2008 . Ano 5 . Edição 41 - 16/03/2008
Ricardo Luiz Chagas Amorim e Alexandre de Freitas Barbosa
As ideologias sempre foram imprescindíveis. Aqueles que advogam sua morte são os remanescentes do pensamento único e temem um franco e democrático embate sobre as alternativas de desenvolvimento. É neste sentido que o sociólogo Pierre Bourdieu sugere que a manutenção da atual ordem simbólica, construída e difundida pelos economistas liberais, é vital para o funcionamento da ordem econômica contemporânea.
Por isso mesmo, o combate ao reducionismo econômico da complexidade social deve-se dar também no plano ideológico. De fato, o cenário atual revela-se pouco auspicioso a uma perspectiva de desenvolvimento nacionalista (sem cacoete xenófobo), especialmente se proveniente da periferia, e a culpa não é tanto da chamada globalização. Sucede que o atual regime econômico internacional - com agências multilaterais associadas à finança desregulada e à defesa da "liberdade" irrestrita para a ação das empresas transnacionais - tende a constranger estratégias alternativas, embora as primeiras rachaduras neste edifício já se façam sentir.
Muito longe estaríamos da verdade se jogássemos a culpa apenas no inimigo externo.Seria desconsiderar que o Brasil conta hoje com uma invejável tropa de choque liberal. Esta confraria, que ainda encontra respaldo em segmentos do governo, estabelece a sua artilharia verbal a partir de importantes pontos da academia, da mídia e do setor financeiro.Uma verdadeira comunidade de espírito, onde todos os meios são dispostos para se assegurar o fim idílico do investment grade.
Mas, tal como os maçons do passado, seu vínculo primordial está no exterior. Recebem seus canudos nas universidades norte-americanas, enriquecem no mercado financeiro sem fronteiras e escrevem seus libelos colonizados sob aplausos dos editores nacionais. O vínculo forte com o exterior faz com que se pensem cosmopolitas. Mas não o são.Seu cosmopolitismo se resume a copiar estilos, padrões de consumo e a desprezar o popular e nacional. Ainda não compreenderam que o que se vende como cosmopolita é apenas a cultura do país dominante no cenário internacional. Assim, não pensam em desenvolver o Brasil a partir da sua realidade. Apenas defendem um tipo de inserção externa e de capitalismo, cujos fins únicos são a inflação baixa, a segurança jurídica e a enxurrada de capitais sem distinção.
Importa ressaltar, porém, que nem sempre prevaleceu na história do país este saber com horror à evidência empírica e profundo desprezo pela realidade nacional. Como lembra Lourdes Sola, até o golpe de 1964, os economistas brasileiros podiam ser considerados técnicos em fins e travaram uma batalha fervorosa, no governo e na opinião pública, acerca dos melhores caminhos para se industrializar o país. Eram todos de uma ou outra forma desenvolvimentistas.
Mas, a partir dos anos 1990, desembarcou no país a UDN econômica, segundo Paulo Nogueira Batista Jr. Praticamente proscritos da vida pública por cerca de 60 anos - não coincidentemente, o período em que vivemos crescimento econômico e diversificação produtiva -, eles voltaram à carga com um ativo, a baixa inflação, que pouco compensa o imenso passivo deixado: estouro das contas externas, dívida pública estratosférica, crescimento pífio, explosão do desemprego e da exclusão social. Hoje, quando o Brasil volta a crescer, o Estado recupera o seu papel de coordenação e planejamento dos investimentos e os indicadores sociais melhoram,os mesmos exterminadores do futuro vêm a público dizer que o crescimento econômico atual é simplesmente resultado das políticas dos anos 1990. Trata-se do último suspiro daqueles que vão ficando para trás.
Por outro lado, o que o Brasil precisa,daqui em diante, é de mais ousadia. Este salto só se faz possível a partir de uma revisão dos termos do debate atual: desenvolvimento não é expansão do Produto Interno Bruto (PIB); pobreza não é apenas medida; emprego é mais que fator trabalho; inserção externa não quer dizer atração de investimentos; e conhecimento vai muito além de tecnologia importada. Em síntese, a mera aceitação da idéia de projeto nacional é uma das condições para prosseguirmos, de forma original, a nossa construção interrompida.
Ricardo Luiz Chagas Amorim (foto) é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Instituto de Economia da Unicamp e professor licenciado da Universidade Mackenzie Alexandre de Freitas Barbosa é pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap)
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