implementação de seu Centro de Pesquisa e Desenvolvimento. Quinze dos 1,1 mil funcionários da companhia serão deslocados para trabalhar nesse Centro.
Apesar de ser um bom sinal, o mero despertar das empresas não basta. Para gerar e alimentar um círculo virtuoso é imperativo criar estímulos para que a indústria contrate cientistas e engenheiros altamente qualificados. Confiante no potencial de demanda, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes), ligada ao Ministério da Educação (MEC), estabeleceu a meta de formar 45 mil mestres e 16 mil doutores por ano a partir de 2010. A proposta é ambiciosa, mas pode ser atingida, como revela o crescimento do número de cursos de pós-graduação, que subiu de 673 em 1976 para 2,9 mil em 2004, conforme o levantamento da Capes. "O aumento de demanda por pessoal qualificado tem relação direta com a crescente necessidade de inovação por parte das empresas ", acredita João Alziro Herz da Jornada, presidente do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro). Para ele, a necessidade de competir no mercado internacional impõe que as empresas nacionais agreguem valor em seus produtos por meio da inovação em ciência e tecnologia.
Na opinião de Brito Cruz, da Fapesp, a capacidade tecnológica da empresa brasileira é limitada. "Tem qualidade, mas pouca tecnologia. " O estado, segundo ele, apesar de grande investidor e financiador de P&D no país, ainda não criou mecanismos de apoio à pesquisa na empresa. Dados do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) indicam que o gasto público com pesquisa e desenvolvimento em 2000 foi equivalente a 0,58% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto os dispêndios empresariais representaram 0,42% do PIB. O gasto total em P&D foi, portanto, de 1% do PIB, o que significou cerca de 11 bilhões de reais, pouco em relação aos países mais desenvolvidos, que investem de 2% a 3% do PIB. "Ciência e tecnologia representam investimentos de alto risco e de longo prazo. Muitas vezes o setor privado não tem como arcar esse custo sozinho. A instabilidade econômica também não ajuda ", afirma Brito Cruz.
Encomendas Para mudar essa realidade, é necessário um programa de incentivo à realização de P&D dentro das empresas por meio, por exemplo, de uma política de encomendas tecnológicas e contratos por parte do governo, incentivos fiscais e apoio à infra-estrutura de pesquisa. A política industrial, científica e tecnológica do governo federal procurou dar uma resposta a esse desafio. O ponto de partida foi a Lei de Inovação, aprovada no final de 2004, que prevê incentivos fiscais para investimento em P&D e para a contratação de professores. A medida provisória editada em junho procurou materializar as promessas, pois prevê um mecanismo de subvenção de 50% dos gastos na contratação de mestres e doutores para trabalhar nos departamentos de P&D da iniciativa privada, entre muitas outras medidas. Os recursos viriam do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), como explica Francelino Lamy de Miranda Grando, secretário de Política de Informática e Tecnologia do MCT. "A medida provisória propõe um programa de bolsas para estimular a fixação de mestres e doutores nas indústrias, para enfrentar o grave problema da inexistência no Brasil de uma cultura de inovação como fator de competitividade nacional e internacional. Acredito que por causa da subvenção pelo menos 1.000 doutores sejam contratados pelas empresas já no ano que vem ", prevê Grando. Ele afirma ser possível que em cinco anos 40% de todos os mestres e doutores formados anualmente estejam trabalhando nas indústrias nacionais. A estimativa é que o governo abra mão de 1,5 bilhão de reais neste ano com as isenções tributárias anunciadas, que permitirão também lançar como despesa o dobro do valor que as empresas investirem em P&D, com a conseqüente redução do Imposto de Renda a pagar.
Ajustes O sistema de ensino universitário brasileiro também terá de promover ajustes para atender a uma demanda ampliada de pesquisadores na área de tecnologia aplicada. Na opinião de Guilherme Ary Plonski, diretor da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (Anpei), os cursos de mestrados profissionais são muito importantes, dirigidos para necessidades específicas de determinados setores industriais. É o caso do mestrado em Engenharia Aeronáutica que o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), de São José dos Campos, em São Paulo, promove com financiamento da Embraer. Jorge Almeida Guimarães, presidente da Capes, reconhece a necessidade de mudanças. "A pós-graduação é recente e ainda não houve no país a consolidação do conceito de que a universidade é, por excelência, a geradora de recursos humanos qualificados. " Uma das formas de estreitar o vínculo entre universidades e empresas seria fornecer bolsas e subsídios salariais para que doutorandos concluam suas teses trabalhando em centros de pesquisas de indústrias, defende Gina Paladino, diretora executiva no Paraná do Instituto Euvaldo Lodi, braço da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Até agora, faltou incentivo para que as empresas brasileiras investissem em pesquisa e desenvolvimento e buscassem maior contato com a universidade, que não faz feio em sua vocação acadêmica, pois o país tem ocupado cada vez mais espaço no panorama mundial da ciência. Alguns indicadores refletem com clareza o efeito da política nacional de formação de recursos humanos para ciência e tecnologia e da absorção dessas pessoas pelas universidades. De acordo com o Institute for Scientific Information (Instituto de Informação Científica), dos Estados Unidos, o número de artigos publicados pelo Brasil em periódicos científicos internacionais indexados cresceu de um patamar histórico em torno de 2 mil por ano na década de 80 para exatos 11.285 trabalhos em 2002, o que representa 1,55% do total mundial. É um resultado vistoso, mas a Coréia do Sul, cuja universidade é mais voltada para a pesquisa tecnológica, superou o Brasil, pois seus cientistas publicaram 15.643 artigos em 2002, ou 2,14% do total. Até 1996, a produção de artigos por cientistas da Coréia do Sul ficava muito atrás da produção brasileira, no entanto a curva se inverteu depois daquele ano, o que indica não haver contradição entre um direcionamento tecnológico das universidades e sua representação acadêmica.
A história muda de figura quando a inovação tecnológica é usada como parâmetro. Uma maneira internacionalmente reconhecida para medir a intensidade de inovação de um país é contar o número de patentes registradas em mercados competitivos, principalmente nos Estados Unidos. Nos anos 80, Brasil e Coréia do Sul registravam anualmente quantidades semelhantes de patentes nos Estados Unidos: em 1980 o Brasil depositou 53 pedidos de patentes, e a Coréia do Sul, 33. O jogo começou a virar em 1985, quando o número de patentes coreanas passou a crescer exponencialmente, fruto de um pesado investimento empresarial em P&D. Para dar uma idéia, enquanto o Brasil registrou 220 pedidos de patentes nos Estados Unidos em 2000, a Coréia do Sul depositou 5.705 pedidos.
Para superar as dificuldades estruturais - concentração da atividade de pesquisa e desenvolvimento no ambiente acadêmico e institutos de pesquisa e baixo investimento empresarial, entre tantos outros -, não basta azeitar a relação universidade/empresa nem é suficiente que as indústrias contratem mais cientistas e engenheiros. O grande desafio é criar um ambiente que estimule a empresa a investir em conhecimento, com reflexos em ganhos de competitividade, desenvolvimento e riqueza.
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