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Agronegócio - Boi na linha

2005. Ano 2 . Edição 17 - 1/12/2005

Trabalho do Ipea constata os problemas de controle de qualidade na produção de carne bovina no Brasil e mostra a necessidade de avançar além dos regulamentos burocráticos para um novo sistema de rastreamento e certificação, com adesão voluntária dos produtores


Anthony de Christo

Trabalho do Ipea constata os problemas de controle de qualidade na produção de carne bovina no Brasil e mostra a necessidade de avançar além dos regulamentos burocráticos para um novo sistema de rastreamento e certificação, com adesão voluntária dos produtores

Aconteceu e muitos já esperavam, mudos, que o fogo da febre aftosa consumisse o rastilho de pólvora espalhado em área supostamente protegida, até explodir na fazenda dos Vezozzo, no estado do Mato Grosso do Sul, maior produtor brasileiro de bovinos. Não foi praga rogada nem só mistura malfeita de parcos dinheiros públicos com malícia empresarial. A sopa tem pitadas de cobiça e até de certo despreparo no caldo de exportações de carne vermelha, que, mesmo com a crise, deverá espetar, em 2005, uma papeleta de 3 bilhões de dólares na planilha das contas nacionais. Todo mundo tem alguma solução para o problema. As sugestões vão desde aumentar o contingente de 4,5 mil fiscais federais agropecuários que atestam a qualidade dos alimentos até a criação de novas obrigações para os pecuaristas.

Em meio ao rol de acusações provocadas pelo surgimento da doença, um estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que é preciso avançar muito além dos regulamentos e da máquina burocrática. O texto "Certificação e rastreabilidade no agronegócio: instrumentos cada vez mais necessários", assinado por Júnia Cristina da Conceição, pesquisadora do Ipea, e por Alexandre Lahóz Mendonça de Barros, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, resultou de pesquisa de campo, realizada no segundo semestre de 2004, com o objetivo de descobrir qual o padrão tecnológico da pecuária brasileira em suas principais regiões produtoras. Visitas a São Paulo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Tocantins, Goiás, Minas Gerais e Paraná cobriram 12 mil quilômetros, abrangendo fazendas, frigoríficos exportadores, centrais de inseminação e encontros com pecuaristas.

O trabalho in loco e a reflexão dos pesquisadores produziu uma análise quase profética, que antecipava a possibilidade de eclosão de novos surtos de aftosa, como o que ocorreu pouco antes de o texto ser publicado. Mendonça de Barros traz para o primeiro plano o contexto do estudo: "Historicamente, nós sempre exportamos açúcar, café, e em 1970 passamos a exportar laranja. Mas praticamente não estávamos no mercado internacional de zootecnia, animal. Foi uma confluência de fatos". E prossegue: "A crise da vaca louca, associada à desvalorização cambial de 1999, abriu uma brecha no mercado internacional de carne vermelha que o Brasil ocupou com uma competência extraordinária".

O professor lembra que, em 1998, exportávamos cerca de 500 mil toneladas de carne vermelha e saltamos para 2,8 milhões de toneladas em 2004, quantidade próxima à produzida pela Austrália. "O processo se deu numa velocidade extraordinária", observa Mendonça de Barros. "E aí é que está a questão fundamental, eu acho que o Brasil não estava preparado, do ponto de vista sanitário e de seus sistemas, para dar conta da repentina entrada no mercado internacional."

A aftosa é uma moléstia problemática. Não afeta o ser humano, mas atingiu em cheio o mercado. As ações negociadas em bolsa de valores de uma série de empresas, até mesmo as da Sadia, que atua nas cadeias de suínos e de aves, sofreram o impacto da crise sanitária do boi. E o mundo descobriu a fragilidade de nossa estrutura de defesa sanitária, de organização e normatização - em que o Brasil tinha tradição de qualidade, enfraquecida ao longo do tempo pela aplicação de menores recursos e pelas maiores exigências comerciais.

 

Há três anos, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento começou a implantar o Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina (Sisbov), primeiro obrigatório, depois voluntário, saudado como o suporte de qualidade às grandes oportunidades de exportação. O sistema é simbolizado pelo brinco de identificação cravado em cada boi, do nascimento ao abate, e por um cadastro de rastreamento da vida sanitária dos animais. Porém, apesar de reconhecidos sucessos, o Sisbov defronta-se com as dimensões e os vícios do país real. Mira um rebanho de 150 milhões de cabeças espalhadas em 8,5 milhões de quilômetros quadrados, muitas delas com livre trânsito em fazendas que incluem as fronteiras secas com países onde as práticas sanitárias estão longe de qualquer inspeção. Existem, além disso, os problemas do sistema de controle sanitário, como a carência de instituições certificadoras, até mesmo em regiões declaradas com risco de aftosa, um único laboratório de referência para atestar a doença - o Lanagro, de Belém, no estado do Pará -, um imperfeito mercado interno de comercialização e a clandestinidade que está na boca do povo e pode representar, segundo os otimistas, 40% do abate de gado no Brasil.

Mesmo assim, o estudo publicado pelo Ipea atesta que o expressivo aumento das exportações brasileiras de carne bovina fez crescer, na mesma proporção, o número de animais rastreados. A demanda da indústria frigorífica promoveu a diferenciação de preço do boi rastreado, e o prêmio pago ao produtor serve para compensar os custos adicionais do controle do rebanho. Porém, nem sempre esses custos são efetivamente compensados. Sobretudo porque a escala de exportação é instável e o prêmio varia com a demanda, enquanto as despesas de rastreamento não podem ser interrompidas, por motivos evidentes.

Na matemática de custo mais alto com risco de prêmio, abre-se espaço para uma parcela que mascara o processo. A pesquisa de campo, citada no trabalho de Conceição e Mendonça de Barros, comprovou claramente que, em algumas regiões, vigora a prática corriqueira de colocar os brincos nos animais apenas no momento do abate. O problema é grave, por isso Conceição alerta que "não é apenas um selo colado ao produto que vai garantir sua qualidade". E exemplifica: "É preciso ter laboratórios confiáveis e reconhecimento internacional da certificação. Temos um caminho longo a trilhar". É possível consolidar no país uma cultura de certificação e rastreamento de alimentos, derivados e produtos equivalente à dos mercados externos que o Brasil atende. "Mas os processos de certificação envolvem custos", diz Conceição, "e esses custos só serão assumidos pelos produtores se houver real expectativa de ganhos com tais práticas."

O desafio de fazer com que produtores cumpram os processos de certificação leva à pergunta central do trabalho do Ipea: as políticas de certificação e rastreabilidade devem ser mandatórias ou de adesão voluntária? A experiência internacional, segundo os autores, sugere que há espaço para as duas estratégias, mas adverte que cada um precisa cumprir a sua parte para que os concorrentes não avancem sobre as saborosas fatias de consumidores do mercado global. Especialmente porque a inteligência agroindustrial brasileira já constatou que, embora durante muitos anos tenha sido possível ao Brasil suportar serviços competentes e bem aparelhados de garantia, proteção e defesa fitossanitária, amarrados em regulamentos cartoriais e tributários, muitos vieses globais de segurança e qualidade de alimentos já não podem ser assegurados apenas pelo Estado. Especialmente após o Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (TBT, das iniciais em inglês) e a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), no final de 1993.

Isso quase todos sabem. E, para quem não sabia, o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, já considerava, em maio passado, que "colocar um fiscal em um frigorífico recebendo um salário risível também pode permitir que ele seja controlado pela empresa". Rodrigues acha que não podemos ter um Estado monumental, e exemplifica: "Se nós tivermos 15 mil frigoríficos no país, temos de ter 15 mil fiscais? Precisamos de um modelo flexível, moderno e eficaz. O que importa é garantir a qualidade para os consumidores do Brasil e do exterior". Os fatos e o embaraço da crise da aftosa - que não é a primeira e não deverá ser a última - expõem a céu aberto o desafio do país de sustentar o firme crescimento das exportações e o mercado interno ampliado após o Real, de certificar, rastrear e atestar a qualidade de suas cadeias produtivas.

 

Existem, porém, iniciativas no agronegócio brasileiro em sintonia com as propostas do trabalho do Ipea que não resultam de uma decisão burocrática, mas da interação entre produtores, técnicos do governo e cientistas. É o caso do setor exportador de frutas. O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de frutas e seu posicionamento nos mercados internacionais cresceu e se consolida a partir do Sistema de Avaliação de Conformidade da Produção Integrada de Frutas (PIF), lançado pelo governo brasileiro, em 2002, e construído graças à determinação de empresários e produtores, sob a inspiração das normas e do processo de certificação EuroGap - um atestado de boa prática agrícola criado por um grupo de trabalho dos comerciantes varejistas europeus.

Esforços de boas práticas e integração agroindustrial, inclusive com apoio de universidades e instituições como a Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa), têm conferido invejável posição também às cadeias da avicultura, suinocultura e cana-de-açúcar. Agora, surgiu o Projeto do Sistema de Qualidade nas Cadeias Agroindustriais (Qualiagro), que pode contribuir para novas melhorias na qualidade da produção no agronegócio.

O produtor, especialmente do setor agroindustrial, deve liderar o processo de certificação e rastreabilidade para garantir a qualidade do que produz, defende Eduardo Pereira de Carvalho, presidente da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Única), que reúne os maiores produtores e exportadores de cana, açúcar e álcool do país. Carvalho enxerga o livre comércio, lá na frente, e a qualidade da produção substituindo as barreiras tarifárias, em mercado mais perfeito promovido pela socialização das informações e pela rapidez das comunicações. Insiste que não se transformará da noite para o dia a ineficiência das estruturas burocráticas do Estado brasileiro. "Por mais recursos que houvesse - e eles não existem -, isso é um sonho", diz Carvalho.

Assim, a missão dos países atentos a seus interesses comerciais passa a ser a de se equipar, do ponto de vista técnico e institucional, para cumprir exigências e cobrar reciprocidade de seus concorrentes. Os europeus, por exemplo, têm preferido a normatização aos regulamentos muito detalhados; tendem a manter os requisitos essenciais e deixar os detalhes para que sejam acertados no processo de normatização, onde todas as partes interessadas participam. Normas e regulamentos estão se despojando rapidamente de seus adereços técnicos restritivos para envergar uniformes mais adequados à lida comercial dos mercados.

Qualidade em todas as fases
A nova norma internacional ISO 22000, para gestão de cadeias de alimentos, as normas e o processo de certificação EuroGap, além do Acordo sobre Barreiras Técnicas do Comércio (TBT), estão exigindo do país e das empresas um consistente projeto de desenvolvimento de práticas produtivas e comerciais que posicionem definitivamente o Brasil como um dos grandes nos mercados internacionais.

Os conceitos da EuroGap são antigos, da década de 70, e foram introduzidos na Europa, na produção de frutas, com o objetivo de reduzir a utilização de agroquímicos, incrementando o manejo integrado de pragas. Seu escopo foi ampliado e inclui a hoje obrigatoriedade de práticas de manejo do solo, da água, dos vegetais, da nutrição e das doenças, transformado em sistema completo para obtenção de metas de sustentabilidade da produção e comercialização de frutas. Envolve todas as fases do processo, da produção à embalagem e comercialização, no conceito de produção integrada.

A concepção em vigor foi elaborada por supermercados europeus com objetivos comuns de garantir alimentos seguros, social e ambientalmente corretos e saudáveis aos consumidores. O protocolo EuroGap delineia conjuntos de boas práticas agrícolas que devem ser seguidas por produtores para receberem certificação de uma terceira parte; é considerado um código de conduta, já adotado para a certificação inclusive de frutas brasileiras vendidas no mercado europeu.

Árbitros transparentes
Num planeta em que é possível produzir quase qualquer produto em praticamente qualquer lugar, as normas serão os árbitros transparentes do comércio, e a rastreabilidade, o passaporte idôneo das transações correntes. É assim que Eustáquio José Costa, gestor do Projeto do Sistema de Qualidade nas Cadeias Agroindustriais (Qualiagro), imagina o futuro do comércio internacional. O Qualiagro foi criado em junho deste ano por iniciativa da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag) e da Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (Fealq).

"O objetivo do Qualiagro é articular as providências requeridas pelo setor público e indicadas pelo setor privado para harmonizar a atuação como players internacionais frente à nossa adesão ao acordo da Organização Mundial do Comércio, com a missão de consolidar a posição do Brasil como liderança comercial em muitas áreas e para ampliação da vigilância sanitária", explica Costa.

O Qualiagro visa esclarecer aspectos conceituais (qualidade, rastreabilidade, normatização, entre outros); construir, validar e divulgar um sistema de gestão que assegure aos mercados a coerência e a durabilidade dos processos e sua manutenção no tempo, de forma a acompanhar os avanços e a dinâmica de acesso aos mercados globalizados.

O foco do projeto é o acesso aos diversos mercados, e a participação efetiva no seu desenvolvimento deve abranger os ministérios da Agricultura, por meio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), da Ciência e Tecnologia, por meio do CTAgro e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep); do Meio Ambiente; da Saúde; e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

 
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