2008 . Ano 5 . Edição 45 - 05/07/2008
Daniel Negreiros Conceição
Salvo no caso de poucos proprietários de bens produtivos ou ativos financeiros, é através da venda do seu trabalho que as pessoas obtêm a renda que lhes permite adquirir os bens e serviços sem os quais uma subsistência digna não é possível. Assim,é provavelmente a mais grave insuficiência do sistema capitalista a situação em que pessoas se encontram involuntariamente desempregadas. Não é difícil perceber a ligação entre situações de elevado desemprego e as mazelas que afetam de alguma forma quase todas as sociedades do mundo. Violência, deterioração da saúde da população, fome e desestruturação familiar são quase sempre mais graves onde há mais desempregados.
É um erro imaginar que estabilidade econômica e redução do desemprego sejam objetivos excludentes. A recente crise financeira nos EUA elevou ao status de celebridade o economista Hyman Minsky, falecido em 1996. O que poucos conhecem da teoria minskyana é que os mecanismos propostos para resguardar a economia dos efeitos da instabilidade dos sistemas financeiros não se limitariam à atuação da autoridade monetária como "emprestadora de última instância". Com a queda do investimento, caberia à autoridade fiscal elevar seus gastos e neutralizar a queda da demanda agregada e seus efeitos recessivos sobre a atividade produtiva e o nível de emprego. Políticas como o Bolsa Família, o pacote de estímulo econômico do Tesouro americano e o PAC seriam possíveis formas de estimular a produção e o emprego. No entanto, como solução para o desemprego e pobreza, nenhuma política seria tão eficiente como a garantia universal de emprego remunerado pelo Estado.
Um programa de garantia universal de emprego eliminaria de vez qualquer nível de desemprego involuntário. O Estado empregaria a todos que desejassem trabalhar pelo pacote de salário e benefícios do programa. A injeção da renda paga aos participantes do programa aqueceria a economia estimulando o aumento da produção e emprego privados. A política teria caráter anticíclico, elevando o gasto público em momentos de retração econômica com desemprego alto e o reduzindo em situações de expansão. Participantes do programa seriam mais facilmente absorvidos pelo setor privado que desempregados, já que o desempenho de atividades úteis organizadas pelo Estado lhes permitiria manter e desenvolver habilidades úteis para as empresas. Além disso, atividades normalmente não desenvolvidas pela iniciativa privada, mas úteis e necessárias,poderiam ser oferecidas à população.
Ainda que o aumento da renda disponível da população pressionasse num primeiro momento o nível de preços,os efeitos inflacionários do programa seriam menores que de outras políticas de combate à pobreza, já que a produção de bens e serviços contribuiria para a expansão da oferta agregada.Além disso, se mantido estável, o salário do programa serviria como âncora para o nível de preços. Em alguns países, políticas de garantia de emprego foram realizadas com sucesso. Na Índia e na África do Sul, políticas de garantia de emprego têm reduzido a pobreza e aumentado a inclusão social. Na Argentina, o programa Jefes de Hogar foi decisivo para a recuperação daquele país após o colapso econômico de 2001.
Um programa de garantia de emprego,mesmo mais modesto que o programa universal proposto por Minsky, poderia ser complemento perfeito para políticas de desenvolvimento econômico como o PAC e o programa de bolsas. Combinadas, tais políticas reduziriam sensivelmente o desemprego e a pobreza no Brasil, criando uma realidade social e econômica melhor. Ao mesmo tempo, os mecanismos de estabilização macroeconômica discutidos tornariam a economia brasileira mais saudável e resistente a choques econômicos.
Pleno emprego é sem dúvida algo que todos queremos. É necessário apenas que economistas e políticos percebam que o pleno emprego é economicamente viável e relativamente simples de ser atingido. Basta que o Estado atue como o "empregador de última instância".
Daniel Negreiros Conceição é membro fundador do Movimento Nacional pelo Desemprego Zero e do Instituto Desemprego Zero e doutorando na Universidade do Missouri em Kansas City (UMKC)
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