2008 . Ano 5 . Edição 41 - 16/03/2008
Ronaldo Coutinho Garcia
Não raramente, as despesas correntes da União são tratadas como vilão para as contas públicas e entrave ao crescimento da economia brasileira. As recomendações inevitáveis são: cortar as despesas, sem dizer quais; aumentar a produtividade dos servidores públicos, sem falar como; e elevar a eficiência, sem dar o roteiro. Essas recomendações simplificam enormemente a realidade concreta do processo de governar, desprezando a relevância social, econômica e política dos itens específicos que compõem a despesa considerada corrente. Demonstram, ademais, ignorar as dificuldades técnicas para proceder a reduções nas despesas, que, se feitas de forma linear, sem critérios claros e endossados por avaliações técnico-políticas, provocam profunda desorganização na execução das ações, com efeitos nefastos para amplas parcelas da sociedade e para o próprio governo que as executa.
Temos razões de sobra para desejar administrações públicas globalmente mais eficientes e probas. Mas existem interesses e motivações para que tais demandas e formulações sejam feitas de forma genérica e contundente, conseguindo transformar as despesas correntes na grande vilã das finanças públicas. Primeiro, para estampar o rótulo de ineficiente em tudo o que fazem os governos. Com isso, busca-se angariar adesões, pois todos esperam que os governos sejam eficientes. Conquistadas as adesões (mediante o martelar incessante pela mídia), cria-se um senso generalizado de urgência. Afinal, o desperdício é inaceitável.Vem, então, a pressão para que a redução nas despesas correntes seja feita de forma rápida. A rapidez, nesse particular, equivale a penalizar os que não podem se defender por não terem voz, organização e acesso à imprensa. Ou seja, parcela majoritária da população brasileira. Outro subproduto desse processo é colocar o governo na defensiva, sempre a justificar-se e incapaz de tomar iniciativas que contrariem os interesses dos privilegiados.
De fato, as despesas correntes da União cresceram. Mas temos um quadro de servidores públicos aquém do necessário e o pagamento de pessoal, ativo e inativo, tem decrescido como proporção da despesa corrente líquida. As despesas com programas sociais também cresceram, como é de esperar quando a economia tem desempenho pífio, o desemprego e a informalidade aumentam e as desigualdades sociais são gritantes. Todavia, não temos um sistema de proteção social satisfatório que cubra todas as carências de muitas dezenas de milhões de brasileiros. Os benefícios previdenciários cresceram, face a direitos estabelecidos na Constituição, que permitiram a incorporação de mais de 12 milhões de pessoas à proteção previdenciária e assistencial. Ou seja, as despesas correntes da União conheceram aumentos, partes delas não são feitas com a eficiência possível, mas beneficiam diretamente brasileiros que delas precisam. Cidadania é uma condição exigente de recursos financeiros públicos.
Chama a atenção, no entanto, que em quase todas as discussões sobre finanças públicas um pressuposto seja implicitamente adotado: fala- se apenas das despesas não-financeiras. Excluem- se, de partida, os pagamentos de juros e encargos da dívida pública. São intocáveis, impronunciáveis, inexistentes para a política fiscal, ainda que a onerem pesadamente.
A dívida pública mobiliária federal interna foi multiplicada por sete em um pouco mais de uma década, empurrada pelas mais altas taxas de juros do planeta. Enfrentar o pesado endividamento, adotar uma política monetária condizente com a realidade fiscal do país e com as expectativas de inflação cadente a médio prazo e reformar a estrutura e a política tributária (fazendo-a progressiva, federativa e pró-produção) também são opções. Menos custosas socialmente, mais inteligentes do ponto de vista econômico e politicamente menos exigentes. Afinal, no momento, parece que estamos presenciando um quase consenso sobre a necessidade de baixar os juros, ampliar o investimento público e estimular o privado, adotar medidas e políticas para a sustentabilidade ambiental e, principalmente, avançar na redução das desigualdades sociais.
Ronaldo Coutinho Garcia é técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
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