2008 . Ano 5 . Edição 41 - 16/03/2008
André Gambier
Algumas das propostas de reforma da previdência social em discussão nos meios econômicos, sociais e políticos apresentam um foco estrito no próprio sistema previdenciário. Esquecem que os problemas que o afligem radicam, na verdade, no mercado de trabalho - caracterizado por desemprego, informalidade e baixos salários.
Ao longo da década de 1990, o mercado laboral sofreu bastante com o fraco desempenho da economia brasileira.De 1990 a 1999, o PIB cresceu apenas 1,6% ao ano - taxa muito inferior à registrada em décadas anteriores (inferior inclusive à de 1980 - a chamada "década perdida"). Neste contexto de reduzido crescimento, o desemprego explodiu.Nas regiões metropolitanas pesquisadas pela PME/IBGE, que congregam boa parte da população do país, a desocupação aberta dobrou - passou de 4,2% em 1989 para 8,4% em 2000.
A informalidade seguiu pelo mesmo caminho. Levando em conta apenas os assalariados sem carteira assinada das áreas metropolitanas, verifica-se que seu número aumentou em 45,2% no período. Enquanto isso, o contingente de assalariados com carteira diminuiu 21,5%.
O desemprego e a informalidade, principalmente nas metrópoles brasileiras, afetaram a remuneração do trabalho. De julho de 1994 a dezembro de 1998, o rendimento do trabalho captado pela PME/IBGE subiu 40,1%. Todavia, de janeiro de 1999 a janeiro de 2000, caiu 14,5% em termos reais (todos estes dados são da série antiga da PME/IBGE). Este cenário de desestruturação do mercado laboral, próprio da década de 1990, trouxe dois grandes problemas para a seguridade social (incluindo-se aí a previdência). De um lado, a demanda da população economicamente ativa por proteção tendeu a aumentar. Sem trabalho, sem emprego e/ou com rendimentos em queda,parte dessa população bateu às portas do sistema de seguridade, em busca de recursos que garantissem sua sobrevivência.
De outro lado,as possibilidades de a seguridade atender a essa maior demanda por proteção tenderam a estreitar-se.Os recursos que financiavam benefícios/serviços sociais (principalmente os previdenciários) tornaram-se relativamente mais escassos. Isso porque tais recursos eram oriundos de tributos incidentes sobre rendimentos do trabalho - que estavam em queda no período. Ou, então, de tributos incidentes sobre o faturamento/lucro das empresas - estagnados, dado o reduzido crescimento do PIB.
Em alguma medida, a seguridade e a previdência ficaram no fogo cruzado entre as demandas da população ativa e as dificuldades de financiamento de políticas sociais. E estas dificuldades tornaram-se ainda maiores, dadas as imposições da política de estabilização monetária do período (que incluía a subtração de recursos das políticas sociais para o pagamento de juros da dívida pública - como testemunham o Fundo Social de Emergência, o Fundo de Estabilização Fiscal e a Desvinculação de Receitas da União).
Dessa maneira,se atualmente os meios econômicos, sociais e políticos discutem reformas na previdência social, é preciso lembrar dos constrangimentos a que esta esteve submetida na década de 1990. Constrangimentos que estiveram relacionados à dinâmica da macroeconomia e do mercado laboral. Idéias de reforma previdenciária que os desconsiderem correm o risco de serem classificadas como "fora de lugar".
Acrescente-se que o atual contexto macroeconômico é bastante distinto do anterior. De 2004 a 2007, o PIB brasileiro cresceu 4,4% em média - percentual quase três vezes superior ao da década de 1990. Diversas foram as conseqüências sobre o mercado laboral. O desemprego recuou - de 6,6% em janeiro de 2004 para 4,5% em janeiro de 2008. A formalidade da ocupação avançou - o emprego com carteira assinada aumentou 24,2% no período; ao passo que o sem carteira, apenas 1,8%. E, na esteira disso, a remuneração do trabalho melhorou: aumentou 11,2% em termos reais (dados da série antiga da PME/IBGE). Nesse novo contexto, as demandas por proteção por parte da população ativa tendem a se reduzir, enquanto as possibilidades de financiamento das políticas sociais tendem a aumentar. E, obviamente, essas novas tendências devem ser levadas em conta em eventuais propostas de reforma da seguridade e da previdência social no Brasil.
André Gambieré pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
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