2008 . Ano 5 . Edição 45 - 05/07/2008
Wanderley Messias da Costa
A América do Sul e o seu processo de integração em curso constituem um formidável laboratório para os analistas da cena internacional contemporânea do pós-Guerra Fria. Os estudiosos e os policy-makers dos países da região e de fora dela estão de modo geral convencidos de que também aqui se desenrolam eventos que poderão confirmar, ou jogar por terra, a validade das teorias e análises voltadas para uma adequada compreensão da natureza e as tendências dominantes do atual sistema internacional.
Elas expressam, de um lado, a contração desse sistema como um todo (os movimentos centrípetos), processo associado à construção de uma governança mundial - globalizada e regionalizada - que teria adquirido notável relevância na atualidade e,desse modo,mais que o resultado do clássico equilíbrio de poder entre as potências ou os estados soberanos em geral, a estabilidade das relações internacionais estaria condicionada à eficácia dos mecanismos de regulação que integram valores universais e normas jurídicas, instituições e políticas supranacionais.
Em posição contrastante, pontifica a corrente de pensamento que identifica a predominância de uma ordem mundial ainda submetida às tendências de dispersão ou fragmentação (os movimentos centrífugos). Nesta acepção, por mais que o direito internacional ou o interesse geral da comunidade internacional sejam relevados em determinadas circunstâncias, a natureza intrínseca do sistema assenta-se na assimetria de poder e no interesse exclusivo dos Estados no exercício legítimo das suas respectivas soberanias, moldando um comportamento que seria típico, por exemplo, da atuação das grandes potências.
Ressalvadas as nossas particularidades regionais e nacionais,a integração sul-americana é um processo que expressa, desse modo, as ambigüidades e as incertezas dessa complexa era de transição, na qual as convergências encontram-se amalgamadas às divergências. Apesar disso,o balanço sobre essa e as duas dezenas de experiências em curso demonstra que segue firme um abrangente e vigoroso processo de regionalização do mundo atual.
Outra questão suscitada por esse debate é o problema político e teórico da escala de análise envolvida na integração da América do Sul. Desde logo, firmamos a nossa posição de que para a geopolítica e a geoeconomia contemporâneas, não existe essa entidade abstrata e indefinida chamada América Latina enquanto um objeto teórico ou empírico das relações internacionais. Não se trata aqui apenas de rejeitar a antiga denominação européia (de Napoleão III) para centenas de povos americanos - os nativos, imigrados ou miscigenados - situados ao sul do Rio Grande e alguns deles, inclusive, sem nenhuma relação cultural com uma suposta "raiz latina". Também não é apenas uma reação ao desconforto diante da forte tradição que se cristalizou nos sistemas escolares, nas instituições acadêmicas e nas chancelarias norteamericana e européias, principalmente, o que nos mantêm indistintamente agrupados sob esse rótulo, como se expressássemos uma identidade cultural e política comum ou compartilhássemos um projeto de futuro.
Em suma, o que deve ser apreendido, sobretudo, é que está sendo construída uma nova região na América e no mundo, tendo como base comum fatores tão diversos como as situações de contigüidade territorial-nacional, as antigas relações e identidades fronteiriças e um ambicioso projeto de integração física na escala subcontinental - a Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA). Além disso, com o Mercosul, a consolidação de um sistema regional de comércio que tem promovido a eliminação gradual das barreiras internas, combinada a uma política de bloco que propicia a esses países atuar em melhores condições num ambiente de crescente competição internacional. Finalmente, e como o mais emblemático sinal de uma nova geopolítica na região, está em curso uma ousada concertação interestatal com vistas a uma estratégia futura de mútua proteção diante de potenciais ameaças externas.
Wanderley Messias da Costa é professor titular do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Geografia Política
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